quarta-feira, 31 de julho de 2024

Enquanto caminhamos na história, estamos imersos na ambivalência

Enquanto caminhamos na história, estamos imersos na ambivalência | 428 | 01.08.24 | Mateus 13,47-53

Jesus termina a sessão na qual fala do Reino de Deus lançando mão de várias parábolas demonstrando sua preocupação em ser entendido pela multidão e com a boa formação dos discípulos: “Compreendestes tudo isso?” “Tudo isso” se refere às parábolas e ao dinamismo do Reino de Deus na história, mas também ao seu ensino e à sua ação como um todo. Ele sabe que entra a escuta e a compreensão há um longo caminho de conversão a ser percorrido. E nós também sabemos que a conversão é um dinamismo tão belo quanto exigente.

Compreender significa aderir à Boa Notícia e colocá-la em prática, e Jesus estava consciente do risco de que seus ouvintes não conseguirem ou não desejarem mudar sua mentalidade e sua visão de Deus e do mundo. E os fatos posteriores mostrarão as dificuldades reais dos discípulos em compreender e mudar. O caminho da conversão de mentalidade é longo e exigente!

Com a explicação da parábola da rede que pega uma grande diversidade de peixes, Jesus volta à questão da existência de práticas de vida contrastantes, tanto na sociedade em geral como na comunidade dos discípulos e discípulas. Os peixes maus ou inaproveitáveis são as pessoas, grupos e setores que resistem aos propósitos de Deus manifestados por Jesus. Os bons são os discípulos e discípulas que perseveram no longo e complexo caminho do amadurecimento.

A tentação do fundamentalismo e da separação dos discípulos que se julgam bons e puros dos outros é permanente, assim como o risco de ficar nas velhas tradições herdadas, nas “antigas lições de viver pela pátria e viver sem razões”. Cada nova geração precisa entender claramente a dinâmica do Reino de Deus na história, que comporta tensões, ambivalências, imperfeições, crescimento. Mas, no final, o mal e os malvados não terão a última palavra.

Tonar-se discípulo de Jesus supõe compromisso real e consequente com ele e disposição para aprender sempre, de mudar e alargar visão e padrões de avaliação. Jesus é o próprio modelo do especialista na Palavra, que sabe tirar coisas velhas e novas desse tesouro, mais coisas novas que coisas velhas. Os valores valem, mas precisam manter a capacidade de iluminar os novos problemas e os novos desafios. O que é velho, bom, permanente e não muda é somente a misericórdia e a compaixão de Deus. Nisso ele não muda!

 

Meditação:

·    Como o sentido dado por Jesus à parábola da rede ilumina nossas urgências e estimula nossa paciência com quem se mostra lento ou resistente às mudanças?

·    Que luzes a imagem da rede que recolhe peixes bons e ruins traz para nossa convivência familiar, comunitária e social?

·    Como conjugar paciência com urgência, evitando criminalizar ou excluir quem diverge ou se opõe a nós?

terça-feira, 30 de julho de 2024

Por causa de um certo Reino, estradas eu caminhei

Por causa de um certo Reino, estradas eu caminhei... | 427 | 31.07.24 | Mateus 13,44-46

Estamos diante das últimas parábolas dessa espécie de “cartilha” que é o capítulo 13 do evangelho de Mateus. O capítulo será concluído com algumas novas explicações sobre este gênero de pregação e suas aplicações na vida. Aqui temos aquelas que conhecemos como parábolas do tesouro escondido e encontrado por acaso, e da pérola preciosa ardentemente buscada. Ambas falam, obviamente, da preciosidade incomparável do reino de Deus e da reação de quem se encontra com ele.

Já lembramos muitas vezes e de modos diversos que o Reino de Deus é o horizonte que dá sentido e direção a tudo o que Jesus busca, anuncia e faz. Seu conteúdo é uma vida plena, fraterna e solidária acessível a todas as pessoas, um mundo no qual há lugar para todas as criaturas. Pode parecer surpreendente e incompreensível que haja quem se feche a este anúncio, quem o rejeite e se oponha a ela. Na verdade, há quem tenha essa atitude, também hoje: gente que não admite que todos somos iguais em dignidade e possamos compartilhar os mesmos lugares e os mesmos bens; que não abre mão de usufruir de algumas coisas com exclusividade, e que considera a promoção dos outros como uma ameaça aos seus privilégios.

