Você acredita que um outro mundo seja possível e
necessário?
Há 20 anos atrás, o Fórum Social Mundial emergia como um
grito visceralmente evangélico: ‘Um outro mundo é possível’. E, desde então, o
mundo não é mais o mesmo! As vozes e as mãos que anunciam e tecem alternativas
se uniram, e o ‘mundo de Davos’, a contragosto, reconheceu que outras coisas
estavam querendo nascer. Esta espécie de laboratório de alternativas é como um
eco daquilo que aconteceu na Galileia, dois mil anos atrás. As palavras são
outras, mas a perspectiva é a mesma: “O Reino de Deus está próximo! Convertam-se
e acreditem nessa Boa Notícia!”
Esta é a primeira
palavra que sai da boca de Jesus, o anúncio que resume sua pessoa e sua missão.
Ao recorrer a estas palavras, Jesus está ciente da força que elas têm no
imaginário do seu povo. Com o conceito “Reino de Deus”, os profetas anunciavam
o início de um novo céu e uma nova terra, o começo de uma nova sociedade, na
qual idosos e crianças, trabalhadores do campo e da cidade, teriam lugar e
seriam tratados como gente (cf. Is 65,17-25; Zc 8,1-23).
O Reino de Deus era
uma louca esperança que os profetas se encarregavam de manter viva. Nos tempos
de êxito e de fracasso político-institucional de Israel essa esperança é sufocada
pela ânsia de poder ou desmentida pela dura realidade. Mas sua semente é sempre
cuidadosamente guardada e cultivada pelos pobres de Deus e seus aliados/as,
pelas pessoas que esperam o ‘Dia do Senhor’. Na boca de Jesus, o Reino de Deus
tem duas novidades: ele desloca o tempo do futuro para o presente; e todas as
pessoas são protagonistas. Para Jesus, o tempo de espera terminou, o Reino está
próximo e depende de nossa resposta.
Mesmo assegurando que
o reino é de Deus, Jesus não atribui
sua realização exclusivamente a Deus ou a si mesmo. Jesus tem um papel de proeminente,
mas também associa a si outros homens e. O Reino é tanto mais de Deus quanto
mais tiver como protagonistas homens e mulheres comuns, livres e libertadores/as,
despojados/as e solidários/as. É na promoção e confirmação da dignidade dos
outros que as pessoas se tornam livres e que Deus reina. É por isso que, depois
de fazer ressoar seu anúncio e de pedir o engajamento dos seus ouvintes, Jesus
chama os primeiros discípulos. Ele não é um sonhador utópico mas solitário!
O pré-requisito do
chamado para se engajar na caravana do Reino de Deus é a conversão, a ruptura
com a mentalidade segundo a qual o mundo não tem jeito, a sempre existirá, a fé
não tem nada a ver com a política, e assim por diante. Para acreditar que um
outro mundo é possível, é necessário mudar os esquemas mentais, converter-se.
Acolher o Reino de Deus e entrar na sua lógica é uma decisão que exige que
superemos a busca obsessiva da segurança. Por mais humilde e suspeito que
fosse, o ofício de pescador oferecia uma certa segurança econômica, e os
discípulos tiveram que começar rompendo com isso.
Jesus vê Simão, André,
Tiago e João à beira do mar e os convida a caminhar com ele, a ser discípulos e
aprendizes. Mas, para isso, eles precisam romper também com a segurança social
representada pela família. Deixando o pai, eles rompem com um modelo de família
centrado na figura masculina e se abrem a novas relações, menos piramidais e
mais igualitárias. Rompendo com a ordem dominante, os discípulos entram na
escola de Jesus e começam a assimilar um novo pensar e um novo agir.
Aceitar o convite e
seguir Jesus é uma decisão tão inteligente quanto exigente. Inteligente, porque
supõe discernimento sobre o caminho da realização pessoal e da libertação
social. Exigente, porque implica em deixar o cômodo mundo privado e seus
interesses estreitos e arriscar-se no tenso e disputado espaço público, tomando
partido em favor das vítimas dos sistemas e, quando necessário, contra os
poderosos e seus aliados. É isso que significa originalmente a surpreendente
expressão “pescadores de homens”. Na linguagem profética, a pesca é o
julgamento de Deus contra os poderosos! (cf. Jr 16,16-18; Ez 29,1-16; Am 4,1-3)
Deus pai e mãe, fonte e destino de todos os nossos
sonhos! Ajuda-nos a perceber com alegria que tudo cambia, e que um outro mundo
está nascendo nas mil ações dos discípulos e discípulas do teu Filho. Abre e
cura nossos ouvidos, para que escutemos e acolhamos a Boa Notícia da
proximidade do teu Reino. Envia sobre nós o teu Espírito, para que ele mude
nossos rígidos e medrosos sistemas mentais e force a ruptura com as amarras que
reciclam os poderes moribundos. E faz da tua Igreja uma comunidade de
pescadores de gente, servidores do teu juízo crítico e libertador sobre os
sistemas deste mundo. Assim seja! Amém!
Itacir Brassiani ms
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