Nós e o Espírito Santo decidimos
não lhes impor nenhum fardo...
O Papa São
Paulo VI cunhou a expressão “civilização do amor”, que atualiza os conceitos “amizade”
(Leão XIII) e “caridade social” (Pio XI). Desde o Papa João Paulo II, falamos
em “solidariedade”, e com o já saudoso Papa Francisco, passamos a falar de “amizade
social” ou “amor civil”. Celebrando hoje
o Jubileu dos Agentes Políticos, convido a escutar o Evangelho de Jesus Cristo
nessa perspectiva.
Partindo da alegoria da videira e dos
ramos, Jesus pede, e seu pedido tem força de testamento: “Amai-vos uns aos
outros, assim como eu vos amei... Vós sois meus amigos se fizerdes o que eu vos
mando... Isto eu que vos ordeno: amai-vos uns aos outros”. Nada mais que isso!
Nada menos que isso!
Acolhendo esse mandamento, como
amigos autênticos e herdeiros de Jesus, os apóstolos enviaram Silas e Bársabas
para, com Paulo e Barnabé para comunicar aos cristãos de origem pagã a decisão
unânime de evitar discriminações e menosprezo, de não impor a eles nenhum fardo.
Bastava-lhes o fardo das lutas para sobreviver dignamente no interior de um
império violento e expropriador.
Esta decisão unânime é fruto de um
processo de escuta atenta das bases e da periferia do cristianismo de então. É
uma decisão ponderada, tomada de forma consensual. É uma bela demonstração de espírito
sinodal, como diríamos hoje. E inaugura uma importante inovação da prática
cristã: a liberdade frente às tradições do judaísmo, consideradas sagradas e
imutáveis. A dignidade e as necessidades das pessoas concretas estão acima
delas!
A decisão da comunidade apostólica é
também uma clara demonstração da amizade com Jesus, da vivência do mandamento
do amor fraterno em chave social. A propósito, a Igreja Católica ensina que o amor não
inspira apenas a ação individual. Ele é também uma “força capaz de suscitar
novas vias para enfrentar os problemas do mundo de hoje e para renovar
profundamente desde o interior das estruturas, organizações sociais,
ordenamentos jurídicos”. O amor se torna caridade social e política, um dinamismo que “nos leva a amar o
bem comum e a buscar efetivamente o bem de todas as pessoas” (Compêndio da
Doutrina Social, § 207).
Vale
lembrar que a democracia, horizonte e valor inalienável de toda a ação política,
não é em si mesma uma meta, mas um ordenamento ou instrumento a serviço dos
valores que a orientam e lhe dão densidade. Uma autêntica democracia é o fruto da convicta aceitação dos valores
que inspiram os procedimentos democráticos: a dignidade da pessoa humana, o respeito dos direitos do homem, a busca
do bem comum, que é o bem dos grupos humanos mais frágeis, devem ser o fim e o critério
regulador de toda a vida política. Sem a referência a estes valores
fundamentais, “as ideias e as convicções (inclusive o conceito de democracia) podem
ser facilmente instrumentalizadas para fins de poder. Uma democracia sem
valores converte-se facilmente num totalitarismo aberto ou dissimulado” (Idem,
§ 407).
E não esqueçamos, caros agentes políticos, que o
sujeito da autoridade política é sempre o povo considerado na sua totalidade
como detentor da soberania. De
modos diferentes, o povo transfere o exercício da sua soberania àqueles que
elege livremente como seus representantes, mas conserva a faculdade de a fazer
valer no controle da atuação dos governantes (cf. Idem, § 395).
Para
os cristãos de qualquer denominação, as expressões concretas do amor de Jesus
servem de parâmetro também para o amor vivido em chave social: ele não se guiou
pela busca de interesses e vantagens individuais; ele deu prioridade à
necessidade dos últimos e marginalizados; o valor da pessoa humana concreta
teve prioridade sobre as leis e tradições; ele desconheceu e desrespeitou as
fronteiras políticas, étnicas e religiosas; sempre procurou evitar a violência
verbal ou física, e chegou a perdoar seus algozes; respeitou a dissidência de
Judas e até lavou os seus pés; preferiu dar a vida a abrir mãos de suas
convicções; não impôs fardos pesados aos mais pobres; deu a vida para que todos
tivessem acesso à vida plena e abundante, sem se apegar a privilégios e carreira.
Ele é uma expressão madura de um amor social e político!
Santa Cruz do Sul, 23 de maio de 2025.
Nenhum comentário:
Postar um comentário