Nova
Evangelização: quem a fará?
Nas reflexões
anteriores abordamos três questões: em que consiste a evangelização; qual é o
objetivo da ação evangelizadora; como renovar o método de evangelizar. É claro
que na abordagem destas questões, mesmo no tratamento sumário que o espaço nos
impôs, já tocamos no tema que nos ocupará hoje: quais são os sujeitos que podem desenvolver um processo de
evangelização que seja nova no ardor, na expressão e no método.
O Instrumentum Laboris do Sínodo sobre a
Nova Evangelização diz explicitamente que “o objetivo da nova evangelização é a
transmissão da fé”, um processo complexo que une a fé dos cristãos e a vida da
Igreja à revelação de Deus (IL, 90). É um pouco estranho, porque nada se diz
sobre o despertar da fé, sobre o diálogo com as diversas experiências de fé
(que hoje é frequentemente expressa num registro leigo e secularizado) e a
tradução da fé em atitudes e ações sociais. A ênfase não é colocada no
dinamismo da fé (método), mas no seu conteúdo (doutrina).
Positivamente, o Documento acima referido afirma que a
transmissão da fé não é tarefa de um grupinho de eleitos e iluminados, mas dom
oferecido a toda pessoa que responde ao chamamento da fé. “A transmissão da fé
não é uma ação reservada a um indivíduo singular deputado propositadamente para
isso. É tarefa de todo cristão e de toda
a Igreja, que nesta ação redescobre continuamente a sua própria
identidade...” (IL, 92). E é claro que esta tarefa pede uma adequada
articulação das dimensões da caridade, do testemunho, do anúncio e da
celebração.
Eis aqui uma
questão absolutamente importante: o
Evangelho é notícia boa, nova e merecedora de crédito quando é vivido,
testemunhado, celebrado e anunciado por uma comunidade cristã concreta. E
não é dispensável recordar aqui que, na maioria das regiões do mundo, as
Igrejas particulares ou dioceses, e mesmo muitas paróquias, carecem de
identidade eclesial e de dinamismo de comunhão, de modo que não podem ser
consideradas propriamente sujeitos da evangelização. A fé só pode ser vivida e
transmitida convenientemente por Comunidades primárias unidas na fé, na
esperança e na caridade.
E o que dizer
quando a vida e as estruturas da Igreja deixam dolorosamente visíveis
desigualdades, discriminações, autoritarismos, exclusões, indiferenças? Às
vezes chego a pensar que a nossa Igreja não conseguirá jamais superar práticas,
posturas e estruturas monárquicas, elitistas, patriarcais, machistas e
hierárquicas. Até as pequenas comunidades e os movimentos são frequentemente
reféns de lutas e competições intestinas pouco evangélicas. Com que
credibilidade esta Igreja pode transmitir a fé aos homens e mulheres de hoje e
fazer com que o Evangelho penetre no coração da cultura?
O Instrumentum Laboris identifica, no
interior da comunidade cristã, alguns
sujeitos específicos a quem competiria prioritariamente o anúncio do
Evangelho de um modo novo: os/as catequistas, os diáconos, as mulheres. A família é indicada como “lugar exemplar
de evangelização” (cf. IL, 110-113), enquanto que da Vida Consagrada se espera que dê um contributo essencial. Mas os grupos e movimentos eclesiais são
reconhecidos e incensados como dom da
Providência à Igreja e apontados como
modelos exemplares da prática de uma nova evangelização: por sua capacidade
de motivar as próprias opções de vida; pela profissão pública e sem pudor da
fé; pelo destaque aos momentos de comunhão e oração; pela paixão pelas novas
gerações; e pela “preferência espontânea pelos pobres e excluídos” (sic!).
De qualquer modo,
deseja-se que os leigos e leigas sejam os
protagonistas da nova evangelização. Assim, “a primeira prioridade” (cf.
IL, 118) da Igreja seria despertar a identidade batismal de cada cristão, para
que esteja em condições de dar as razões da própria fé e de testemunhar o
Evangelho. Mas isso deve ser feito numa atitude de diálogo e de respeito com as
diversas experiências de fé; de compromisso com a dignidade da pessoa humana;
de serviço à causa da emancipação humana; de respeito e cuidado da
biodiversidade. Mas isso não será viável
se a Igreja não investir pesadamente para assegurar aos leigos e leigas uma
sólida formação teológica e espiritual e oferecer a eles autênticas comunidades
e amplos espaços eclesiais. E, desculpem-me a irreverência, isso não se faz
propondo uma nova apologia, sempre
velha, mesmo quando vem qualificada como suave e respeitosa (cf. IL, 119).
Itacir Brassiani
msf
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