No Presépio encontramos a Palavra, a Vida, a Graça e a Glória!
Imagino
que a festa da noite de ontem tenha se prolongado madrugada adentro, e na manhã
de hoje tudo esteja mais silencioso. Aproveitemos, pois, este silêncio para
compreender o sentido do Natal, colocando entre parênteses os apelos e ofertas
do mercado e pedindo ajuda aos primeiros cristãos. Por trás do hino do do
Evangelho de João e da carta aos Hebreus está uma experiência concreta e uma
profissão de fé amadurecida numa busca longa e intensa, em meio a conflitos e
perseguições. E o coração desta Boa Notícia é a manifestação da glória de Deus
na vulnerabilidade da carne humana.
Tudo
parte da gruta de Belém e nela se sustenta. Mas não menos viva é a memória da
vida inteira de Jesus, seu anúncio e sua ação provocadora e libertadora, a
condenação e morte que sofreu na cruz dos proscritos. João tem isso presente
quando nos fala da Palavra que estava junto de Deus e que era Deus, que é a Luz
que brilha e vence as trevas, que se faz Carne e habita entre nós, tornando
visível o Deus invisível. Na carta aos Hebreus, a comunidade cristã dá
testemunho de que em Jesus, nascido na pobreza e perseguido pelos poderes
políticos e religiosos, Deus nos falou de modo definitivo.
Os
conceitos e imagens que aparecem no poema que resume o evangelho de João são
vários e complementares. Prestemos atenção a quatro deles: Palavra, Vida, Graça
e Glória. Enquanto Palavra, Jesus é a
exteriorização da interioridade de Deus, e esse mistério não é uma lei, uma
advertência ou uma doutrina, mas uma boa
notícia que produz felicidade porque gera e sustenta processos de liberdade.
A Palavra de Deus assume a carne humana e a vida histórica e corporal de Jesus
como tenda na qual os homens e mulheres podem encontrar, tocar e acolher o
próprio mistério de Deus.
O mesmo
Jesus, filho de Maria e de José, que nasceu em Belém e viveu como carpinteiro
em Nazaré, que reuniu discípulos e foi por eles abandonado em Jerusalém, é
portador da Vida plena e eterna, do bem-viver
que os povos buscam sem descanso. Nele, o bem-viver ou a Vida é revelada e doada como comunhão profunda com o mistério de
Deus, comunhão solidária com os pobres e as vítimas e comunhão graciosa com
todas as criaturas, nossas irmãs. Em Jesus de Nazaré a Vida mostra sua cara e
sua força: nele não há lugar para o egocentrismo que amordaça, aniquila, domina
e mata.
Na pessoa
e no caminho histórico de Jesus de Nazaré, vislumbramos também a Graça de Deus, graça manifestada e
encarnada. Nele fica claro que Deus não é um cobrador de dívidas ou um juiz
frio e calculista, mas um irmão e um hóspede que encarna a gratuidade e o dom
de si. A lei e a cobrança implacáveis vêm das velhas instituições, mas a Graça
e a Verdade nós as recebemos por Jesus Cristo. Ele é a gratuidade de Deus em
pessoa! Nele podemos renascer para melhor. Por isso Paulo pode escreves aos
Hebreus: “Ele é o explendor da glória do Pai, a expressão do seu ser.”
Em
hebraico, a palavra glória (kabôd) expressa a importância e o valor
interior de uma pessoa, que se revela nas ações e requer o respeito dos outros.
Por isso, manifestar a glória de Deus significa testemunhar sua ação salvífica
e libertadora, reconhecer sua santidade nos acontecimentos históricos. Na bíblia, a metáfora da luz e da glória são
frequentemente usadas para materializar a glória de Deus, como aparece no
relato do nascimento de Jesus (cf. Lc 2,9).
E João afirma: “Nós vimos a sua (da Palavra feita carne) glória, glória
como do Filho único da parte do Pai”.
A
tradição cristã afirma com ousadia que a glória de Deus se manifesta de modo
incomparável e insuperável na crucifixão de Jesus, na sua fidelidade radical e
amorosa à humanidade oprimida. Sendo a cruz o desfecho de uma inteira vida de
amor, podemos dizer que na humanidade de Jesus vemos a glória de Deus. E os
discípulos de Jesus são glorificados na medida em que participam do dinamismo
do seu amor ou paixão pelo mundo. Eis aqui nosso brilho, nosso peso, nosso
valor! Mas tudo isso precisa ser muito mais que sermão monótono, doutrina
abstrata ou ideologia escravizadora...
Diante da tua pequenez gloriosa, Deus
Menino, ajoelhamo-nos eterna e profundamente agradecidos. É desta tua glória
que todos necessitamos. É este brilho que todos buscamos, às vezes de forma
inconsciente e quase desesperada. É desta Vida que se expande e multiplica que
temos fome. Queremos que esta graça nos plenifique e nos torne benfeitores da
humanidade. Tu nos ensinas que é armando a tenda dos nossos sonhos e palavras
em meio à humanidade peregrina que alcançamos a liberdade e a plena realização.
Obrigado por esta lição pronunciada na nossa carne. Queremos ser filhos e
filhas desta luz. Queremos renascer nesta esperança que não engana. Assim seja!
Amém!
Itacir Brassiani msf
(Profeta Isaías 52,7-10 * Salmo 97 (98) * Carta aos
Hebreus 1,1-6 * Evangelho de João 1,1-18)
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