quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Uma destruição massiva: a geopolítica da fome (12)


A ONU incluiu o direito à alimentação entre os Direitos Humanos (cf. artigo 25). É na perspectiva da luta por esse direito, um dos mais violados, que publico aqui uma série de breves textos sobre o escândalo da fome e o direito humano à alimentação. São informações e reflexões que simplesmente traduzo e resumo do recente livro Destruction massive. Géopolitique de la faim, de Jean Ziegler, relator especial da ONU para o direito à alimentação, de 2000 a 2008.
O livro foi publicado em outubro de 2011, pela editora Seuil (Paris).

Quando a luta contra a fome é confiada ao mercado.

A influência das empresas multinacionais privadas da agroindústria sobre as estratégias dos organismos internacionais, assim como sobre a quase totalidade dos governos ocidentais, frequentemente é decisiva. Elas atuam como decididos adversários  do direito à alimentação.

A argumentação destas empresas é simples. Elas admitem que a fome é uma tragédia escandalosa, mas a vêem como consequência da produção insuficiente da agricultura mundial. Como os bens disponíveis não cobrem as necessidades que existem, para lutar contra a fome é preciso aumentar a produtividade, e este objetivo só pode ser alcançado sob duas condições: a) a máxima  e intensa industrialização dos processos, mobilizando o màximo de capitais e as teconologias mais avançadas (sementes transgênicas, agrotóxicos avançados, etc.), tendo como corolário a eliminação de milhares de propriedades de agricultura familiar e de sobrevivência consideradas imporuditivas; b) a mais completa e possível liberalização do mercado agrícola mundial.

Somente um mercado totalmente livre pode elevar ao máximo as forças econômicas da produção. Esta é sua crença. Toda intervenção normativa no livre jogo do mercado, seja por meio de Estados nacionais ou de organizações multilaterais, não faria senão entravar o desenvolvimento destas forças de produção. A posição dos EUA e dos organismos multilaterais que apóiam sua estratégia constitui uma simples e pura contestação do direito à alimentação.

Devemos admitir, entretanto, que isso não vem nem da cegueira e nem do cinismo. Nos EUA a população está perfeitamente informada sobre a devastação da fome nos países do Sul. Como todos os outros Estados civilizados, os EUA pretendem combatê-la. Porém, segundo eles, somente o livre mercado poderá vencer este flagelo. Uma vez potencializada ao máximo a produtividade da agricultura mundial, mediante liberalização e a privatização, o acesso a uma alimentação adequada, suficiente e regular para todos acontecerá automaticamente. Como uma chuva de ouro, o mercado enfim liberado fará chover seus benefícios sobre a humanidade.

É verdade que o mercado pode também funcionar mal, admitem eles. Sempre podem acontecer catástrofes, guerras, problemas climáticos, etc. Como, por exemplo, a fome que se abate desde 2011 sobre cinco países do nordeste da África, ameaçando a vida de 12 milhões de seres humanos. Neste caso, a ajuda alimentar internacional de urgência deve socorrer os flagelados.

São a OMC, o FMI e o Banco Mundial que determinam hoje as relações econômicas entre os países dominantes e os povos do Sul. Mas, em matéria de política agrícola, estas organizações de fato se submetem aos interesses das empresas multinacionais privadas. É assim que a FAO (organismo da ONU para a agricultura e a alimentação) e o PAM (Programa Alimentar Mundial, também da ONU), originariamente encarregadas da luta contra a pobreza e a fome, jogam apenas um papel marginal. (p. 162-163. Tradução livre: Itacir Brassiani msf)

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