Ad
Gentes, Inter Gentes, Congentibus: novos horizontes e dinamismos da missão
Continuemos
a reflexão do Pe. Godoy sobre a missionariedade na perspectiva do Vaticano II, durante
o segundo dia da segunda semana (26 de julho) do Curso de Aperfeiçoamento da Açao Missionaria, em Santa Cruz de la
Sierra, Bolivia.
Ad Gentes
resgata a dimensão teológica da missão e restitui à Igreja a consciência da sua
natureza essencialmente missionaria. Mas aparece uma tensão entre dois
conceitos: implantar a Igreja (concepção jurídico-territorial) e uma concepção
mais teológica, fundamentada na imagem de missão de Deus, da Trindade. De qualquer
modo, o documento enfatiza algumas atitudes fundamentais: abertura, escuta e
dialogo.
O
conceito de missão ad gentes está mudando:
de missão ad extra, a territórios
culturalmente não cristãos, para a missão compreendida como uma realidade em
qualquer lugar e até em contextos de antiga tradição cristã. Num mundo
globalizado, a missão não se dirige apenas a alguns povos, mas a todos, com
todos e em todos os povos e territórios.
Hoje
falamos em missão inter gentes (os
povos estão inter-relacionados, misturados: e a missão se faz entre estes povos
e culturas). Também falamos em missão congentibus
(no mesmo nível do outro, que não é pior nem melhor, menos nem maior, somos
todos irmãos desta mesma família de Deus). Hoje a missão ad gentes é vista como
uma saída da Igreja de si mesma em direção ao outro, e assim se torna inter gentes, e o ciclo se fecha em congentibus, no mesmo nível do outro.
A
missão ad gentes é hoje concebida
como dialogo e encontro com as gentes, povos, grupos humanos. O missionário
pede hospedagem e faz morada entre as gentes, num processo de inculturação
vivido por Jesus Cristo e pelas primeiras gerações cristãs, tendo como
perspectiva a construção de uma Igreja policêntrica e multicultural.
Em
alguns meios teológicos falam em missão
reversa. O mundo europeu se vê na necessidade de ser evangelizado. É o
mundo oriental e o hemisfério sul que são chamados e contribuir com a
re-evangelização da Europa. Territórios que até há pouco eram o destino onde
chegavam missionários são hoje celeiro de missionários.
Estamos
no fim de um período de cristandade centrada em si mesma, obcecada pelo
exclusivismo, tanto em relação aos povos do Sul do mundo como ao mundo
secularizado. Está emergindo e deve emergir um cristianismo que atua por
irradiação, mediante o testemunho, a convivência e o serviço.
Aqui
é importante a auto compreensão da Igreja como sacramento de salvação, sinal e
instrumento da união intima com Deus e da unidade do gênero humano, como
mistério da presença de Deus no mundo, e não mais como sociedade perfeita. É a
perspectiva assumida por Ad Gentes,
mas também por Lumen Gentium, no capítulo
que apresenta a Igreja como Mistério.
As
teses estruturais de Ad Gentes: A missão
do Pai brota do seu amo (2). O Filho tornou-se pobre por nós, enriquecendo-nos
com sua pobreza (3). A missão do Espirito precede, acompanha e dirige a ação
apostólica da Igreja (4). A Igreja é enviada em missão a todos os povos (5). A
ação missionaria da Igreja também pede atividades concretas (6).
A reflexão na América
Latina
A
obra missionaria enquanto tal se realiza, antes de tudo, como testemunho e
dialogo; depois como anuncio e conversão; finalmente, a formação da comunidade
eclesial. Mas terminaria com a constituição da Igreja, com seu aparato
litúrgico e ministerial? Sim, se entendemos a Igreja nos parâmetros e
horizontes conciliares...
Evangelii Nuntiandi
(1975), focaliza a missão em termos de evangelização. Substituiria o conceito
de missão? Missão seria apenas evangelização, que se faz mediante o testemunho,
a promoção humana, as ações libertadoras? A existência de diferentes religiões
exige o diálogo e o anuncio (Dialogo e
missão, Secretariado para os não cristãos, 1984), centrado em quatro
conceitos: testemunho de comunhão, serviço, dialogo e anuncio. Redemptoris Missio (1990), ressalta a
validade permanente do mandato missionário. E distingue entre missão ad gentes, ação pastoral e nova
evangelização (cf. n° 33). Dialogo e
anuncio (Pontifício Conselho para o diálogo inter-religioso, 1991). O
diálogo não substitui o anuncio?
Na
América Latina, a conferência de Medellin
é nossa recepção criativa do Vaticano II (este, centrado na Europa), e o eixo
da missão está na opção pelos pobres, não como comiseração da ação eclesial, mas
como filhos amados e preferidos do Pai, e as CEB’s emergem como um meio eficaz
e destacado. Na conferência de Puebla
(1979), o conceito-chave é evangelização (extensa e profunda) através da
formação de comunidades, atenção às situações mais necessidades, colaboração
entre as Igrejas particulares e uma insipiente projeção além fronteiras (dar de
nossa pobreza). A conferência de Santo
Domingo propõe a inserção da animação missionaria na pastoral ordinária, a
formação missionaria para seminaristas e presbíteros, a cooperação missionaria
do povo de Deus e o envio de missionários ad
gentes. A conferência de Aparecida (2007) resgata o paradigma das
conferencias anteriores, consagra o binômio discípulos missionários e
operacionaliza a missão em três círculos: paroquial, continental, ad gentes.
O caminho pós conciliar
Ad Gentes
tem, no seu final, uma palavra de alento aos missionários, especialmente aos
perseguidos. Nosso anuncio está incomodando a alguém? Os pobres estão sendo
verdadeiramente evangelizados? Os processos atuais de evangelização sofrem o
impacto da flexibilização das exigências evangélicas: vige uma religião
centrada na autoajuda, na terapêutica, light, diet; uma evangelização sem cruz,
intimista e consumista; é o que Francisco chama de mundanismo espiritual.
Frente
ao surgimento de profetas que anunciam a morte de Deus e a deserção dos
católicos, Terry Eagleton nos lança uma série de desafios. Não será o Evangelho
um brutal destruidor das ilusões humanas? Se você segue Jesus e não foi morto,
precisa se justificar. O maior defensor da dignidade humana foi alguém de
defendeu o amor e a justiça, e foi morto por isso. Se você não amar, morre; se
amar, será morto. Qualquer pregação do Evangelho que deixe de ser um escândalo
e uma afronta ao estado político, é um esforço inútil. Precisamos voltar a
Jesus, que nos pergunta: pra você, quem sou eu?
Itacir Brassiani msf
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