“Minha alma glorifica o Senhor... O poderoso fez em
mim grandes coisas!” O cântico profético e alegre de Maria na casa de Isabel é
um convite a entrar nessa exultação, pois a misericórdia demonstrada em favor
do seu povo e de Maria se estende de geração em geração. Muitos séculos antes
da Menina de Nazaré, Ana, a mãe de Samuel, já o havia comprovado pessoalmente.
Tendo atravessado um longo período de estirilidade física e humilhação social,
e depois de se derramar em lágrimas no templo sob o olhar desconfiado e
condenatório do sacerdote, ela se sente em condições de elevar a cabeça e
desafiar seus rivais. E canta: “O arco dos fortes foi quebrado, mas os fracos
se vestiram de vigor. Os saciados se empregaram por um pão, mas os pobres e
famintos se saciaram. Muitas vezes deu a luz a que era estéril, mas a mãe de
muitos filhos definhou. O Senhor ergue do pó o homem fraco, e do lixo ele
retira o indigente, para fazê-los assentar-se com os nobres num lugar de muita
honra e distinção” (1Sam 2). Partindo da condição feminina, humilhada numa
sociedade patriarcal, ela anuncia uma profunda revolução social, cujo sinal é a
afirmação concreta da dignidade dos pobres. Os acontecimentos e esperanças
celebrados no Natal de Jesus estão longe de se resumirem a expectativas de
consumo ou de “paz no coração”. O “velhinho rechonchudo” fica meio sem lugar. Não
há como esperar e celebrar de forma cristã o nascimento de Jesus sem inseri-lo
no teimoso e generoso sonho de uma revira-volta na história, de uma profunda
transformação social, inclusive nas questões de gênero. E eu, sentado meditando
a Palavra de salvação sentado confortavelmente na poltrona, fico a me
perguntar: Como posso evitar a tentação de propor aos amigos e leitores algo
que não vivo pessoalmente? O que preciso fazer para entrar no horizonte de Ana
e de Maria e viver o Natal em chave utópica? “Fazei, Senhor, que ao proclamar
humildemente o mistério da encarnação, entremos em comunhão com o Redentor”.
Por isso, acolho como dirigida a mim e a meu modo o apelo do salmista, inserido
como antífona de entrada na liturgia de hoje: “Ó portas, levantai vossos
frontões! Levantai-vos portas eternas: que ele entre, o peregrino glorioso!”
(Itacir
Brassiani msf)
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