Por isso, as parábolas sublinham a preciosidade, o valor incalculável do Reino de Deus, assim como a reação esperada e adequada de quem se depara com ele. Na primeira parábola, ao que parece, quem encontra o tesouro no campo é um trabalhador, e isso ocorre por acaso. Mas o que ele faz é justo, e nos representa: arrisca todo o pouco que tem e “aposta todas as fichas”, com incontida alegria, no mundo assim como foi imaginado e criado por Deus, e promovido por Jesus. Ninguém entra no alegre dinamismo sem essa ruptura fundamental.

A condição do negociante de pérolas é um pouco diferente: ele se dedica incansavelmente à procura de pérolas finas e valiosas. Quando seu empenho alcança um bom resultado, ele se recusa a vender a pérola preciosa. Ele vende tudo, abandona o ofício de comerciante e passa a dedicar-se integralmente ao Reino de Deus. Ele descobre que o que vale mesmo todas as penas é buscar o Reino de Deus e a sua justiça. O resto, inclusive as perseguições, vêm por acréscimo. Mas esse é o tesouro que o ladrão não rouba e a traça do tempo não corrói.

 

Meditação:

·    Escute e leia as duas parábolas com a maior atenção possível, acompanhando com a imaginação a ação e a reação dos personagens

·    Você acha que a Igreja tem conseguido sublinhar adequadamente o valor precioso e desejável do Reino de Deus aos seus membros?

·    Em que medida o reino de Deus e a sua justiça é, para você, a única coisa necessária, o valor pelo qual você tudo troca?

·    Nossa catequese e nossas celebrações conseguem despertar nos cristãos a busca, a alegria e a ousadia? Por quê?

segunda-feira, 29 de julho de 2024

Nas estradas de um mundo desigual, o que nos guia é a Esperança!

Nas estradas de um mundo desigual, o que nos guia é a Esperança! | 426 | 30.07.24 | Mateus 13,36-43

Sabemos que as parábolas têm as características da sabedoria popular, usa imagens da experiência cotidiana, e exige o engajamento do ouvinte na interpretação. Nisso, são diferentes das alegorias, que buscam uma certa equivalência ou correspondência e sentido específico para cada um dos termos. Conforme Mateus, na explicação, pedida pelos discípulos, Jesus faz uma leitura alegórica da parábola do trigo e do joio, considerando as demandas e conflitos da sua comunidade.

Notemos que esta que Mateus nos oferece é apenas uma entre as diversas interpretações possíveis da parábola, e o interesse está na oposição que o Reino de Deus enfrenta. Jesus oferece esta explicação em casa, no espaço que as comunidades cristãs converteram em ambiente de encontro com Jesus e de aprofundamento do seu ensino. A leitura se detém em oito aspectos, que não são os únicos. Há um fio condutor: o mal e sua oposição à novidade do Reino de Deus faz parte da condição humana mas tem seus dias contados, não se estenderá para sempre.

Jesus, que se apresenta como Filho do Homem, espalha a semente do Reino de Deus, que é boa e se concretiza nos discípulos que o seguem. O campo não se restringe ao coração das pessoas, mas é o mundo (a vida e as estruturas econômicas, políticas, sociais e religiosas cotidianas). O joio representa simbolicamente as elites políticas e religiosas, que Jesus qualifica como filhas do diabo, e são por ele semeadas no mundo (cf. 4,8; 12,33-37). Mas elas não são perpétuas, nem os frutos do mal que provocam.

Portanto, o tempo histórico que é medido pelo nosso percurso existencial e pela construção e mudança das sociedades, é o tempo da adversidade e do conflito. Não faz sentido imaginar que um dia as coisas serão isentas de ambiguidades, puras e imaculadas neste mundo. Nem mesmo a Igreja pode imaginar-se assim. Mas, no final, no mundo que há de vir e que inspira o mundo que estamos a construir, o mal e suas causas serão eliminados. Essa é nossa esperança.

