O Papa João Paulo II ensina que a
promoção dos Direitos Humanos é um dos novos âmbitos da missio ad gentes (cf. Redemptoris Missio, 37). A ONU incluiu o
direito à alimentação entre os Direitos Humanos (cf. artigo 25). É nessa
perspectiva que publico aqui uma série de breves textos sobre o escândalo da
fome e o direito humano à alimentação. São informações e reflexões que
simplesmente traduzo e resumo do recente livro Destruction massive. Géopolitique
de la faim, de Jean Ziegler, relator especial da ONU para o direito à
alimentação, de 2000 a 2008. O livro foi publicado em outubro de 2011, pela
editora Seuil (Paris).
A fome como estratégia de dominação política.
Sendo contemporâneo à ideologia do nazismo, Josué de Castro
descreveu a Europa sob o nazismo como um gigantesco e sombrio campo de
concentração. Em suas análises, o médico recifense mostrou que a fome endêmica e assassina não era um
efeito colateral da guerra, mas propriamente uma estratégia política de Hitler.
“A idéia central desta política era determinar o nível de restrição alimentar
dos povos da Europa dividindo entre eles – de acordo com os objetivos políticos
e militares alemãos – as magras rações deixadas pelas prioridades do Reich”
(citado na p. 125).
Os burocratas nazistas dividiam os povos em 4 categorias: grupos humanos e povos bem
alimentados; grupos humanos e povos insuficientemente alimentados; grupos
humanos e povos famintos; grupos e povos a serem exterminados através da fome.
Hitler investiu tanta energia criminal para submeter os povos à miséria quanto
para afirmar a superioridade racial dos alemães. Sua estratégia da fome tinha como objetivo assegurar a autosuficiência
para os alemães e submeter os demais povos à lei do Reich.
O carrasco nazista Himmler formulou o Hungerplan (Plano Fome) como estratégia
para dominar e exterminar os povos ‘indignos de viver’, juízes e ciganos em
primeiro lugar. Os resultados são conhecidos. Um relatório publicado em 1943
fala sobre a situação na Polônia: “O povo polonês come cães, gatos e ratos e
prepara sopas com carne podre ou cascas de árvores.” E as consequências se
fizeram sentir dolorosamente: tuberculose, incapacidade de trabalhar, letargia
progressiva, anemia mortal.
Assim, guetos hermeticamente fechados por altos muros
e vigiados por cordões de soldados, abrigando às vezes centenas de milhares de
pessoas, foram submissos à ‘dieta negra’, e milhares dos seus habitantes
terminaram por morrer de fome. A
estretégia da fome preparava ou completava o trabalho forçado e a ‘solução
final’ das câmaras de gás.
Os registros dos campos de concentração mostram com
que frieza e gozo doentio os agentes nazistas registravam as consequências da política da fome. Alguns relatam com
detalhes fatos de canibalismo entre jovens soviéticos que morriam de fome, e
viam nisso as provas do barbarismo eslavo. Estes registros noticiam também que
milhares de prisioneiros russos, ucranianos, lituanos e poloneses pediram aos
comandantes nazistas que, por misericórdia, os fuzilassem.
Uma indignação suplementar
vem da cegueira e do silêncio dos países aliados sobre a política nazista de
extermínio pela fome. O próprio Stalin recorreu ao mesmo expediente. Como os
campos da Sibéria estavam lotados, milhares de prisioneiros poloneses foram ‘liberados’
e abandonados sem alimento, sem água e sem agasalho nas estepes geladas do
nordeste da Rússia. (p. 125-135).
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