Para encontrar Jesus e ser salvo, é preciso descer!
O episódio
apresentado no evangelho deste domingo é muito conhecido. Mas, para entendê-lo
em toda a sua força e novidade, precisamos considerar o contexto no qual se
desenvolve a cena. Uma rápida olhada no contexto literário nos mostra que o
episódio acontece depois que Jesus acolhe e abençoa crianças (cf. Lc 18,15-17),
após o frustrado encontro com o jovem rico e a metáfora do camelo e do buraco
da agulha (cf. Lc 18,15-34), e em seguida à acolhida e cura do cego de Jericó
(cf. Lc 18,35-43). E estamos na última etapa da subida de Jesus para Jerusalém.
O contexto mais
amplo é de desconcerto e resistência dos discípulos frente à pregação e à
prática revolucionárias de Jesus: eles tentam impedir que as crianças se
aproximem dele; se escandalizam com a afirmação de que aos ricos é difícil
entrar na lógica do Reino de Deus; cobram a conta por terem deixado tudo para
seguir Jesus; não conseguem compreender nem aceitar que seu caminho passe pela
humilhação; querem calar a boca do cego e mendigo que suplica compaixão. Ou
seja: não conseguem assimilar as lições mais elementares de Jesus!
Quem é
propriamente este personagem tão conhecido a quem o evangelista chama Zaqueu?
Traduzido literalmente, seu nome significa puro ou inocente! E isso é
surpreendente, já que, por ser cobrador de impostos e negociar com os romanos
Zaqueu era visto como impuro, mercenário e traidor nacional. Por isso, apesar
dos muitos bens que possuía, e apesar da posição de chefia que ocupava entre os
publicanos, Zaqueu era socialmente renegado e religiosamente excluído. Sua
baixa estatura sinaliza mais o rebaixamento social que uma característica
física!
Não obstante
isso, enquanto os discípulos não conseguem reconhecer a verdadeira identidade
de Jesus, Zaqueu busca descobrir quem é Jesus. O evangelista diz que ele não
desejava apenas ‘ver Jesus’, mas queria ‘ver quem era Jesus’. Movido por este
desejo, Zaqueu acaba fazendo aquilo que aprendera dos mesmos líderes religiosos
que o desprezavam. Subir na arvore e na vida era o modo usual para alcançar a
salvação: buscar palcos e pedestais, subir na hierarquia, aferrar-se às
instituições judaicas, confiar nas práticas minuciosas da lei.
A árvore na
qual Zaqueu sobe é símbolo do próprio judaísmo que o renega! Mas o encontro de
Zaqueu com Jesus se dá de uma forma que ele não esperava. Apesar de ter subido
na árvore, não é Zaqueu que vê Jesus, mas Jesus que vê Zaqueu e pede que desça
imediatamente daquele lugar que nada acrescenta à sua vida. “Zaqueu,
desce depressa! Hoje eu devo ficar na tua casa”. As palavras são claras:
ele deve descer depressa porque exatamente neste dia Jesus deve ir à casa dele.
O lugar do verdadeiro encontro de Zaqueu com a salvação não é o templo: é a rua
e a casa!
Zaqueu dá-se
conta do absurdo da sua estratégia de subir para saber quem é Jesus e, motivado
pelo anúncio de que Jesus deveria ir naquele instante à sua casa, desce
depressa e recebe Jesus com muita alegria. A salvação tem seu tempo e seu
espaço, mas estes podem não coincidir com aqueles que são estabelecidos pelas
religiões. Como os primeiros cristãos descobriram e anunciaram, a morada de
Deus no mundo é a comunidade de irmãos e irmãs que, embasada no amor, se reúne
para fazer celebrar a fé e partilhar o pão.
O encontro
seguido da visita de Jesus à casa Zaqueu faz com que ele se torne mais
autêntico e generoso que os fariseus mais perfeitos. João Batista havia
determinado simplesmente que os publicanos não cobrassem mais do que fora
estabelecido (cf. Lc 3,12-13), mas Zaqueu se propõe a devolver quatro vezes o
que subtraiu aos outros, cumprindo ao pé da letra o que pedia a Lei (cf. Ex
21,37). Enquanto os fariseus pagam apenas o dízimo, Zaqueu dá a metade dos bens
aos pobres!
Jesus de Nazaré,
adorável hóspede que resgata nossa dignidade e suscita uma inaudita
generosidade: faz da tua e nossa comunidade uma família de gente nova, um povo-semente
de uma vida que mereça este nome. Arranca do nosso meio a ilusão de que
precisamos subir para te encontrar. Liberta-nos da acomodação e faz de nós
pessoas e igrejas em descida e saída para encontrar e abraçar a humanidade. E
ensina-nos a te encontrar no burburinho das ruas, nas casas que se mantêm
abertas e em toda carne que clama por ti. Assim seja! Amém!
Itacir
Brassiani msf
Nenhum comentário:
Postar um comentário