Guardiões
e guardiães da obra do Criador
Há alguns
anos, quando os movimentos ambientalistas davam seus primeiros passos, eram
recorrentes as críticas à Bíblia e aos movimentos religiosos que nela se
fundamentam (judaísmo e cristianismo). Dizia-se que a “ordem” de Deus para que
o ser humano se multiplicasse, povoasse e dominasse a terra” (cf. Gn 1,22) deu
origem e sustentação ao movimento de apropriação, exploração e deterioração da
natureza.
Ignorava-se
naquele tempo que, por vários milênios, essa “ordem” não provocara danos relevantes.
E que isso só veio a ocorrer no alvorecer da era moderna, com a ascensão e
hegemonia do paradigma econômico extrativista, industrial e consumista. É nesse
período que a ideologia da supremacia absoluta do ser humano sobre as demais
criaturas toma corpo e justifica a posse e a exploração ilimitada dos bens.
Graças a esses questionamentos, e à crescente importância que a
questão ambiental foi adquirindo nas últimas décadas, o cristianismo fez uma
releitura crítica da sua interpretação do texto citado que alguns dos seus
pronunciamentos veiculavam ou sugeriam. E formulou o horizonte que possibilita
uma compreensão correta e responsável: criado à imagem e semelhança de Deus
(cf. Gn 1,26), o ser humano é por ele chamado a cuidar, guardar e administrar
as demais criaturas (cf. Gn 2,8).
Não faz sentido afirmar que a natureza que é violenta e inimiga do
ser humano, que ela precisa ser dominada pelo homem, se o próprio Deus a
contempla e diz que tudo é muito bom (cf. Gn 1,31). Não tem fundamento ensinar que há separação
ou oposição entre o ser humano e as demais criaturas, se todos somos obra das
mãos do mesmo Deus. Um ser humano arrogante e depredador das demais criaturas
está muito longe da imagem de Deus segundo a qual foi criado.
É numa relação de mansidão, proteção e cuidado de todos os seres
viventes que expressamos nossa semelhança com Deus. A missão que Deus nos
confia é “descobrir a beleza, a bondade, a singularidade, a diversidade e a
agradabilidade de todos os seres” (Texto-base
da CF, § 69). Qualquer prática de exploração
irresponsável, posse absoluta ou destruição criminosa da obra da criação é
contrária a essa missão.
Esta compreensão aparece também no pensamento dos povos
originários, e é confirmada pela ciência. O pensamento científico afirma que
todos os seres vivos, desde a bactéria que surgiu a mais de três bilhões de
anos, passando pelos dinossauros e chegando ao ser humano, possuem o mesmo
código genético de base, os mesmos 20 aminoácidos e as mesmas bases fosfatadas.
De fato, tudo está interligado. Somos todos irmãos e irmãs, mas não nos
tratamos como tais.
O Cacique Seattle nos adverte, ainda em 1855: “Ensinai aos vossos
filhos o que ensinamos aos nossos: a terra é nossa mãe; ela não pertence ao
homem branco, é o homem branco que pertence a ela; se os homens cospem na
terra, estão cuspindo em si mesmos; o que fere a terra, fere também os filhos
da terra; o homem não tece a teia da vida, mas é apenas um dos seus fios”. Como
dizem os Bispos do Brasil: da criação não somos proprietários, mas guardiões
(cf. Texto-base da CF, § 129 e 25).
Dom Itacir Brassiani msf
Bispo diocesano de Santa Cruz do a Sul
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