Por isso, os discípulos do Reino somos estimulados a manter a esperança, mesmo sendo trigo no meio do joio, e tendo o joio dentro de nós, em nossas ações e instituições. Quando o Mundo Novo florescer plenamente, os filhos do Reino brilharão como o sol, e a noite ficará iluminada como quando o Filho de Deus se fez carne. O tempo atual, entretanto, é de esperança e luta. O que nos anima é saber que tem boa semente que está florescendo e amadurecendo.

 

Meditação:

§  Entre com Jesus e os discípulos/as em sua casa e peça que ele lhe dê inteligência para compreender sua palavra

§  Leia atentamente a explicação que Jesus nos oferece sobre a parábola do trigo bom e do joio semeado pelo inimigo

§  Seria possível atualizar essa interpretação para a situação que vivemos hoje na Igreja e na sociedade do Brasil?

domingo, 28 de julho de 2024

Santos amigos Lázaro, Marta e Maria

Betânia representa o espaço descomplicado da amizade e da acolhida | 425 | 29.07.24 | João 11,19-27

Marta, discípula e amiga de Jesus, é mais conhecida pela passagem de Lucas, onde ela aparece atazanada com os afazeres domésticos e reclama da passividade de Maria, sua irmã, empenhada na escuta de Jesus. Ambas moravam em Betânia e são irmãs de Lázaro. Este núcleo de acolhida e convivência fraterna e amistosa era frequentado com gosto por Jesus. O texto ilumina a memória coletiva dos três santos, que o Papa Francisco quis oferecer à Igreja.

A cena de hoje faz parte de um conjunto literário maior, que é a enfermidade, a morte e o reerguimento de Lázaro. O pequeno fragmento oferecido à nossa meditação começa com um clima de desolação, de lamentação, de fim de festa. A desolação é ainda maior porque todos sabem que Jesus fora avisado da enfermidade do amigo, e não quis mudar sua agenda a tempo de chegar para curá-lo. Os judeus se mostram amigos e chegam para consolar as duas irmãs pela morte de Lázaro.

Marta sai ao encontro de Jesus na estrada, e começa o diálogo manifestando sua dor e censurando-o: “Se tivesses estado aqui, meu irmão não teria morrido...” Ela espera de Jesus um benefício, pois o considera um potente curador. Ela ainda não sabe o que significa o seu amor, e vê Jesus como apenas um mediador poderoso da ação de Deus. Sua crença na ressurreição é para o final dos tempos. Sua adesão a Jesus é imatura, parcial e insuficiente, como a dos demais discípulos.

A passagem da morte para a vida se dá no encontro pessoal e profundo com Jesus e na adesão a ele. Porque Jesus é Vida, a morte não tem poder sobre ele e sobre quem acredita nele. O “último dia” é antecipado na cruz, do alto da qual ele abraça a humanidade sem excluir ninguém, e derrama seu Espírito de vida. Quem recebe o Espírito de Deus e se deixa mover por ele não conhecerá a morte nem o medo,.

Marta percebe que a fé tradicional não é suficiente e pronuncia uma bela profissão de fé: Jesus é vida e ressurreição, o Ungido e Filho de Deus, enviado para que todos tenham vida. Ela chega à maturidade da fé, e não lamenta mais a morte, porque conhece a Vida. E, como discípula missionária que chegou à maioridade, ela nos ensina o valor da acolhida fraterna no seguimento de Jesus.

 

Meditação:

·    Você se reconhece no lamento de Marta, que se interroga porque Jesus não evita ou remedia certas situações dolorosas?

·    Você crê firmemente que aderir a Jesus é passar da morte para vida já agora? Como você expressa essa fé e essa adesão a ele?

·    Como acolher a fé na ressurreição como dinamismo de esperança e compromisso histórico, e não como desprezo da história concreta?

·    O que você está disposto a colocar hoje nas mãos de Jesus para que ele ajude a diminuir o sofrimento do seu povo?

sábado, 27 de julho de 2024

O pouco partilhado é muito, e o muito sem partilha é nada!

