sábado, 29 de março de 2025

Por uma ecologia integral

Guardiões e guardiães da obra do Criador

Há alguns anos, quando os movimentos ambientalistas davam seus primeiros passos, eram recorrentes as críticas à Bíblia e aos movimentos religiosos que nela se fundamentam (judaísmo e cristianismo). Dizia-se que a “ordem” de Deus para que o ser humano se multiplicasse, povoasse e dominasse a terra” (cf. Gn 1,22) deu origem e sustentação ao movimento de apropriação, exploração e deterioração da natureza.

Ignorava-se naquele tempo que, por vários milênios, essa “ordem” não provocara danos relevantes. E que isso só veio a ocorrer no alvorecer da era moderna, com a ascensão e hegemonia do paradigma econômico extrativista, industrial e consumista. É nesse período que a ideologia da supremacia absoluta do ser humano sobre as demais criaturas toma corpo e justifica a posse e a exploração ilimitada dos bens.

Graças a esses questionamentos, e à crescente importância que a questão ambiental foi adquirindo nas últimas décadas, o cristianismo fez uma releitura crítica da sua interpretação do texto citado que alguns dos seus pronunciamentos veiculavam ou sugeriam. E formulou o horizonte que possibilita uma compreensão correta e responsável: criado à imagem e semelhança de Deus (cf. Gn 1,26), o ser humano é por ele chamado a cuidar, guardar e administrar as demais criaturas (cf. Gn 2,8).

Não faz sentido afirmar que a natureza que é violenta e inimiga do ser humano, que ela precisa ser dominada pelo homem, se o próprio Deus a contempla e diz que tudo é muito bom (cf. Gn 1,31).  Não tem fundamento ensinar que há separação ou oposição entre o ser humano e as demais criaturas, se todos somos obra das mãos do mesmo Deus. Um ser humano arrogante e depredador das demais criaturas está muito longe da imagem de Deus segundo a qual foi criado.

É numa relação de mansidão, proteção e cuidado de todos os seres viventes que expressamos nossa semelhança com Deus. A missão que Deus nos confia é “descobrir a beleza, a bondade, a singularidade, a diversidade e a agradabilidade de todos os seres” (Texto-base da CF, § 69).  Qualquer prática de exploração irresponsável, posse absoluta ou destruição criminosa da obra da criação é contrária a essa missão.

Esta compreensão aparece também no pensamento dos povos originários, e é confirmada pela ciência. O pensamento científico afirma que todos os seres vivos, desde a bactéria que surgiu a mais de três bilhões de anos, passando pelos dinossauros e chegando ao ser humano, possuem o mesmo código genético de base, os mesmos 20 aminoácidos e as mesmas bases fosfatadas. De fato, tudo está interligado. Somos todos irmãos e irmãs, mas não nos tratamos como tais.

O Cacique Seattle nos adverte, ainda em 1855: “Ensinai aos vossos filhos o que ensinamos aos nossos: a terra é nossa mãe; ela não pertence ao homem branco, é o homem branco que pertence a ela; se os homens cospem na terra, estão cuspindo em si mesmos; o que fere a terra, fere também os filhos da terra; o homem não tece a teia da vida, mas é apenas um dos seus fios”. Como dizem os Bispos do Brasil: da criação não somos proprietários, mas guardiões (cf. Texto-base da CF, § 129 e 25).

Dom Itacir Brassiani msf

Bispo diocesano de Santa Cruz do a Sul

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