Chamados a responder ao olhar de Deus
O
olhar amoroso e criador de Deus alcançou-nos de forma singular em Jesus. Ao
falar do jovem rico, o evangelista Marcos observa: «Jesus, fitando nele o
olhar, sentiu afeição por ele» (10, 21). O mesmo olhar de Jesus, cheio de amor,
pousa sobre cada um de nós. Irmãos e irmãs, deixemo-nos tocar por este olhar e
ser levados por Ele para além de nós mesmos! E aprendamos também a olhar de tal
modo um para o outro que as pessoas com quem vivemos e as que encontramos –
sejam elas quem forem – possam sentir-se acolhidas e descobrir que há Alguém
que as olha com amor, convidando-as a desenvolverem todas as suas
potencialidades.
A
nossa vida muda quando acolhemos este olhar. Tudo se torna um diálogo
vocacional entre nós e o Senhor, mas também entre nós e os outros. Um diálogo
que, vivido em profundidade, nos faz tornar cada vez mais aquilo que somos: na vocação ao sacerdócio
ordenado, ser instrumento da graça e da misericórdia de Cristo; na vocação à
vida consagrada, ser louvor de Deus e profecia de nova humanidade; na vocação
ao matrimónio, ser dom mútuo e geradores e educadores da vida; em cada vocação
e ministério na Igreja, em geral, que nos chama a olhar os outros e o mundo com
os olhos de Deus, servir o bem e difundir o amor com as obras e as palavras.
A
propósito, desejo mencionar aqui a experiência do Dr. José Gregório Cisneros.
Quando trabalhava como médico em Caracas, quis tornar-se irmão terceiro
franciscano. Mais tarde, pensou em tornar-se monge e sacerdote, mas a saúde não
lho permitiu. Compreendeu então que a sua vocação era precisamente a profissão
médica, na qual se prodigalizou especialmente a favor dos pobres. E, sem
reservas, dedicou-se aos doentes atingidos pela epidemia de gripe chamada
«espanhola», que então alastrava pelo mundo. Morreu atropelado por um carro, ao
sair duma farmácia aonde fora buscar remédios para uma idosa, sua paciente.
Testemunha exemplar do que significa acolher a vocação aderindo plenamente à
mesma, foi beatificado há um ano.
Convocados para construir um mundo fraterno
Como
cristãos, não só somos chamados, isto é, interpelados cada qual pessoalmente
por uma vocação, mas também con-vocados. Somos como os
ladrilhos dum mosaico, belos já quando vistos um a um, mas só juntos é que
formam uma imagem. Brilhamos, cada um e cada uma de nós, como uma estrela no
coração de Deus e no firmamento do universo, mas somos chamados a compor
constelações que orientem e iluminem o caminho da humanidade, a partir do
ambiente onde vivemos. Tal é o mistério da Igreja: na convivência das
diferenças, ela é sinal e instrumento daquilo a que toda a humanidade é
chamada. Para isso, a Igreja deve tornar-se cada vez mais sinodal: capaz de
caminhar unida na harmonia das diversidades, onde todos têm a sua própria
contribuição para dar e podem participar ativamente.
Portanto,
quando falamos de «vocação», não se trata apenas de escolher esta ou aquela
forma de vida, votar a própria existência a um determinado ministério ou seguir
o encanto do carisma duma família religiosa, dum movimento ou duma comunidade
eclesial; mas trata-se sobretudo de realizar o sonho de Deus, o grande desígnio
da fraternidade que Jesus tinha no coração quando pediu ao Pai «que todos sejam
um só». Cada vocação na Igreja e, em sentido largo, também na sociedade,
concorre para um objetivo comum: fazer ressoar entre os homens e as mulheres
aquela harmonia dos múltiplos e variados dons que só o Espírito Santo sabe
realizar. Sacerdotes, consagradas e consagrados, fiéis leigos, caminhemos e
trabalhemos juntos, para testemunhar que uma grande família humana unida no
amor não é uma utopia, mas o projeto para o qual Deus nos criou!
Rezemos
para que o Povo de Deus, no meio das dramáticas vicissitudes da história,
corresponda cada vez mais a esta vocação. Invoquemos a luz do Espírito Santo,
para que cada um e cada uma de nós possa encontrar o respetivo lugar e dar o
melhor de si neste grande desígnio!
(Roma, no
IV Domingo de Páscoa, 8 de maio de 2022)
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