A ONU incluiu o direito à
alimentação entre os Direitos Humanos (cf. artigo 25). É na perspectiva da luta
por esse direito, um dos mais violados, que publico aqui uma série de breves
textos sobre o escândalo da fome e o direito humano à alimentação. São informações
e reflexões que simplesmente traduzo e resumo do recente livro Destruction massive. Géopolitique de la faim, de Jean Ziegler, relator
especial da ONU para o direito à alimentação, de 2000 a 2008.
O livro foi publicado em outubro de 2011, pela editora
Seuil (Paris).
Quando a luta contra a fome é confiada ao mercado.
A influência das empresas multinacionais privadas da
agroindústria sobre as estratégias dos organismos internacionais, assim como
sobre a quase totalidade dos governos ocidentais, frequentemente é decisiva. Elas
atuam como decididos adversários do direito à alimentação.
A argumentação destas empresas é simples. Elas admitem
que a fome é uma tragédia escandalosa, mas a vêem como consequência da produção
insuficiente da agricultura mundial. Como os bens disponíveis não cobrem as
necessidades que existem, para lutar contra a fome é preciso aumentar a
produtividade, e este objetivo só pode ser alcançado sob duas condições: a) a máxima e intensa industrialização dos processos,
mobilizando o màximo de capitais e as teconologias mais avançadas (sementes transgênicas,
agrotóxicos avançados, etc.), tendo como corolário a eliminação de milhares de
propriedades de agricultura familiar e de sobrevivência consideradas
imporuditivas; b) a mais completa e possível liberalização do mercado agrícola
mundial.
Somente um mercado totalmente livre pode elevar ao
máximo as forças econômicas da produção. Esta é sua crença. Toda intervenção
normativa no livre jogo do mercado, seja por meio de Estados nacionais ou de
organizações multilaterais, não faria senão entravar o desenvolvimento destas
forças de produção. A posição dos EUA e dos organismos multilaterais que apóiam
sua estratégia constitui uma simples e pura contestação do direito à
alimentação.
Devemos admitir, entretanto, que isso não vem nem da
cegueira e nem do cinismo. Nos EUA a população está perfeitamente informada
sobre a devastação da fome nos países do Sul. Como todos os outros Estados
civilizados, os EUA pretendem combatê-la. Porém, segundo eles, somente o livre
mercado poderá vencer este flagelo. Uma vez potencializada ao máximo a
produtividade da agricultura mundial, mediante liberalização e a privatização, o
acesso a uma alimentação adequada, suficiente e regular para todos acontecerá
automaticamente. Como uma chuva de ouro, o mercado enfim liberado fará chover seus
benefícios sobre a humanidade.
É verdade que o mercado pode também funcionar mal,
admitem eles. Sempre podem acontecer catástrofes, guerras, problemas
climáticos, etc. Como, por exemplo, a fome que se abate desde 2011 sobre cinco
países do nordeste da África, ameaçando a vida de 12 milhões de seres humanos.
Neste caso, a ajuda alimentar internacional de urgência deve socorrer os
flagelados.
São a OMC, o FMI e o Banco Mundial que determinam hoje as relações econômicas entre os
países dominantes e os povos do Sul. Mas, em matéria de política agrícola,
estas organizações de fato se submetem aos interesses das empresas
multinacionais privadas. É assim que a FAO (organismo da ONU para a agricultura
e a alimentação) e o PAM (Programa
Alimentar Mundial, também da ONU), originariamente encarregadas da luta
contra a pobreza e a fome, jogam apenas um papel marginal. (p. 162-163.
Tradução livre: Itacir Brassiani msf)
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