quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Ano da fé (2)


Algumas preocupações em torno do Ano da Fé

Em artigo publicado anteriormente (http://itacir-brassiani.blogspot.it/2012/08/ano-da-fe-1_27.html) já tive oportunidade de manifestar minhas preocupações sobre a proposta de celebrar um ‘ano da fé’ para lembrar os 50 anos do Concílio Ecumênico Vaticano II. Naquela oportunidade escrevia que “há algo de errado e triste quando, por causa de tendências de restaurar instituições e formas de vida que ignoram ou contestam o Concílio, nos vemos na obrigação de lutar aguerridamente para defender posturas e declarações de meio século atrás”, e expressava o desafio de “celebrar a memória agradecida dos 50 anos do Concílio Vaticano II sem menosprezar ou trair suas intuições fundamentais”.

Se este ‘ano da fé’, cuja abertura solene terá lugar no próximo 11 de outubro, quiser favorecer “a alegre redescoberta e o renovado testemunho da fé”, não pode se deter em iniciativas anacrônicas e inoportunas, como a preparação de subsídios populares de caráter apologético contra as seitas e contra o relativismo, sugerida pela Nota pastoral. Penso que a nacessidade que temos como Igreja não é apenas ensinar a crer em Jesus Cristo, mas crer como Jesus Cristo. Afinal, ele é o autor e o consumador da fé (cf. Hb 12,2).

Algumas indicações pastorais da Nota (06.01.2012) que a Congregação para a Doutrina da Fé apresenta para a celebração do ‘ano da fé’ confirmam meus temores: depois do Sínodo dos Bispos, a primeira iniciativa sugerida em âmbito universal é o encorajamento às “peregrinações dos fiéis aos pés de Pedro, para professar a fé no Pai, no Filho e no Espírito Santo, unindo-se com aquele que hoje é chamado a confirmar a fé dos seus irmãos”! Na mesma direção, pede-se que seja promovida uma recepção mais atenta e uma adesão mais cordial às homilias, catequeses, discursos e intervenções diversas do Sucessor de Pedro...

É verdade que no referido Documento pastoral podemos encontrar também algumas propostas relativamente interessantes, como: promoção de simpósios para dar voz às autênticas testemunhas da fé em Jesus Cristo e aprofundar seu conteúdo; publicações populares e sessões de aprofundamento dos Documentos do Concílio Vaticano II; realização de seminários sobre o diálogo e a cooperação entre a fé e a razão; promoção de encontros de diálogo de alto nível com não-crentes; celebrações ecumênicas da fé comum; promoção de missões populares nas paróquias. E ainda outras, a critério das Conferências Episcopais, Dioceses, Paróquias e demais Instituições.

Mas infelizmente isso não consegue esconder o objetivo nem mudar o DNA da estratégia pastoral proposta pelo Papa Bento XVI e incubada na Cúria Romana. Gostaria de estar enganado, mas é difícil não ler nas entre-linhas o desejo de enfatizar mais o conteúdo dogmático que o dinamismo emancipador da fé, de destacar mais a adesão institucional à Igreja católica que a adesão à fé e à práxis de Jesus de Nazaré. Penso não entender mal quando digo que o projeto do Ano da Fé está mais interessado em fazer memória dos 20 anos da publicação da Catecismo da Igreja Católica que dos 50 anos do Concílio Ecumênico Vaticano II.

Vejamos, a título de exemplo, algumas sugestões de atividades relativas ao Catecismo que apresenta a Nota: (1) No âmbito universal: aprofundar seu estudo; (2) No âmbito nacional: republicá-lo e traduzi-lo nas línguas nas quais ainda não foi publicado; avaliar a consonância dos estudos teológicos com ele; (3) No âmbito das dioceses: adequar a ele os catecismos das Dioceses; verificar a presença dos seus conteúdos nos planos de formação dos presbíteros; promover jornadas diocesanas para estudá-lo; escrever Cartas Pastorais sobre a sua importância; verificar sua recepção nas Igrejas locais; promover jornadas de formação do clero em torno dos seus temas centrais; (4) No âmbito das paróquias: preparar homilias sobre ele; organizar grupos de catequistas para aprofundá-lo; distribuí-lo às famílias...

O que podemos fazer para que não se envolva as principais lideranças das Comunidades e não gaste tempo e dinheiro, hoje tão escassos, na simples defesa da combalida instituição eclesiástica? O que fazer para evitar uma nova recaída no dogmatismo e na apologética católica? O que fazer para que os católicos não passem ao largo dos homens e mulheres, que clamam caídos à beira da estrada, para chegar de mãos limpas ao templo? O que podemos fazer para que creiamos como Jesus Cristo, ou seja: reconhecendo Deus no coração da história que geme em dores de parto e empenhando todas as energias na dinamização do seu Reino?

Itacir Brassiani msf

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