Uma
Igreja Nazarena
O Pe. Victor Codina nos desafiou a pensar numa Igreja inspirada em Nazaré. De Nazaré, vila da Galileia, não se fala nada no AT. Nazaré era uma aldeia rural, sem edifícios públicos, artigos sofisticados, atividades muito desenvolvidas, que destinava 90% da produção para pagar os tributos a Jerusalém e Roma. A Galileia era uma região desprezada, com fama de ser habitada por um povo sincrético, mestiço, inculto, rude, suspeito, primário, avesso às leis e bons costumes. Ali Jesus viveu como artesão, viveu do trabalho das próprias mãos. Ali ele é iniciado na experiência de fé do povo judeu, através de Maria e José. Aprendeu a espiritualidade dos pobres de Javé, a frequência à sinagoga. É deste contexto que Jesus extrai as imagens mais vivas que usa na sua pregação.
Se não partimos de
Nazaré, não compreenderemos Jesus. Nazaré é um lugar geográfico que deu a Jesus
seu sobrenome, mas é também um lugar teológico. Jesus nasceu em Nazaré não por
acaso, mas por livre decisão e desejo divino. Ali ele passou 30 anos de sua
vida trabalhando, como a maioria dos seus conterrâneos, e dedica-se apenas três
anos ao apostolado. Mais que um enigma, Nazaré é um mistério ligado ao mistério
da encarnação: proximidade, solidariedade, partilha, simplicidade, em contato
com a natureza. Ali Jesus conheceu as festas e a opressão do seu povo, conviveu
com estrangeiros, doentes, pobres. Ali ele foi compreendendo o mistério do
reino em suas linhas fundamentais e portadoras de novidade.
Jesus sai de Nazaré e
vai ao rio Jordão, para ser batizado, e segue ao deserto. Aquilo que conhecemos
como tentações é, na verdade, um processo de discernimento entre o caminho de
um messias davidico ou de um messias profético, na linha de Isaias. No deserto,
Jesus decide pela profecia em moldes nazaretanos, e não pelo messianismo
davidico. Na sinagoga de Nazaré, ele explicita o discernimento que fizera em
seu retiro no deserto. E desde cedo sua proposta provoca reações adversas,
insinuando o INRI da cruz! Ressuscitado, Jesus volta à Galileia e lá espera os
discípulos, propondo o resgate do seu messianismo nazaretano. Em Pentecostes,
Pedro anuncia que o crucificado Jesus de
Nazaré fora ressuscitado por Deus. No caminho de Damasco, Paulo se encontra
com Jesus de Nazaré. Os primeiros
seguidores de Jesus são chamados nazarenos,
e somente em Antioquia passam a ser chamados de cristãos, com o risco de que o
novo nome obscureça sua origem nazarena.
A tentação do
messianismo davídico ronda a Igreja. Apesar do inegável vínculo de Jesus com
Nazaré, e da triste história da dinastia davidica, a permanente tentação da
Igreja é configurar-se com a monarquia davidica: ligar-se ao poder político de
turno; identificar-se com o poder sagrado; apresentar-se como mãe, mestra e
senhora; entender-se como sociedade perfeita; usar da violência contra seus
inimigos; competir com a sociedade civil; considerar a monarquia como o melhor
modelo de governo. Nessa visão ou projeto de Igreja, o Papa não é apenas o
vigário de Pedro, mas também o vigário de Cristo e de Deus. É neste contexto
que são concebidas e fazem sentido as cruzadas, a inquisição, as concordatas,
os núncios que agem como diplomatas, a busca e a aceitação de ajuda econômica
dos Estados, etc. Esse modelo, concebido no início do segundo milênio, cresce
com a contrarreforma e com a revolução francesa, e se consolida no Concilio
Vaticano I.
Uma Igreja Nazarena é
aquela que supera a tentação davidica, a Igreja que Joao XXIII propôs ao
Concilio e que submergiu no inverno eclesial. Uma Igreja samaritana seria uma
Igreja:
· Que
antes de evangelizar e atuar, se insere e convive com o povo;
· Mais
testemunhal e com menos poderosa e com menos prestigio social e econômico;
· Mais
dialogal e menos impostora;
· Que
escuta o povo e supera a tendência a dogmatizar ou afirmar verdades que não
ajudam o povo a viver melhor;
· Mais
laical e popular e menos clerical;
· Mais
comunitária e menos hierárquica;
· Que
fala a língua e a cultura do povo, de um modo simples e compreensível;
· Livre
das alianças com os poderes, confiada no Espirito;
· Que
não impõe dogmas e moral a todos os cidadãos;
· Lenta
e sem pressa, que não acelere processos e ritmos;
· Que
busque mais o bem do povo que seus próprios bens e privilégios;
· Que
não se interessa apenas pela vida intrauterina e pela vida eterna;
· Que
está mais ligada às casas que ao templo, e atua mais desde baixo que de suas
instituições;
· Que
não se converte em uma seita, mas mantenha as portas abertas;
· Que
oferece a boa noticia de Jesus crucificado e ressuscitado, como uma fonte na
praça;
· Que
anuncia os valores alternativos do Reino;
· Que
coloca o ser humano acima de tudo, inclusive da religião, e que se afasta de
toda violência;
· Que
é sensível ao Espirito, que sopra desde baixo e das margens, dos pobres, e que
atua também nos artistas, cientistas, regiões, movimentos sociais;
· Menos
ativista e mais mística e profética, mais contemplativa e menos agitada;
· Mais
ícone que empresa;
· Mais
viva, e não morta e sepultada em edifícios históricos convertidos em museus;
· Em
crescimento, como a pequena semente, que cresce lentamente;
· Profética,
na qual os leigos assumem sua missão na sociedade;
· Na
qual os ministros ordenados sejam servidores do povo, sobretudo dos pobres;
· Na
qual a vida religiosa seja uma instancia crítica e alternativa, mística e
profética, aberta aos pobres.
Itacir Brassiani msf
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