Caminhos da missão através da espiritualidade integradora
Na parte da tarde desta quarta-feira, o Pe. Godoy deu
mais uma contribuição ao aperfeiçoamento da nossa ação missionaria, com o tema
da missão na perspectiva da justiça, da paz e da integridade da criação. Ele
preferiu entrar no tema pela porta da espiritualidade, considerando que esta é
uma importante.
Segundo o Pe. Godoy, a espiritualidade integradora na
perspectiva do cuidado do planeta oferece um ponto de unificação sem suprimir
as diferenças; mantem uma tensão que provoca conflito e faz crescer, inquieta; responde
a um chamado de Deus, de seu amor compassivo e misericordioso; e oferece um
foco e uma urgência bastante abrangentes para o agir missionário hoje.
Raymond Pannikar diz que a experiência de Deus é o
ponto de partida e a base de toda experiência, uma experiência em profundidade
de todas e cada uma das experiências humanas (do amigo, da palavra, da conversa...),
subjaz a toda experiência humana (dor, beleza, prazer, bondade, angustia) e, por
isso, abre-nos à dimensão do infinito. Estes seriam os pontos mais marcantes
dessa espiritualidade compreendida como uma forma de seguir Jesus e colaborar
com sua missão hoje.
Uma espiritualidade de escuta do clamor de Deus nos excluídos e na mãe
terra. Trata-se de uma espiritualidade encarnada no mundo,
na humanidade, na história. Os crucificados e ameaçados estão próximos de nós,
ao nosso lado, no nosso caminho. A mística crista é uma mística dos olhos
abertos, que se comove com a dor da humanidade e a destruição da natureza, a
partir dos excluídos e das vítimas. Leonardo
Boff diz Igreja pode ser perseguida pelos grandes do mundo, mas não pode ser
abandonada e amaldiçoada pelos pobres. E, se por trás da nossa ética não há uma
mística, uma nova espiritualidade, um novo acordo da pessoa humana com os
demais seres humanos, é grande o risco de que esta ética degenere em legalismo
e moralismo e não de realização da existência em relação terna e reverente com
os demais seres.
Uma espiritualidade transformadora: Jesus nos chama à conversão pessoal, a viver os valores do Reino, a
renunciar à violência e adotar a mansidão, a promover a justiça e a
misericórdia e cuidar da terra mediante ações cotidianas e sustentáveis.
Trata-se de uma conversão e transformação simultânea em várias esferas
inter-relacionadas: esfera da pessoa, esfera relações comunitárias, esfera da sociedade.
Trata-se de uma transformação subjetiva, comunitária e estrutural.
Uma espiritualidade profética: Conforme
Jeremias, o profeta é aquele que se deixa tocar por Deus, descobre-se chamado a
desconstruir esquemas e estruturas injustas e edificar com esperança. É uma
pessoa que confia radicalmente no Deus da vida e identifica-se intimamente com
a Boa Notícia de Deus aos pobres, aos oprimidos, aos marginalizados. Sua paixão
por Deus se faz viva na compaixão pelos filhos e filhas de Deus.
Uma espiritualidade que se alimenta na oração: Não há dúvida de que, sem mística, a oração pode ser apenas forma e
exterioridade. Mas a mística não sobrevive sem oração, sem tempos, lugares e práticas
que a interioriza, materializa e historiciza. No exercício pratico da oração, a
escuta e a meditação da Palavra de Deus ocupa o primeiro lugar, mas é seguida de
perto pela Eucaristia e por outras formas de celebrar.
Uma espiritualidade hospitaleira e misericordiosa: Num mundo fragmentado, marcado pelo crescente isolamento e
individualismo, para não falar da indiferença e das relações frias e utilitaristas
(problemas que rondam também nossas comunidades eclesiais e o povo nas
fronteiras missionarias), o desenvolvimento da hospitalidade e da compaixão como
atitudes profundas e estruturais da pessoa e das comunidades é uma tarefa tão
urgente quanto excelente.
Uma espiritualidade simbólica e corporal: É insuficiente e limitada uma espiritualidade que se contenta com
textos e doutrinas, orientações e prescrições morais, regras e leis que
pretendem reger pensamentos e sentimentos. Oramos com o corpo, a música, os
gestos, os símbolos. Vivemos a luta e a festa, a luta com a gratuidade e o
louvor, alegria e engajamento, e a espiritualidade deve privilegiar estas expressões.
Espiritualidade intercultural e diversa: Estamos conscientes de que nossa cultura e nossa espiritualidade recebe
contribuição dos povos indígenas, dos afrodescendentes, dos camponeses, do
mundo urbano, dos movimentos ecológicos e populares, das mulheres e das
juventudes, das outras religiões. É nesta mistura original que a
espiritualidade deve lançar suas raízes e buscar suas expressões e recursos,
cultivando com cuidado a abertura intercultural e à diversidade.
Espiritualidade relacional, holística e cosmoteandrica a partir de Deus: A auto transcendência humana, que rompe com a consciência
individual isolada e auto referencial, é a abertura que possibilita o cuidado
com os outros e o meio ambiente. De acordo com Panikkar, a realidade é
tridimensional: tudo tem uma dimensão de infinito e de liberdade (dimensão divina),
de subjetividade e consciência (dimensão humana), de corporalidade ou materialidade
(dimensão cósmica). Em sua pluralidade e complexidade, a realidade é policêntrica.
Temos várias expressões da ecologia: ecologia
ambiental (comunidade de vida); ecologia política e social (modo de vida sustentável);
ecologia mental (novas mentes e novos corações); ecologia cultural (patrimônio ameaçado,
inclusive as culturas locais); ecologia da vida cotidiana (espaços da existência
humana, rural e urbano); ecologia integral (pertencemos ao universo). A
ecologia integral é aquela que inclui claramente as dimensões humanas e sociais.
“O todo sem a parte não é o todo. A parte sem o todo não é parte. Mas se a
parte o faz todo sendo parte, não se diga que é parte sendo o todo” (Gregório
de Matos).
A espiritualidade integradora se desenvolve em quatro
passos inter-relacionados, não necessariamente nesta ordem: a) Experiência de
Deus no encontro com Jesus nas situações concretas da história; b) Experiência
do outro na formação de comunidades que partilham sua fé; c) Aprofundamento da
fé para a defesa da justiça, da paz e de toda a criação; d) Experiência da missão
como transmissão da fé vivenciada.
O Pe. Godoy terminou sua contribuição com uma frase
que poderia ser chamada de “legado ecológico do Papa Francisco”: “Não deixemos
que, à nossa passagem, fiquem sinais de destruição e de morte que afetem a
nossa vida e a das gerações futuras” (Evangelii
Gaudium 215).
Itacir Brassiani msf
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