O pouco partilhado é muito, e o muito sem partilha é nada! | 424 | 28.07.24 | João 6,1-15

No capítulo 6 do seu evangelho, João nos apresenta o primeiro encontro de Jesus com a multidão. O episódio está cronologicamente situado próximo à festa da páscoa judaica, e, na ocasião, Jesus realiza dois sinais muito importantes: a multiplicação dos pães, às margens do lago, diante de uma multidão e a serviço dela; a caminhada sobre as águas, um sinal mais discreto, na presença apenas dos discípulos.

Jesus está no apogeu da sua missão. A multidão acolhe seu ensinamento e acredita nele, graças aos sinais que realiza. Mas a sua fama e a crescente multidão que vai ao seu encontro acaba provocando uma forte crise: onde encontrar alimento para toda essa gente? Os discípulos já haviam discutido sobre isso, como o demonstra a resposta de Filipe. Eles haviam calculado que dar uma refeição, mesmo que frugal, ao povo teria um custo equivalente a 100 dias de trabalho!

Jesus convoca os discípulos a agir e cooperar com ele, mas Filipe não vislumbra solução fora do sistema dominante: comprar e vender. André visualiza um começo de solução: comunica a Jesus o que a comunidade reserva para si mesma. O menino (“criadinho”), símbolo do discípulo, entrega o pouco que tem, sem reservar nada para si. E Jesus faz pelo povo aquilo que se recusara a fazer para si mesmo.

Jesus toma os pães de cevada (alimento de baixa qualidade!) e os peixes e dá graças a Deus. Com isso, liberta estes bens da apropriação privada e exclusiva, e proclama que eles pertencem a Deus. É quando devolvemos o que temos a quem lhe pertence de verdade que brota a abundância na mesa de todos. Mas os bens só produzem vida abundante quando os discípulos servem.

A resposta da multidão a essa ação de Jesus é o reconhecimento de que ele é o Profeta que esperavam. Mas esse entusiasmo traz em si mesmo e esconde uma tentação: fazer de Jesus um rei, um chefe político, um protagonista que dispensa a cooperação dos demais. Este é o risco que ronda os líderes, tanto políticos como religiosos, quando fascinam o povo. Jesus se retira sozinho, em busca de integridade e serenidade de coração. Ele se afasta dos discípulos (também tentados pelo poder e pela passividade) e da multidão para se manter fiel à vontade do Pai: confiar às pessoas e solução dos problemas sociais concretos.

 

Meditação:

·    Leia atentamente, palavra por palavra, gesto por gesto este episódio ambientado no deserto, pouco antes da páscoa dos judeus

·    Você se percebe no meio da multidão faminta, que espera alimento, ou entre os discípulos que são chamados a colaborar com Jesus?

·    Qual é sua reação diante dos problemas que afligem o povo hoje: indiferença? Busca de culpados? Busca de soluções?

·    O que você está disposto a colocar hoje nas mãos de Jesus para que ele ajude a diminuir o sofrimento do seu povo?

O Evangelho dominical (Pagola) - 28.07.2024

PARTILHAR O PÃO

Nenhum evangelista sublinhou tanto como João o caráter eucarístico da multiplicação dos pães. O seu relato evoca claramente a celebração eucarística das primeiras comunidades. Para os primeiros crentes, a Eucaristia não era apenas a recordação da morte e ressurreição do Senhor. Era, ao mesmo tempo, uma vivência antecipada da fraternidade do reino.

Durante muitos anos temos insistido tanto na dimensão sacrificial da Eucaristia que podemos esquecer outros aspectos da Ceia do Senhor. Talvez hoje devamos recordar com mais força que esta ceia é sinal da comunhão e da fraternidade que temos de cuidar entre nós e que atingirá a sua verdadeira plenitude na consumação do Reino. A Eucaristia deveria ser para os crentes um convite constante a viver a partilha do que é nosso com os necessitados, mesmo que seja pouco, mesmo que sejam apenas cinco pães e dois peixes.

A Eucaristia obriga-nos a perguntar-nos que relações existem entre aqueles que a celebram, pois, sendo sinal de comunhão fraterna, converte-se numa zombaria quando nela participamos todos, os que vivem satisfeitos no seu bem-estar e os que passam necessidades, os que se aproveitam dos outros e os marginalizados, sem que a celebração pareça questionar seriamente ninguém.

