O moralismo
pode ser oportunista, cínico e hipócrita.
A fé vivida e
testemunhada pelas gerações que nos antecederam serve para acender nossas
utopias e iluminar a estrada a ser percorrida. Paulo deixa bem claro que quem
encontra e acolhe Jesus Cristo não tem medo de jogar no lixo costumes, sistemas
e doutrinas que hierarquizam, desprezam e escravizam. Iluminados pelo encontro
de Jesus com a mulher acusada na praça, assumamos, com força renovada, a luta
por uma educação universal e de qualidade.
Pelo profeta
Isaías, é Deus que nos convida a não ter saudades do passado. “Eis que estou eu
fazendo coisas novas...” Não é uma promessa: é uma ação em curso, no tempo
presente. E Paulo completa: “Esquecendo o que fica para trás, lanço-me para o
que está à frente.” Nossas celebrações, nossa catequese e nossas pregações
devem pôr em relevo a vida presente, e não podem ser reduzidas a uma memória
morta de fatos de um passado remoto.
Evitemos escutar
o episódio relatado por João como coisa do passado. Os escribas e fariseus não
dão tréguas no zelo pela lei e agem de noite: em plena madrugada, prendem uma
mulher adúltera e a trazem para o centro do círculo que se formara em torno de
Jesus, no templo. O centro, que era o lugar da Lei, fora invadido por Jesus e
agora é ocupado pela mulher acusada. Até parece que os pobres e oprimidos só
ocupam o centro das atenções e sistemas quando são réus.
O cinismo da
elite religiosa é impressionante: acusam uma pobre mulher com o objetivo de
atingir o próprio Jesus. “Esta mulher foi flagrada cometendo adultério. Moisés,
na Lei, nos mandou apedrejar tais mulheres. E tu, o que dizes?” Jesus evita a
armadilha, e não lhe passa despercebida a leitura tendenciosa que os escribas e
fariseus fazem da Lei de Moisés, pois no Levítico está escrito: “Se um homem
cometer um adultério com a mulher do próximo, o adúltero e a adúltera serão
punidos com a morte” (Lv 20,10). Onde foi parar o adúltero, o primeiro citado
pela Lei?
No fundo,
aqueles senhores que se apresentam como zelosos defensores dos direitos de Deus
não passam de ferozes agressores dos direitos humanos. E assim como era no
passado é também no presente! Em nome do maldito e absoluto direito à
propriedade privada, aquela que nos priva de viver e de amar, criminaliza-se os
sem-terra, os índios e aqueles que os apoiam. E em nome de um suposto combate a
corrupção, foi reconstituído um sistema que privilegia os fortes e o comando do
país foi àqueles que mais sabem conviver com a corrupção e se beneficiar dela.
Diante da
insistência dos agentes da tradição, dispostos a executar a sentença capital
contra a mulher e a denunciá-lo como subversivo diante da Lei, Jesus pronuncia
sua sentença: “Quem dentre vós não tiver pecado, atire a primeira pedra.”
Aquela pobre e frágil mulher é transformada numa espécie de espelho no qual
todos podem ver suas próprias debilidades, frustrações e transgressões. É como
se Jesus dissesse que não faz sentido transformar uma pessoa ou um grupo social
em bode expiatório. Aqui temos um exemplo eloquente de como ele fala com
sabedoria e ensina com amor.
A sabedoria e
o amor de Jesus são como uma memória e um sonho que enchem nossa boca de
sorrisos, fazem nossa língua cantar de alegria e nos desafiam a mudar conceitos
e práticas. Paulo não brinca quando diz que, por causa de Jesus Cristo, perdeu
tudo e jogou no lixo aquilo que sempre lhe parecera precioso e certo. Para ele,
diante da pessoa e do projeto de vida de Jesus Cristo, todos os sistemas e ideologias,
inclusive religiosas, perderam o sentido. O que resta é a dignidade e a igualdade
de todos os humanos, humanidade acima de tudo e de todos, a misericórdia divina
acolhendo e socorrendo misérias humanas e sociais.
Jesus de Nazaré, nós te
agradecemos pelas palavras sábias e pela lição de amor e misericórdia que nos
ensinas hoje. O que são nossos privilégios, costumes e doutrinas diante da
humana solidariedade e da incrível liberdade que nos propões? Que tua Igreja fale
com sabedoria, ensine com amor e nos inicie na coragem de pôr no centro dos
nossos projetos e decisões a defesa e a promoção da dignidade da pessoa humana.
Ajuda-nos a desmascarar a hipocrisia e a violência, mesmo quando aparecem maquiadas
de luta contra a corrupção. Assim seja! Amém!
Itacir Brassiani msf
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