A Paz só será possível
mediante a superação da indiferença!
Na
celebração cristã do novo ano entreleçam-se três comemorações: o início de um
novo ano civil, a festa da maternidade de Maria e a jornada mundial pela Paz.
Para começar, não esqueçamos que um ano novo,
marcado pela novidade regeneradora da Paz, não costuma chegar da noite para o
dia, ao ritmo de fogos de artifício. As novidades promissoras e duradouras são
gestadas muito pacientemente no ventre profundo da história e das pessoas de
boa vontade, daquelas que acolhem os dons e convites que vêm dos desertos, das
periferias e das fronteiras, dons que desestabilizam e põem a caminho.
Iniciamos
o novo ano no clima espiritual do Natal. A liturgia continua convidando-nos a
penetrar mais profundamente o mistério da encarnação de Deus. Hoje,
contemplamos a chegada dos pastores à gruta ou estábulo de Belém. Ali eles
encontram Jesus no seio de uma família pobre e migrante. Ficam vivamente
impressionados com o que vêem, e comparam com tudo aquilo que tinham ouvido. É
possível imaginar a pergunta que ressoa na cabeça deles: Como pode uma criatura
tão frágil ser portadora da Paz a todos os homens e mulheres de boa vontade?
Nascido e
acolhido também por nós e no meio de nós, Jesus de Nazaré pode pacificar o
mundo estabelecendo relações novas, baseadas na justiça e no combate à
indiferença. E ele cumpre a promessa de Deus e a esperança humana através de
cada um de nós, de homens e mulheres de boa vontade, de líderes autênticos e de
organizações que não se resignam à paz aparente, à paz que se edifica e sustenta sobre a
indiferença e o equilíbrio de forças ou o terrorismo, seja aquele promovido
pelos grupos radicais ou aquele sustentato pelos Estados prepotentes.
Parece
que os pastores conseguiram compreender o mistério de um Deus que não se
compraz na força dos cavalos ou dos tanques, nos cortejos de acólitos, nas
doutrinas e nos códigos de direito, nem tampouco nos kamikazes ou homens-bomba.
Deus se alegra com o despojamento voluntário e solidário de quem se faz próximo
e peregrino com os deslocados e, por isso, vive louvando e glorificando a Deus
por tudo o que vê e ouve. O próprio nome de Jesus é boa notícia da salvação: Deus salva seu povo do pecado. Ele age
libertando, perdoando, e isso é motivo de profunda e agradecida alegria.
Em Jesus
de Nazaré, na encarnação, missão e paixão do Filho de Deus, somos libertados do
débito que temos conosco mesmos e com os outros por não conseguirmos realizar a
utopia que realmente sonhamos. Estamos livres da culpa de termos ficado aquém
ou errado o alvo. Deus não espera que cheguemos heroicamente a esta meta. Ele
mesmo vem decididamente ao nosso encontro e, tomando-nos pela mão, nos conduz e
sustenta nesse caminho. Ele é nossa Paz! Paz entre pessoas, religiões, classes,
nações, partidos. Paz entre vencidos e vitoriosos. Paz também entre a
humanidade e a criação.
Suspiramos
por esta Paz que é tão necessária quanto urgente. Uma paz que não venha
apaziguar superficialmente as relações humanas, passando à margem das relações
desiguais que precisam ser mudadas. Gememos e sofremos por uma Paz geral,
concreta e profunda, que parece atrasada e até impossível. Lutamos por esta Paz
em todas as frentes, a ponto de quase perdermos a paz. Sem esquecer que, na sua
mensagem para a Jornada Mundial pela Paz,
celebrada universalmente no dia de hoje, o Papa Francisco pede que construamos a Paz vencendo a
indiferença.
É do
ventre da dor humana assumida solidariamente que o Espírito desperta a
dignidade de todas as criaturas e o grito em coro: “Abbá, pai querido!” Nascido
de mulher e sob a Lei, Jesus conduz à liberdade todas as pessoas, começando
pelos últimos, pelas pessoas que são colocadas à margem. Ele confirma que Deus reconhece todos como filhos, e nos
convida a superar relações pautadas pelo medo e pela dominação. Como filhos,
somos também herdeiros do Reino de Deus, da “shalom” que proporciona o “tudo de
bom” que repetimos nestes dias de passagem, o convívio sadio que tem sua base
na compaixão que vence a indiferença e na justiça que destrói a desigualdade.
Deus querido, Pai e Mãe! Neste ano que se
inicia, faz com que sejamos construtores de Paz. Ensina-nos a contemplar e
compreender o anseio de Paz e de comunhão que pulsa no coração do mundo, e a
superar a indiferença que tende a se propagar como se fosse sabedoria e boa
notícia. Suscita em nós o canto que brota da dignidade de filhos e filhas que
teu Filho concedeu. Faz de nós e das nossas comunidades incansáveis
construtores da Paz. E dá-nos experimentar, como o concedeste a Maria e aos
pastores, a alegria de reconhecer a grandeza de Deus na pequenez e na
fragilidade humana. Assim seja! Amém!
Itacir Brassiani msf
(Livro dos Números 6,22-27 * Salmo 66 (67) * Carta
aos Gálatas 4,4-7 * Lucas 2,16-21)
Nenhum comentário:
Postar um comentário