quarta-feira, 27 de julho de 2016

Curso de Missiologia (20)

Caminhos da missão através da espiritualidade integradora

Na parte da tarde desta quarta-feira, o Pe. Godoy deu mais uma contribuição ao aperfeiçoamento da nossa ação missionaria, com o tema da missão na perspectiva da justiça, da paz e da integridade da criação. Ele preferiu entrar no tema pela porta da espiritualidade, considerando que esta é uma importante.
Segundo o Pe. Godoy, a espiritualidade integradora na perspectiva do cuidado do planeta oferece um ponto de unificação sem suprimir as diferenças; mantem uma tensão que provoca conflito e faz crescer, inquieta; responde a um chamado de Deus, de seu amor compassivo e misericordioso; e oferece um foco e uma urgência bastante abrangentes para o agir missionário hoje.
Raymond Pannikar diz que a experiência de Deus é o ponto de partida e a base de toda experiência, uma experiência em profundidade de todas e cada uma das experiências humanas (do amigo, da palavra, da conversa...), subjaz a toda experiência humana (dor, beleza, prazer, bondade, angustia) e, por isso, abre-nos à dimensão do infinito. Estes seriam os pontos mais marcantes dessa espiritualidade compreendida como uma forma de seguir Jesus e colaborar com sua missão hoje.
Uma espiritualidade de escuta do clamor de Deus nos excluídos e na mãe terra. Trata-se de uma espiritualidade encarnada no mundo, na humanidade, na história. Os crucificados e ameaçados estão próximos de nós, ao nosso lado, no nosso caminho. A mística crista é uma mística dos olhos abertos, que se comove com a dor da humanidade e a destruição da natureza, a partir dos excluídos e das vítimas.  Leonardo Boff diz Igreja pode ser perseguida pelos grandes do mundo, mas não pode ser abandonada e amaldiçoada pelos pobres. E, se por trás da nossa ética não há uma mística, uma nova espiritualidade, um novo acordo da pessoa humana com os demais seres humanos, é grande o risco de que esta ética degenere em legalismo e moralismo e não de realização da existência em relação terna e reverente com os demais seres.

Uma espiritualidade transformadora: Jesus nos chama à conversão pessoal, a viver os valores do Reino, a renunciar à violência e adotar a mansidão, a promover a justiça e a misericórdia e cuidar da terra mediante ações cotidianas e sustentáveis. Trata-se de uma conversão e transformação simultânea em várias esferas inter-relacionadas: esfera da pessoa, esfera relações comunitárias, esfera da sociedade. Trata-se de uma transformação subjetiva, comunitária e estrutural.
Uma espiritualidade profética: Conforme Jeremias, o profeta é aquele que se deixa tocar por Deus, descobre-se chamado a desconstruir esquemas e estruturas injustas e edificar com esperança. É uma pessoa que confia radicalmente no Deus da vida e identifica-se intimamente com a Boa Notícia de Deus aos pobres, aos oprimidos, aos marginalizados. Sua paixão por Deus se faz viva na compaixão pelos filhos e filhas de Deus.
Uma espiritualidade que se alimenta na oração: Não há dúvida de que, sem mística, a oração pode ser apenas forma e exterioridade. Mas a mística não sobrevive sem oração, sem tempos, lugares e práticas que a interioriza, materializa e historiciza. No exercício pratico da oração, a escuta e a meditação da Palavra de Deus ocupa o primeiro lugar, mas é seguida de perto pela Eucaristia e por outras formas de celebrar.
Uma espiritualidade hospitaleira e misericordiosa: Num mundo fragmentado, marcado pelo crescente isolamento e individualismo, para não falar da indiferença e das relações frias e utilitaristas (problemas que rondam também nossas comunidades eclesiais e o povo nas fronteiras missionarias), o desenvolvimento da hospitalidade e da compaixão como atitudes profundas e estruturais da pessoa e das comunidades é uma tarefa tão urgente quanto excelente.
Uma espiritualidade simbólica e corporal: É insuficiente e limitada uma espiritualidade que se contenta com textos e doutrinas, orientações e prescrições morais, regras e leis que pretendem reger pensamentos e sentimentos. Oramos com o corpo, a música, os gestos, os símbolos. Vivemos a luta e a festa, a luta com a gratuidade e o louvor, alegria e engajamento, e a espiritualidade deve privilegiar estas expressões.
Espiritualidade intercultural e diversa: Estamos conscientes de que nossa cultura e nossa espiritualidade recebe contribuição dos povos indígenas, dos afrodescendentes, dos camponeses, do mundo urbano, dos movimentos ecológicos e populares, das mulheres e das juventudes, das outras religiões. É nesta mistura original que a espiritualidade deve lançar suas raízes e buscar suas expressões e recursos, cultivando com cuidado a abertura intercultural e à diversidade.
Espiritualidade relacional, holística e cosmoteandrica a partir de Deus: A auto transcendência humana, que rompe com a consciência individual isolada e auto referencial, é a abertura que possibilita o cuidado com os outros e o meio ambiente. De acordo com Panikkar, a realidade é tridimensional: tudo tem uma dimensão de infinito e de liberdade (dimensão divina), de subjetividade e consciência (dimensão humana), de corporalidade ou materialidade (dimensão cósmica). Em sua pluralidade e complexidade, a realidade é policêntrica.
Temos várias expressões da ecologia: ecologia ambiental (comunidade de vida); ecologia política e social (modo de vida sustentável); ecologia mental (novas mentes e novos corações); ecologia cultural (patrimônio ameaçado, inclusive as culturas locais); ecologia da vida cotidiana (espaços da existência humana, rural e urbano); ecologia integral (pertencemos ao universo). A ecologia integral é aquela que inclui claramente as dimensões humanas e sociais. “O todo sem a parte não é o todo. A parte sem o todo não é parte. Mas se a parte o faz todo sendo parte, não se diga que é parte sendo o todo” (Gregório de Matos).
A espiritualidade integradora se desenvolve em quatro passos inter-relacionados, não necessariamente nesta ordem: a) Experiência de Deus no encontro com Jesus nas situações concretas da história; b) Experiência do outro na formação de comunidades que partilham sua fé; c) Aprofundamento da fé para a defesa da justiça, da paz e de toda a criação; d) Experiência da missão como transmissão da fé vivenciada.
O Pe. Godoy terminou sua contribuição com uma frase que poderia ser chamada de “legado ecológico do Papa Francisco”: “Não deixemos que, à nossa passagem, fiquem sinais de destruição e de morte que afetem a nossa vida e a das gerações futuras” (Evangelii Gaudium 215).

Itacir Brassiani msf

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