Descolonizar é preciso!
Continuamos aqui a partilha daquilo que vem acontecendo no Curso de Aperfeiçoamento da Ação Missionaria,
que está sendo desenvolvido em Santa Cruz de la Sierra, Bolívia. Completamos
aqui o relato sobre o primeiro dia, dedicado a alguns elementos da história da
América Latina, dirigido pelo professor José Luis Lopez. Eis aqui algumas
ideias.
Hoje está em curso uma ideia de que a história se move em vista da novidade.
Outros, querem nos convencer de que a história é caótica. Mas temos hoje também
o marco teórico da descolonização, uma perspectiva que lança raízes nas teorias
pós-coloniais e na teoria da dependência, assim como nas mobilizações indígenas
e populares dos últimos 40 anos e na filosofia e na teologia da libertação.
Este marco teórico tem muito a ver com a América Latina, e parte da constatação
de que a história normalmente é contada na perspectiva dos vencedores, e que
devemos recuperar a voz dos vencidos e submetidos para que eles tenham seu
lugar no palco da história de hoje.
As teorias descolonizadoras não são uma lamentação pelos males da
história, não são teorias que se preocupam unicamente à identidade indígena ou
afrodescendente, com estas “minorias” consideradas pouco significativas no
atual momento do continente latino-americano. Também não são teorias
socialistas ou esquerdistas. São uma opção interpretativa da realidade e uma
opção de intervenção na realidade, um projeto epistêmico, político e ético. Uma
orientação de ‘desaprendizagem’ (de mudança), que articula as lutas de
resistência às práticas de ‘re-existência’.
Que leitura da realidade latino-americana faz a teoria da
descolonização? Oferece uma ideia transversal para todos os procedimentos, uma
tendência, uma perspectiva, uma orientação. Um primeiro ponto é entender que
existe um novo padrão moderno e colonial de poder, o sistema-mundo moderno capitalista, cuja base é a articulação dos
recursos naturais, do trabalho e seus produtos em torno do capital e do mercado
mundial. Para este, ideia de controle da economia como expansão, de vencer
limites territoriais e metas de produção e venda é fundamental. Para isso, é
preciso vencer, eliminar ou anular os competidores, reais ou potenciais.
Segundo Immanuel Valerstein, o capitalismo se desenvolve à base do controle de
terras e recursos e do desenvolvimento e controle de variadas formas de
exploração do trabalho. Por sua parte, as teorias descolonialistas afirmam que
o capitalismo moderno tem seu berço na expansão colonialista e a decorrente
exploração econômica e humana que dela decorre.
Como se instala historicamente este novo padrão de poder? O primeiro
vetor é a classificação social a partir da ideologia de raça. O segundo, a
inserção da ideologia da modernidade, a partir dos mitos de civilização e de
progresso (século XVI). Estes mitos não foram discutidos posteriormente! Juan
Ginés de Sepúlveda (1547) afirmava que é justo e natural o domínio dos homens
probos e prudentes (humanos, superiores) sobre os nativos latino-americanos
(não humanos, inferiores), como dos adultos sobre os menores e dos homens sobre
as mulheres. Assim, nomeado explicitamente ou não, o racismo se estabelece como
forma de definir superioridades e inferioridades humanas. A estrutura
esquemática de qualificação humana pode ser assim apresentada: índio-europeu;
cristão-pagão; civilizado-selvagem; desenvolvido-subdesenvolvido;
moderno-tradicional.
Como se instala a ideologia da modernidade? Para
Sepúlveda, os indígenas recebem dos colonizadores a civilização, que os faz
humanos e vale mais que o ouro que lhes roubam ou a violência que lhes impõem.
A colonização é um sistema de dominação que articula as esferas religiosa,
cultural, social, afetiva, educacional, política e econômica. Dominação
colonialista é a submissão da vontade do colonizado à vontade do colonizador. É
um processo de negação da humanidade do outro, do diferente. Esvaziado de si
mesmo, o oprimido começa a imitar o opressor, e a colonização passa a operar
mediante a sedução. Razão-civilização e raça se correspondem. A superioridade
racial se compreende como superioridade de uma civilização global para a qual
devem encaminhar-se todos os povos.
Itacir Brassiani
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