Pe. João Bosco Penido Burnier
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O calendário
assinalava a festa de Nossa Senhora Aparecida e os tempos eram de ditadura
militar, noite por decreto e medo por instinto. No dia 12 de outubro de 1976,
numa cidadezinha perdida no sertão brasileiro, tombava vítima de balas
assassinas, disparadas e mando dos latifundiários, o padre jesuíta João Bosco
Penido Burnier.
Nascido em Juiz de Fora (MG), quinto filho de uma família de nove irmãos, Burniern
estudou em Roma. Foi ordenado padre em 1946, e complementou a formação na Espanha. Depois de ser nomeado assistente para a América Latina da Companhia de Jesus, retornou ao Brasil em 1954, como vice-provincial da região de Minas, Goiás e Espírito
Santo. Mais tarde, foi enviado à missão
de Diamantino (MT), junto aos índios beiços-de-pau e bacairis.
O padre Burnier morreu aos 12 de outubro de 1976, em Goiânia, depois de ter sido baleado por um policial na tarde de 11 de outubro, em Ribeirão
Cascalheira (MT), quando, junto com Dom Pedro Casaldáliga, intercedia em favor de duas mulheres presas
que estavam sendo torturadas. O assassino foi o soldado Ezy Ramalho Feitosa,
que lhe deu um soco, uma coronhada e um tiro. Com 33 anos de atraso, o Governo
Federal admitiu, no início de dezembro de 2009, que o assassinato do Padre Burnier foi provocado pelo regime militar.
O consagrado escritor uruguaio Eduardo Galeano registra a seu modo o
contexto social e político no qual o Pe. Burnier anunciou sua derradeira
palavra, confirmada com seu próprio sangue.
“1976,
Ribeirão Bonito: Um dia de justiça. Grande como os países são as terras
das empresas pecuárias lançadas na conquista da Amazônia. Os generais
brasileiros perdoam-lhes os impostos, abrem estradas para elas e lhes dão
créditos e autorização para matar.
As empresas usam os camponeses esfarrapados que os rios e a miséria trazem
do Nordeste: camponeses matam índios, e são mortos; usurpam a terra dos índios,
e são usurpados. São desalojados pelas vacas cuja carne jamais provarão.
Quando a estrada chega ao povoado de Ribeirão Bonito, os policiais começam
a expulsão. Os camponeses que se negam são convencidos na cadeia, moídos a pau
ou com agulhas cravadas debaixo das unhas. O padre João Bosco Burnier chega à
cadeia e pergunta pelos torturados. Um policial responde a ele estourando seus
miolos.
No dia seguinte, as mulheres encabeçam a fúria. Carminha, Naide, Margarida,
erguem uma cruz imensa. Atrás delas, seiscentos camponeses empunham machados,
picaretas, pás, o que for. O povoado inteiro avança cantando em coro, grandiosa
voz de vozes; e onde estava a cadeia fica um lixinho.” (O século do vento,
L&PM, Porto Alegre, p. 301-302).
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