Como Jesus,
enfrentamos e superamos alienações
Paulo
sublinha enfaticamente que, a partir de Jesus, as diferenças religiosas,
culturais e nacionais não importam mais: todos têm o mesmo Senhor, que é
generoso para com todos os que a ele se abrem e o invocam. Esta é uma boa
notícia acessível e estimuladora. Ao mesmo tempo, é um apelo à comunhão
ecumênica e à abertura à verdade do outro, a eliminar os preconceitos e
interesses que nos levam a julgar os outros como inferiores e maus,
negando-lhes direitos fundamentais.
Depois do
batismo no rio Jordão, Jesus sentiu necessidade de compreender melhor aquilo
que viu e ouviu. Ele fará isso ao longo da sua vida, mas Lucas condensa este
discernimento num tempo e num lugar bem determinados. Com isso, o evangelista
sublinha a total identificação de Jesus com o povo hebreu e com toda a
humanidade. Efetivamente, Jesus foi tentado, e não somente num período de
quarenta dias. Uma leitura atenta dos evangelhos, especialmente do desfecho da
missão de Jesus em Jerusalém, deixa claro que a tentação o acompanhou durante
toda sua vida.
O Espírito
leva Jesus ao deserto, lugar da impotência, da carência e da dependência, mas o
Tentador o conduz aos lugares altos, onde a riqueza e o poder brilham mais. O
Diabo personifica as forças que se opõem ao plano de Deus, o espírito do poder,
da dominação e da manipulação. Jesus se defronta com estas forças e caminhos:
fugir das carências comuns a todos as criaturas e agir em causa própria; seguir
a lógica da riqueza e do poder que amedronta, expropria e oprime; explorar a fé
dos pequenos, manipular as escrituras e transformar a religião num espetáculo.
Prestemos
atenção à segunda tentação. “O diabo o levou para o alto; mostrou-lhe, num
relance, todos os reinos da terra, e lhe disse: eu te darei todo este poder e a
riqueza destes reinos, pois a mim é que foram dados, e eu os posso dar a quem
eu quiser.” A proposta é tentadora, mas o custo é altíssimo: renunciar à
liberdade e à compaixão “Se te prostrares diante de mim, tudo isso será teu.”
Riqueza e poder é o que os adversários da Vontade de Deus oferecem, em troca de
obediência e submissão, às pessoas que os servem.
Ao dizer que
a pessoa humana não vive somente de pão, Jesus está se referindo a Dt 8,3 e
propondo a fidelidade aos princípios da Aliança como garantia de alimento para
todos. Afirmando que só a Deus devemos adoração e culto, está descartando a
meritocracia e afirmando que não é correto considerar tudo como mérito pessoal
(Dt 6,10-15). Dizendo que não devemos colocar Deus à prova, Jesus tem diante de
si a passagem Dt 6,16 e recorda o acontecimento de Massa, quando, atravessando
o deserto, os hebreus protestaram contra Deus por causa da falta de água.
Reconhecer
nossos vínculos com Deus, com os irmãos e irmãs e com toda a criação,
reconhecer que tudo é dom recebido e confiado ao nosso cuidado em favor de
todos os seres humanos, é uma forma de manter um horizonte que transcende
nossos interesses e medos, e de evitar o risco da idolatria. Deus não limita
nem se opõe à autonomia humana, mas questiona os valores e instituições menores
que colocamos em seu lugar: dinheiro, poder, raça, indivíduo, nação e até a
religião. A decisão está posta nas nossas mãos: a quem serviremos, obedeceremos
e adoraremos?
Mas assim
como Jesus resistiu às tentações, também seus discípulos e discípulas podemos
vencê-las. Por isso, além de lucidez para percebê-las, precisamos de coragem e
de estratégias adequadas para enfrentá-las. E a quaresma se nos oferece uma
espécie de treinamento especial e intensivo para esta luta. Para resistir às
tentações que, mesmo sob uma roupagem que aparenta sabedoria, felicidade e
sucesso, deixemo-nos guiar pelo
Espírito Santo e pelo Evangelho de Jesus de Nazaré. É assim que
venceremos o pecado, que é uma espécie de alienação existencial e social.
Jesus de Nazaré, irmão e
companheiro dos homens e mulheres nas grandes e pequenas tentações: cura nossa
liberdade e liberta nossas utopias, feridas pelo pecado da ambição. Ajuda-nos a
descobrir, amar e internalizar tua Palavra, para que ela sustente, guie e
julgue todos os nossos projetos, decisões e ações. E não nos deixes ceder à
tentação de negar nossa vulnerabilidade, de aderir à lógica do dinheiro e do
poder e de manipular a fé dos pobres. E que jamais troquemos a compaixão
regeneradora pela busca da prosperidade. Assim seja! Amém!
Itacir Brassiani msf
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