Decadência da Igreja Católica?
Eduardo Hoornaert*
Ouve-se falar hoje, aqui e acolá, em
decadência da igreja católica. Efetivamente, há sinais de que essa igreja não
esteja mais conseguindo corresponder aos anseios dos tempos em que vivemos,
algo que a médio ou longo prazo pode significar o fim do projeto formulado 1500
anos atrás por Agostinho em sua obra ‘A cidade de Deus’, que está na base da
igreja católica tal qual a conhecemos hoje. O grande teólogo apresentou, no
século V, um dilema: ou você vive e milita na ‘cidade de Deus’, ou pertence à
'massa damnata' marcada pelo 'pecado original'. O projeto funcionou por longos
séculos e agora chega ao fim.
O historiador inglês Arnold Toynbee formulou
uma lei da história que me parece interessante para a discussão. É a ‘lei do
desafio e resposta’, exposta no final de seu livro monumental ‘Um Estudo de
História’ (Martins Fontes, São Paulo, 1986). Depois de estudar o surgimento,
apogeu e declínio de 21 civilizações, Toynbee conclui: todo projeto humano é
formulado para responder a determinados desafios, o que faz com que seja
necessariamente incompleto, provisório e passageiro. Nenhum projeto humano pode
aspirar à eternidade. Ora, escreve Toynbee, o fato de o papado ter reagido
negativamente aos esforços de Cavour para unificar a Itália (início século XIX)
marca os primeiros sinais da passagem para a lenta decomposição do sistema
católico. O papa deixa de pensar no mundo e pensa em preservar seus
privilégios. Isso é fatal.
A questão, hoje, consiste em ver se há condições de reformar o modelo,
tornando-o capaz de responder aos desafios do momento. Não se pode responder a
tudo, há sempre deficiência, mas penso que a atual situação consiste numa
inaptidão generalizada.
Comparemos a atitude do papa diante da
unificação da Itália (início século XIX) com os rumos que a França tomou no
final do século anterior. A revolução francesa constitui um exemplo
paradigmático de um projeto que responde de forma apropriada aos anseios do
tempo. Dai seu sucesso. Os povos querem ‘liberdade, igualdade e fraternidade’,
e a revolução responde positivamente. Uma postura totalmente diferente é a do
papa, que vai assumindo sempre mais posturas reacionárias.
Toynbee vê nessa recusa do papa o início da
decadência do sistema católico. Por encarnar o poder supremo por tantos
séculos, o papado não tem mais sensibilidade diante do que se passa na
realidade e isso constitui um sinal de decadência. Seguindo o raciocínio de
Toynbee, não se sabe o que pode acontecer com a igreja católica. É possível que
ela mude totalmente de feições ou mesmo desapareça do cenário histórico. De
qualquer modo, aqui não se trata de um drama. Os projetos passam, a história
passa. Os projetos humanos são todos provisórios.
O sonho de Agostinho deu origem a um grande
projeto, que moldou o Ocidente. Mas ficou na contramão do desejo de liberdade
hoje se manifesta de mil maneiras. Os tempos mudam e isso é bom.
O importante consiste em apoiar as energias
positivas que atuam dentro do catolicismo, da mesma forma em que se devem apoiar
as forças vivas existentes no candomblé, na igreja universal do reino de Deus,
no pentecostalismo e em todos os projetos que procuram trabalhar para melhorar
a vida da humanidade.
Enquanto o papa se afasta da vida vivida e
se recolhe em seu 'Apartamento' e enquanto o vaticano se vê enredado em
escândalos, os cristãos conscientes não enxergam nada de trágico em tudo isso.
Só os que gostam de montar uma tragédia grega de paixões pelo poder, intrigas,
hipocrisias é que comentam o tempo todo esses noticiários.
Os mais conscientes preferem ocupar-se de
outros assuntos. Eles pensam no real drama de nosso mundo de hoje. Hoje, o
drama é outro, o desafio é outro. O que importa é que o cristianismo signifique
algo para os 50% da população mundial que vive curvada sob pobreza e miséria.
No planeta em que vivemos, 25 mil pessoas morrem por dia de inanição e 16 mil
crianças de fome. 852 milhões de pessoas passam fome. As fortunas das três
pessoas mais ricas do mundo é superior ao PIB de 48 países. Os 5 % mais ricos
ganham 114 vezes mais que os 5 % mais pobres. As pessoas que dormem na rua, as
864 favelas do Rio, as 20 a 25 pessoas que morrem por dia de forma violenta, no
Rio, e que nem merecem mais uma menção no noticiário. Isso dá vergonha, isso é
o drama. Que entre as 20 cidades mais desiguais do mundo, 5 são brasileiras
(Goiânia, Belo Horizonte, Fortaleza, Brasília e Curitiba), eis o que dá
vergonha. Que mais de 10 milhões de brasileiros vivem com menos de 39 reais por
mês e que a Globo nunca dá esses números, eis a vergonha, eis o apelo para o
cristianismo. O drama é que 10% das pessoas que vivem neste país detêm 75% da
riqueza que o país produz, que 5 mil famílias (1%) controlam 45% da riqueza do
país.
* Padre casado, belga, com mais de 5O anos de
Brasil, historiador e teólogo, mais de 20 livros publicados. Dedica-se agora ao
estudo das origens do cristianismo
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