O que quer a Igreja com a Nova Evangelização?
Tanto nas linhas como as
entre-linhas não deixam dúvidas: o projeto de uma Nova Evangelização não surge da alegre vitalidade da comunidade
eclesial, nem do desejo de oferecer aos homens e mulheres algo experimentado
como precioso. Nasce da amarga sensação do afastamento dos fiéis da vida
sacramental, de uma onda de cansaço e medo de muitas Igrejas frente à
complexidade do mundo atual, do temido risco da criatividade e da diversidade
que, aos olhos da Cúria, aparecem como atentados contra a unidade. Mau sinal!
O Instrumentum Laboris do Sínodo não esconde sua visão medrosa e pessimista do mundo: o resultado de todas as
grandes transformações culturais das últimas déecadas “é a difusão de uma desorientação que se traduz em formas de
desconfiança relativamente a tudo o
que é transmitido acerca do sentido da vida e numa relutância para aderir total e incondicionalmente àquilo que nos
foi dado como revelação da verdade profunda do nosso ser” (IL, § 7). Nessa situação, a fé perde sua força
pública e é relegada festivamente à esfera privada da vida.
Este fenômeno se generaliza especialmente no mundo
ocidental rico (“regiões de antiga cristianização”). Segundo o Instrumentum Laboris, a indiferença religiosa, o secularismo, o ateísmo e o consumismo,
um estilo de vida como se Deus não existisse, colocam à prova as comunidades de
fé. Na metade sul e pobre do planeta, onde permanece viva uma certa tradição
cristã popular, o desafio seria representado pelo crescimento das seitas.
Pois é. A Nova Evangelização
quer remar contra esta corrente, é pensada como antídoto contra esta doença que
já contaminaria boa parte do corpo da humanidade. Pensa-se que somente uma nova
evangelização poderá garantir o crescimento de uma fé límpida e profunda, capaz
de converter as tradições populares em força de autêntica liberdade. Para
“refazer em toda a parte o tecido cristão da sociedade humana”, é necessário
“refazer o tecido cristão das próprias comunidades eclesiais que vivem nesses
países e nessas nações” (IL, § 13).
“Reagir a esta situação é um imperativo com o qual o
Papa Bento XVI se tem debatido desde o início do seu pontificado”, diz o Documento (§ 7). Daí o dever que a
Igreja sente de “imaginar novos instrumentos e novas palavras” para tornar
compreensível a palavra da fé neste contexto. Trata-se de “relançar o fervor da
fé e do testemunho dos cristãos e das suas comunidades”, de multiplicar a
coragem e as energias, de redescobrir a alegria e reencontrar o entusiasmo em
comunicar a fé (cf. IL, § 9).
É difícil não ler neste projeto uma tentativa quase
desesperada de reconquista do terreno perdido por parte do catolicismo. Por mais
que se tente dizer que não, este é um
projeto com odor restauracionista. Somente nesse tenebroso horizonte se
torna compreensível a míope e falsa idéia de que a sociedade humana já teve um
tecido cristão. Ora, o cristianismo nunca foi mais que 20% da humanidade, e só
recentemente tem alguma influência na África e na Ásia. Somente na Europa ele
chegou a influir decisamente na cultura e na sociedade. E o que leva a Igreja
Católica e ver nas novas Igrejas, nascidas com marcas pentecostais, inimigos a
serem combatidos e não parceiros a serem valorizados? É claro que tais Igrejas
– seitas não é um conceito teológico, mas sociológico e ideologizado! – têm
seus problemas e limites. Mas nós também os temos, e como!
E então, como iniciar ou levar adiante uma nova evangelização?
Qual o interesse que move a Sede Apostólica nesta empresa? A hierarquia
católica tem uma boa notícia a propor a todos os homens e mulheres? Ou o que a
Cúria Romana deseja é simplesmente reconquistar terreno, ressuscitar
privilégios, resgatar poderes? Bem, isso seria o contrário daquilo do Evangelho
que Jesus Cristo viveu e anunciou. Não seria evangelização, mas conquista. E
não teria ares de novidade, mas jeito de coisa velha.
Itacir Brassiani msf
Nenhum comentário:
Postar um comentário