Não somos
chamados a julgar, mas a amar e servir!
Há pessoas que se comprazem
em condenar as vítimas e alforriar os algozes, e em afirmar que as tragédias
que se multiplicam não passam de fatalidades imprevisíveis. E há muita gente
resiste a encarar e dar nomes aos males que nos rodeiam e com os quais às vezes
colaboramos, da pandemia à guerra na Ucrânia. O conhecimento e o reconhecimento
dos fatos e das pessoas supõem abertura, sensibilidade, conversão.
Deus irrompe na vida de
Moisés a partir do sofrimento do seu povo. Este sofrimento profundo, intenso e
real é simbolizado no fogo. Deus chega dizendo, quase aos gritos, que está
vendo a opressão do seu povo, que os seus sofrimentos ferem seu coração e os
clamores ferem seus ouvidos. É como se Deus dissesse a Moisés: ‘E você não vê
nada, não escuta nada?’ Acontece que o nosso ver e o nosso julgar podem estar a
serviço de uma determinada ideologia ou por ela condicionados, de modo que
vemos algumas coisas e estamos cegos para outras
Esta questão está bem
ilustrada no episódio narrado por Lucas, no evangelho do terceiro domingo da
quaresma. Está no contexto do ensino de Jesus sobre a missão profética e
solidária dos discípulos e sobre a necessidade de interpretar corretamente os
sinais dos tempos. Alguns fariseus interrompem a catequese de Jesus trazendo-lhe
a notícia de que um grupo de galileus rebeldes fora assassinado por Herodes no
templo. Isso ressoa como uma advertência a Jesus: ‘Continue assim, e verás o que
acontecerá! Não esqueça que Herodes e Pilatos estão atentos’.
Mas está presente também
uma acusação às próprias vítimas: no entendimento dos fariseus, Herodes
representaria a mão de Deus, que pune aqueles que, de alguma forma, são culpados.
Esta é uma interpretação terrível de fatos em si mesmo trágicos. Por isso,
Jesus reage criticando o preconceito dos fariseus frente aos galileus e
questionando a leitura justificadora e irresponsável que eles fazem dos fatos.
E o faz chamando à memória dos discípulos e fariseus outra ocorrência,
conhecida de todos: a queda de uma torre que resultara na morte de 18 judeus em
Jerusalém.
Ao mesmo tempo, Jesus
enfrenta com firmeza as tentativas que querem demovê-lo da decisão de
prosseguir sua missão profética e a teologia ensinada pelos defensores do
templo. Afirmando que somos todos pecadores, que estamos sujeitos a
errar ou a não atingir a meta, Jesus nos convida a deixar a cadeira de juízes e
abrir os olhos para uma realidade que é mais complexa que a simples divisão
entre ‘pessoas de bem’ e ‘gente que não presta’.
Os Bispos do Brasil afirmam
“O individualismo não
nos torna mais livres, mais iguais, mais irmãos. A simples soma dos interesses
individuais não é capaz de gerar um mundo melhor para toda a humanidade, nem
pode nos preservar de tantos males que se tornam cada vez mais globais. O
individualismo radical é o vírus mais difícil de vencer. Ele nos ilude e faz
crer que tudo se reduz a soltar as rédeas das próprias ambições, como se
acumulando ambições e seguranças, pudéssemos construir o bem comum” (cf.
Texto-Base, nº 40).
A mensagem mais forte da
liturgia do terceiro domingo da quaresma é o apelo à conversão, que começa com
uma mudança no nosso modo de ver a realidade e de julgar os fatos e as pessoas.
A conversão não se faz aos saltos, nem de uma vez para sempre. ‘Conversão,
justiça, comunhão e alegria no cristão é missão de cada dia.’ A conversão
começa no encontro com Jesus, que nos ama de forma incondicional e aposta nas
nossas possibilidades e na nossa vontade. Mesmo não vendo os frutos esperados e
tendo motivos para não esperar qualquer mudança, ele se dispõe a adubar o
terreno com sua palavra e seu próprio corpo.
Jesus de Nazaré,
Filho da Humanidade e Filho de Deus! Não nos deixes cair na tentação de pensar
que a pandemia, a guerra e a educação nada têm a ver com nossa fé e de culpar
as vítimas pelas próprias misérias. Que cada um de nós, nossas comunidades e
movimentos, partindo da certeza de que Deus, teu e nosso pai, é lento e suave
na cólera, mas rápido e estável na bondade, não assimilemos tuas lições. Aduba
nossa vida com tua Palavra, teu Corpo e teu Sangue, para que possamos dar os
frutos esperados. Assim seja! Amém!
Itacir Brassiani msf
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