Às vezes ficamos preocupados se o celebrante pronunciou as palavras prescritas no ritual. Fazemos um problema se devemos comungar na boca ou na mão. E não parecemos estar tão preocupados com a celebração de uma Eucaristia que não é sinal de verdadeira fraternidade nem impulso para a procurar.

E, no entanto, há algo que aparece claro na tradição da Igreja: «Quando falta a fraternidade, a Eucaristia é supérflua» (Luis González-Carvajal). Quando não há justiça, quando não se vive de forma solidária, quando não se trabalha para mudar as coisas, quando não se vê esforço por partilhar os problemas dos que sofrem, a celebração eucarística fica vazia de sentido.

Isto não quer dizer que apenas quando existir entre nós uma verdadeira fraternidade poderemos celebrar a Eucaristia. Não precisamos esperar que desapareça a última injustiça para podermos celebrá-la. Mas também não podemos continuar a celebrá-la sem que isso nos leve a comprometer-nos com um mundo mais justo. O pão da Eucaristia alimenta-nos para o amor e não para o egoísmo. Leva-nos a criar uma maior comunicação e solidariedade, e não um mundo em que nos desentendemos uns com os outros.

José Antônio Pagola

Tradução de Antônio Manuel Álvarez Perez

sexta-feira, 26 de julho de 2024

O Evangelho do Reino é um tesouro que levamos em vasos de barro

O Evangelho do Reino é um tesouro que levamos em vasos de barro | 423 | 27.07.24 | Mateus 13,24-30

Ao lado da parábola do semeador, a parábola do trigo e do joio é uma das mais conhecidas dos leitores, cristãos e não cristãos. É verdade que, para não resvalarmos para uma interpretação parcial e arbitrária do dinamismo do Reino de Deus, precisamos ler conjuntamente todas as parábolas do Reino. Mas cada uma delas tem seu próprio conflito subjacente e seu foco.

Depois de termos meditado a parábola do semeador e uma das suas possíveis interpretações, hoje somos colocados diante de uma nova parábola. Qual seria o conflito ou a preocupação que subjaz à parábola do trigo e do joio? A quais questionamentos ela se propõe a responder? No contexto literário é difícil perceber, pois, no capítulo 13, Mateus agrupa um conjunto de diferentes parábolas, como se fosse um livreto separado.

A ambiguidade dos pensamentos e sentimentos, nossos e dos outros, nos atordoam. É difícil aceitar a ambivalência dos acontecimentos, instituições e estruturas. Por que as coisas e pessoas não são mais simples, transparentes e coerentes? Até a Igreja, comunidade dos discípulos de Jesus, que nasceu para ser sinal eloquente e unívoco de Jesus e do Reino de Deus, tem suas contradições e sombras que colaboram para desbotar as cores vivas do Reino.

Parece-me que é este conjunto de questões, que rondam os cristãos de ontem e hoje, que a parábola do trigo e do joio quer iluminar. Assim como Deus viu que as criaturas que brotaram de suas generosas mãos de artista são belas e boas, também a semente do Reino de Deus espalhada pelos cristãos nos diversos terrenos da missão são boas e fecundas. Mas a história e o tempo continuam sendo o terreno das imperfeições e do crescimento. A história é marcada pela ambiguidade.

Não adianta lamentar, nem é possível separar e excluir as pessoas que taxamos como maldosas ou menos boas enquanto estamos a caminho. Se é pelos frutos (que quase sempre chegam no final da vida das plantas), e não pelas folhas e pelas aparências, que conhecemos as árvores, é também pelas ações que realizamos (e não pelas fotos e pelas falas) que demonstramos quem somos e que conheceremos os outros. Aqui nada é puro, nada é perfeito, nem a Igreja: somos um povo santo e pecador.

 

Meditação:

·    Procure ler e entender esta parábola do Reino relacionando-a com as parábolas do fermento e da semente de mostarda

·    O que Jesus quer nos ensinar com a parábola do trigo e do joio? Será a passividade diante do mal?

·    Em que medida somos iludidos pelo sonho de uma Igreja e um mundo sem ambiguidades, descanso para quem desistiu de lutar?

