Charlotte Gilman
O que aconteceria se uma mulher
despertasse uma manhã transformada em homem? E se a família não fosse o campo
de treinamento onde o menino aprende a mandar e a menina a obedecer? E se
houvesse creches? E se o marido participasse da limpeza e da cozinha? E se a
inocência se fizesse dignidade? E se a razão e a emoção andassem de braços
dados? E se os pregadores e os jornais dissessem a verdade? E se ninguém fosse
propriedade de ninguém?
Charlotte Gilman delira. Em 1934 a
imprensa norte-americana a ataca, chamando-a de mãe desnaturada. E mais ferozmente a atacam os fantasmas que moram
em sua alma e a mordem por dentro. São eles, os temíveis inimigos que Charlotte
contém, que às vezes conseguem derrubá-la. Mas ela cai e se levanta, e torna a
se lançar pelo caminho. Esta tenaz caminhadora viaja sem descanso pelos Estados
Unidos, e por escrito e por falado vai anunciando um mundo ao contrário.
(Eduardo Galeano, O século do vento. Memória do fogo, vol. 3, L&PM Editores,
Porto Alegre, 2010, p. 47)
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