Uma profunda e abrangente mudança está em curso...
O Advento
não é um simples tempo espera, ele sugere mudanças. A liturgia do segundo
domingo nos convida a olhar para as experiências dos nossos antepassados e
celebrá-las como próprias, em vista de uma escuta atenta e responsável:
“Preparem o caminho!... Endireitem suas estradas!...” Nossa atenção é
requisitada pelo presente, e exclamamos: “Que Javé mude a nossa sorte, como as
torrentes do Negueb!” A profética convicção de que o lobo e o cordeiro pastarão
juntos nos convoca a práticas concretas de mudança, a fim de que as pessoas
humilhadas sejam elevadas.
O profeta
Baruc atua num tempo difícil. O povo hebreu vivia disperso em meio a uma
cultura hostil. A capital e seu suntuoso templo eram um monte de escombros. A
nação não existia mais. Era um tempo de luto e de lamentação, sem esperanças,
como o é hoje para as vítimas do “acidente” em Mariana e para os refugiados da
fome na Africa e das guerras no Oriente Médio. Neste contexto, as palavras do
profeta soam como um delírio: “Jerusalém, tire a roupa de luto e aflição e
vista para sempre o esplendor da glória que vem de Deus. Vista o manto da
justiça de Deus e a coroa gloriosa do Eterno...”
Os tempos
sombrios e desoladores escondem no próprio ventre sementes que pedem para
germinar e transformam os desertos em jardins. A gestação da nova humanidade e
da nova criação é compromisso firmado pelo próprio Deus, e começa com o
reconhecimento da nossa responsabilidade pelos males que agridem suas amadas
criaturas. É o próprio Deus que nos anima, orienta e sustenta. Ele nos batiza
com novos nomes e nos convoca a escalar os muros, olhar em todas as direções e
contemplar um povo novo que vai sendo reunido com gente que vem de todos os
lados.
Isso
significa que está em curso um amplo, profundo e misterioso processo de
gestação e de mudança, de dispersão dos orgulhosos e de libertação dos
humilados. O que precisamos é assumi-lo e cuidar dele como a mãe cuida da
criatura que carrega no seio, que depende dela mas não é sua propriedade.
Importa ajudar Deus na tarefa de rebaixar colinas e aterrar vales, de aplainar
o chão para facilitar seu crescimento e sua caminhada. E aqui podemos entender
a relevância da atividade e das palavras proféticas de João Batista...
O profeta
do Jordão sabe que é apenas o precursor de Algo
melhor e de Alguém maior que ele. Sua
missão transcorre num tempo em que coexistem e se articulam os poderosos da
Judéia, de Roma e do Templo. Ele rompe com Jerusalém, capital da terra prometida
que acabara se tornando centro de opressão, e se retira para o deserto, lugar
da impotência, da resistência, do êxodo e da transformação profunda. É esta
radicalidade profética que o faz grande, maior que os maiorais do seu tempo.
Convicto de que o tempo estava maduro para mudanças profundas e amplas, João
convoca seu povo a arregaçar as mangas: “Preparem o caminho do Senhor,
endireitem suas estradas!”
Para João,
a preparação deste caminho começa por endireitar as sinuosas curvas construídas
pelos doutores da lei. Estas curvas dificultam ou impedem aos mais pobres e
humildes o acesso à salvação, ou seja, ao reconhecimento da sua humana dignidade e dos seus direitos mais
elementares. Ele afirma que Deus está comprometido neste trabalho e faz a sua
parte: aterra os vales, aplaina as colinas, endireita as curvas e tapa os
buracos. Ou seja: vê a humilhação do seu povo, estende sua misericórdia a todas
as gerações, derruba os poderosos e eleva os humildes (cf. Lc 1,48-55).
Horizontes
amplos e utopias de grande alcance são importantes. É absolutamente necessário
perceber que o universo inteiro aspira e conspira para que a vida seja possível
e abundante. Afastando-se de nós na mesma medida em que delas nos aproximamos,
as utopias cumprem o papel essencial de nos manterem na caminhada. Mas elas
também nos chamam à conversão, a mudanças profundas e concretas. Esta conversão
começa com mudanças no modo de ver a vida, mas precisa também ser traduzida em
práticas concretas e cotidianas no âmbito pessoal, familiar, comunitário e
societário.
Deus querido, pai e mãe que amas e elevas
os humilhados: ajuda-nos e acolher e viver o espírito do Advento, melhorando
nosso viver de modo corajoso e radical. Que nossa fé e nosso amor cresçam e
amadureçam em concretude e perspicácia. Que tuas Igrejas e cada um de nós nos
dediquemos mais a abrir portas e janelas que em erguer muros; mais a elevar as
pessoas humilhadas que a construir torres; mais na abertura de caminhos de
encontro que na formulação de dotrinas que produzem desencontros. E assim
estaremos preparando entre nós um lugar para o teu Filho. Assim seja! Amém!
Itacir Brassiani msf
(Profeta Baruc 5,1-9 * Salmo 125 (126) * Carta aos
Filipenses 1,4-11 * Evangelho de São Lucas 3,1-6)
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