·    Como evitar o engano de pensar que o tempo da colheita chegou, e colocarmo-nos como colhedores e não como trigo?

quinta-feira, 25 de julho de 2024

Dia dos avós

Os homens e mulheres justos dão bons frutos, mesmo na velhice | 422 | 26.07.24 | Mateus 13,16-17

Estes dois versículos fazem parte do diálogo catequético e formativo de Jesus com seus discípulos. O objetivo de Jesus é explicar as razões que o levam a falar em parábolas, especialmente quando se dirige às autoridades religiosas e ao povo. Mas, na liturgia de hoje, este breve trecho do evangelho segundo Mateus ilumina a festa de São Joaquim e Sant’Ana, pais de Maria e avós de Jesus.

As parábolas tratam, antes de tudo, do mistério do Reino de Deus, por vontade de Deus acessíveis prioritariamente aos “pequenos”, aos pobres e humildes do Senhor. Como as crianças e vulneráveis, são eles os mais aptos a entender e acolher o Reino de Deus como graça e tarefa. Ver e ouvir o que Jesus faz e diz significa discernir a presença de Deus nos acontecimentos e na ação de Jesus.

Pelos capítulos que antecedem estes versículos, sabemos que as lideranças do judaísmo rejeitaram o ensino e a ação libertadora de Jesus. Eles escutaram sem entender e viram sem aceitar. Tendo um coração torpe, fecharam os ouvidos e os olhos para não se converterem. Por outro lado, aqueles que acolhem o ensino de Jesus e o seguem são realmente felizes, alcançaram uma vida cheia de brilho e de vigor.

Isso não é frustração nem acaso, mas fruto do querer de Deus. A condição das pessoas que, entendendo e acolhendo a mensagem do reino de Deus, a vivem e anunciam, é a mesma, ou ainda superior, à dos justos e profetas do Antigo Testamento: eles quiseram ouvir, mas não conseguiram, quiseram ver, mas não alcançaram. Assim são os discípulos missionários de todos os tempos.

A liturgia de hoje nos leva a entender que Joaquim e Ana, pais de Maria e avós de Jesus, fazem parte daqueles justos e profetas que, vivendo a esperança da vinda do Messias e fazendo o que estava ao alcance para que isso acontecesse, desejaram ver e ouvir, mas não conseguiram.  

E nós celebramos a memória destes santos como Dia dos Avós e dos Idosos. A propósito, vale a pena recordar o que diz salmista: “O justo florescerá como a palmeira, crescerá como o cedro que há no Líbano. Mesmo no tempo da velhice darão frutos, serão cheios de seiva e verdejantes”. Que o Bom Deus conceda essa graça aos nossos idosos e idosas.

 

Meditação:

·    Leia atentamente, sem pressa, palavra por palavra, estes dois breves versículos nos quais Jesus elogia os verdadeiros discípulos/as

·    Somos capazes de ver, reconhecer e alegrar-nos com os sinais do reino de Deus nas pessoas e acontecimentos simples e frágeis?

·    Somos capazes de ver e reconhecer na sabedoria afetuosa e no amor terno e vulnerável dos avós sinais da bondade de Deus?

·     Alegramo-nos de verdade com esta dinâmica do reino de Deus, e como isso transparece naquilo que fazemos e anunciamos?

segunda-feira, 22 de julho de 2024

Jesus questiona e supera o modelo patriarcal de família

Jesus questiona e supera o modelo patriarcal de família | 419 | 23.07.24 | Mateus 12,46-50

Jesus acabara de acusar as autoridades religiosas de serem incapazes de discernir sua identidade de Messias, enviado do Pai para anunciar e inaugurar seu Reino. Depois disso, Jesus deixa a sinagoga, e, nesta cena, está em uma casa, não necessariamente a sua, com seus discípulos e discípulas. Esta casa é como se fosse o lugar de encontro e convivência de uma nova família, uma família alternativa, que relativiza os tradicionais laços de raça e de sangue.

