Chamados para construir
a família humana
Chamados a ser guardiões uns dos outros e da
criação
A
palavra «vocação» não deve ser entendida em sentido restrito, referindo-a
apenas àqueles que seguem o Senhor pelo caminho duma consagração específica.
Todos somos chamados a participar na missão de Cristo de reunir a humanidade
dispersa e reconciliá-la com Deus. De modo mais geral, cada pessoa humana,
antes ainda de viver o encontro com Cristo e abraçar a fé cristã, recebe com o
dom da vida um chamamento fundamental: cada um de nós é uma criatura querida e
amada por Deus, objeto dum pensamento único e especial d’Ele e somos chamados a
desenvolver, ao longo da nossa vida, esta centelha divina que mora no coração
de cada homem e mulher, contribuindo para fazer crescer uma humanidade animada
pelo amor e mútuo acolhimento. Somos chamados a ser guardiões uns dos outros, a
construir laços de concórdia e partilha, a curar as feridas da criação para que
não seja destruída a sua beleza. Em suma, tornamo-nos uma família na
maravilhosa casa comum da criação, na variedade harmoniosa dos seus elementos.
Neste sentido amplo, não só os indivíduos mas também os povos, as comunidades e
as agregações dos mais variados géneros têm uma «vocação».
Chamados a acolher o olhar de Deus
Nesta
grande vocação comum, insere-se a chamada mais particular que Deus nos dirige,
alcançando a nossa existência com o seu Amor e orientando-a para a sua meta
definitiva, para uma plenitude que ultrapassa até mesmo o limiar da morte.
Assim quis Deus olhar, e olha, para a nossa vida.
Miguel
Ângelo teria dito: «No interior de cada bloco de pedra, há uma estátua, cabendo
ao escultor a tarefa de a descobrir». Se tal pode ser o olhar do artista, com
muito mais razão assim nos vê Deus: naquela jovem de Nazaré, viu a Mãe de Deus;
no pescador Simão, filho de Jonas, viu Pedro, a rocha sobre a qual podia
construir a sua Igreja; no publicano Levi, entreviu o apóstolo e o evangelista
Mateus; em Saulo, cruel perseguidor dos cristãos, viu Paulo, o apóstolo dos
gentios. O seu olhar de amor sempre nos alcança, toca, liberta e transforma,
fazendo com que nos tornemos pessoas novas.
Esta
é a dinâmica de cada vocação: somos alcançados pelo olhar de Deus, que nos
chama. A vocação não é uma experiência extraordinária reservada a poucos. Tal
como existem «os santos ao pé da porta», assim também a vocação é para todos,
porque todos são olhados com amor e chamados por Deus. Diz um provérbio oriental:
«Um sábio, ao olhar o ovo, sabe ver a águia; ao olhar a semente, vislumbra uma
grande árvore; ao olhar um pecador, sabe entrever um santo». É assim que Deus
nos olha: em cada um de nós, vê potencialidades, às vezes ignoradas por nós
mesmos, e atua incansavelmente, ao longo da nossa vida, a fim de as podermos
colocar ao serviço do bem comum.
Assim
a vocação nasce, graças à arte do Escultor divino que, com as suas «mãos», nos
faz sair de nós mesmos, para que se delineie em nós a obra-prima que somos
chamados a ser. Particularmente capaz de nos purificar, iluminar e recriar é a
Palavra de Deus, que nos liberta do egocentrismo. Coloquemo-nos, pois, à escuta
da Palavra, para nos abrirmos à vocação que Deus nos confia! E aprendamos a
escutar também os irmãos e irmãs na fé, porque nos seus conselhos e exemplo
pode esconder-se a iniciativa de Deus, que nos indica estradas sempre novas a
percorrer.
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