O risco do fechamento
Agora está claro. Não há mais
dúvida. Quando a Cúria Romana e o Sínodo dos Bispos falam de nova evangelização atribuem a esta
expressão um sentido muito específico. Não pensam em anunciar o Evangelho de
Jesus Cristo com novos métodos e novas expressões, em sintonia com o mundo de
hoje, mas em revitalizar a fé dos fiéis católicos.
Em princípio este não é
propriamente um problema. Penso que todos/as estamos de acordo sobre a
necessidade de dar um dar dinamismo e eficácia pública à fé que celebramos nos
templos e aprofundamos nos centros de estudo de teologia e de catequese. Mas reduzir
a nova evangelização a isso não
equivaleria a sequestrar e trair o sentido original da expressão? E com isso não
estaria a Igreja caindo na tentação de dar as costas ao mundo e voltar-se ‘para
dentro’?
Minha impressão é de que, com
o Sínodo dos Bispos ora em curso, a diversidade
das Igrejas locais – com seu contexto, desafios e iniciativas concretas – está
sendo reconduzida à uniformidade romana. Os problemas do mundo rico são
considerados problemas de todo o mundo. Os medos de uma Igreja que é questionada
ou considerada irrelevante, que murcha e se fecha defensivamente apegando-se a
picuinhas doutrinais e apologias ultrapassadas, são simplesmente tomados como
se fosse a situação da Igreja como um todo.
Ora, isso significa o
sepultamento definitivo, com pompas e circunstâncias, da novidade do Concílio Vaticano II. Nele a Igreja afirmou
a legitimidade das Igrejas locais, fez as contas com o mundo, abriu-se ao
Espírito que atua e fala mediante os sinais dos tempos, acolheu com boa vontade
seus progressos, ousou o diálogo e assumiu o desafio de fazer-se presente nele,
testemunhando e anunciando de forma serena e convicta o Evangelho de Jesus
Cristo.
Esse sequestro semântico da nova evangelização significa também o
cínico e mortal esquecimento dos gritos dos pobres e da criação inteira. Como o
sacerdote e o levita da conhecida parábola (cf. Lc 10,25-37), salvo honrosas
exceções, os homens da hierarquia desviam o olhar e os passos dos filhos e
filhas de Deus assaltados e abandonados à beira da estrada. Para aqueles, as margens das estradas e os porões do mundo não existem, e a questão
do sentido da vida e da ortodoxia da fé são absolutamente prioritárias.
Professar corretamente a fé é preciso, viver não é preciso.
Espero sincera e ansiosamente
que minhas sombrias percepções sejam desmentidas. E rezo para que os clamores
do Espírito encontrem ouvidos abertos e corações de carne. Ou a Igreja perderá
definitivamente o trem da história, com o consequente abandono das vítimas e
uma mutilação irremediável do Evangelho.
Itacir msf
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