Mateus diz que alguém (não diz se é um discípulo ou não) avisou Jesus que sua mãe e seus irmãos estão lá fora, e desejam falar com ele. Seus familiares aproximam-se respeitosamente, e não interrompem a ação missionária de Jesus. Seriam movidos pela saudade? Pelo desejo de que ele voltasse para casa? Pela vontade de segui-lo na aventura do Reino de Deus? Estar dentro ou fora dessa casa delimita a clara pertença ao “círculo” de Jesus e do Reino.

A novidade do Reino de Deus, muito esperada por todos e trazida por Jesus, implica claramente em uma mudança nas relações sociais, econômicas, religiosas, culturais, políticas, mas também das relações familiares. É no horizonte do Reino de Deus que Jesus questiona e supera o modelo de família patriarcal, baseada nos laços de sangue e na submissão ao homem e senhor, um modelo sempre funcional aos sistemas estruturados sobre a dominação.

Jesus responde ao aviso da chegada dos familiares com uma pergunta, uma declaração e um gesto. Dirigindo-se aos discípulos e discípulas que o circundam, ele pergunta quem é sua família, e ele mesmo responde, afirmando e indicando com a mão: “Eis minha mãe e meus irmãos! Pois todo aquele que faz a vontade do meu Pai, este é meu irmão, minha irmã e minha mãe!” A comunidade de discípulos é a nova família, aberta, não sujeita aos vínculos de sangue, de raça, de gênero, de religião. Nela, só Deus é Pai, e todos são iguais!

Nós cremos que Maria também está neste círculo, pois, ninguém mais que ela, viveu para realizar prontamente a vontade do Pai. Nisso ela é nossa mãe, irmã e discípula. Mas é importante também que nos sintamos incluídos por Jesus no âmbito da sua família. Somos seus irmãos, irmãs e sua mãe, se fazemos a vontade do Pai.

 

Meditação:

·    Procure inserir-se na cena relatada pelo evangelista e interagir com os diversos personagens que aparecem

·    Como ressoa em você o questionamento de Jesus aos que falam em nome de sua família e sua resposta a eles?

·    Você se sente efetivamente e com alegria irmão ou irmã de Jesus e de todos/as aqueles que vivem seu Evangelho?

·    O que nossas comunidades e Igrejas precisam mudar ou melhorar para serem verdadeiras famílias humanas?

domingo, 21 de julho de 2024

Santa Maria Madalena

Santa Maria Madalena, apóstola que reúne os apóstolos dispersos | 418 | 22.07.24 | João 20,1-2.11-18

Por ser hoje a festa de Santa Maria Madalena, retomamos a bela cena que a comunidade do evangelista João nos transmitiu. Já a meditamos por ocasião da páscoa de Jesus, mas hoje a perspectiva é outra. Ainda de madrugada, Maria Madalena foi sozinha à sepultura de Jesus, de quem era discípula e amiga, e a encontrou aberta. Então, correu para anunciar o fato a Pedro e João, surpresa e apavorada: “Tiraram o Senhor do túmulo, e não sabemos onde o colocaram”.

Também tomados pela surpresa, os discípulos João e Pedro saíram correndo, chegaram, viram a sepultura vazia e acreditaram, mas voltaram para casa calados. Maria Madalena ficou sozinha junto à sepultura, chorando por ter perdido aquele que ela amava porque despertara nela a dignidade adormecida e não reconhecida. É assim que Maria se inclina para dentro da sepultura, como Jesus se inclinara diante da mulher ameaçada de apedrejamento e diante dos discípulos no lava-pés.

Em vez de panos estendidos no chão, Maria Madalena vê anjos, mensageiros e mensagem de Deus, que a interrogam pela razão do seu pranto. Ela perdera o guia, a referência, o mestre amado. Está desolada porque não sabe que rumo dar à sua vida, não tem mais um amor concreto com o qual possa contar. Os próprios condiscípulos haviam todos desertado, e estavam refugiados em suas casas.

A desorientação, a solidão e a dor de Maria são tão intensas que ela dá voltas ao redor de si mesma, sem conseguir deslocar seu olhar dos mensageiros para aquele para o qual eles apontam. Ela confunde Jesus, que vem ao seu encontro, com um jardineiro, e até imagina que teria sido ele quem roubara o corpo daquele que ela amava. Para ela, a esperança ficou no passado, e a vida é apenas luto.

Mas quando Jesus pronuncia o seu nome, com a ternura com a qual ele chama cada um de nós, os olhos de Maria Madalena se abrem. Nesse momento, Maria Madalena toma consciência de que Jesus não lhe pertence, e que o encontro que lhe abriu os olhos da fé é força que impele à missão. E ela, que já era discípula dedicada, torna-se apóstola e missionária dos apóstolos: vai anunciar a Boa Notícia aos outros discípulos e refunda a comunidade eclesial que se havia dispersado.

 

Meditação:

·    Procure inserir-se na cena relatada pelo evangelista e interagir com os diversos personagens que aparecem

·    Acompanhe Madalena na sua busca dolorida, no seu anúncio apressado, na sua permanência teimosa, na sua dificuldade de ler os sinais

·    Preste atenção na resposta de Maria Madalena às perguntas dos anjos e de Jesus, e perceba o que ela esconde e revela

·    Participe da alegria de Maria ao reconhecer Jesus quando dele pronuncia seu nome, o desapego de um amor pessoal e maduro, a prontidão com que ela anuncia a notícia

sábado, 20 de julho de 2024

A missão dos discípulos e Jesus não podem ser guiadas pela agenda

A vida e a missão dos discípulos e Jesus não podem ser guiadas pela agenda | 417 | 21.07.24 | Marcos 6,30-34

No episódio do envio dos apóstolos ao “estágio missionário” (cf. Mc 6,7-13), a ênfase recaía sobre as instruções de Jesus para a missão. Na crônica sobre a trama e morte de João Batista (cf. Mc 6,14-29), o evangelista sublinhava o recorrente confronto entre reis arrogantes e enfraquecidos e os profetas que não calam a verdade. Segundo o Evangelho, este é o caminho e o destino de Jesus, e os discípulos missionários que ele envia também devem preparar-se para isso.

No episódio de hoje, Marcos descreve o que acontece quando os discípulos voltam do breve “estágio missionário”. Eles são enviados como missionários itinerantes, dedicados integralmente ao anúncio e realização do Reino de Deus, sem contar com o apoio de meios potentes, absolutamente dependentes da hospitalidade alheia. Voltando, eles se reúnem diante de Jesus e compartilham o que haviam feito e ensinado, e o fazem com indescritível alegria.

Atento ao cansaço e aos limites do apostolado deles, Jesus os convida a um retiro de descanso e de aprofundamento do seu ensino. Este descanso/retiro se faz necessário, pois é muita gente chegando para pedir socorro a ponto de limitar até as condições para se alimentar adequadamente. Mas a proposta de descanso sugerida por Jesus se torna uma lição inesquecível de dedicação incansável ao Reino de Deus, concretizada na compaixão pelo povo necessitado.

De fato, enquanto os discípulos que apenas estreavam como apóstolos ainda tinham dificuldades de reconhecer a identidade de Jesus, as multidões cansadas e abatidas, abandonadas pelos seus líderes e pastores políticos e religiosos, intuem quem é Jesus, depositam nele suas derradeiras esperanças e chegam antes deles no “retiro”. É isso que relatam os versículos subsequentes.

A dedicação incansável de Jesus ao povo, ao lado da sua ação curadora e emancipadora, é a lição que faltava aos apóstolos. A missão não é uma etapa, um momento, uma entre outras atividades que nos ocupam. A divina e humana compaixão não conhece agenda. E as pessoas descartadas pelos “pastores” de plantão são a prioridade dos discípulos missionários. Mesmo quando se retiram para a oração e a formação, o povo está presente e os carca por todos os lados.

 

Meditação:

·    Releia o texto com atenção, acompanhando o retorno dos apóstolos, o convite ao descanso, a multidão que os rodeia

·    A formação, a oração, as celebrações e outras demandas da vida cristã não podem ser obstáculos ao “ministério da compaixão”

·    A verdadeira evangelização (anúncio da Boa Notícia de Deus) se concretiza e culmina na compaixão demonstrada nas ações

·    Em que medida é a humana e divina compaixão de Jesus que dinamiza nossa formação, nossa oração e nossa missão?