A Europa canibal
Os escravos subiam nos barcos tremendo. Achavam que
iam ser comidos. Não estavam tão enganados assim. Afinal, o tráfico negreiro
foi a boca que devorou a África.
Desde antes, os reis africanos já tinham escravos e
lutavam entre si, mas a captura e a venda de gente se transformou no centro da
economia, e de todo o resto, a partir do momento em que os reis europeus
descobriram o negócio. A partir daí, a sangria de jovens esvaziou a África
negra e selou o seu destino.
Malí é atualmente um dos países mais pobres do mundo.
No século XVI, era um reino opulento e culto. A Universidade de Tombuctu tinha
vinte e cinco mil estudantes.
Quando o sultão do Marrocos invadiu Malí, não
encontrou o ouro que buscava, porque pouco ouro amarelo tinha sobrado, mas
vendeu o ouro negro aos traficantes europeus, e ganhou muito mais: seus
prisioneiros de guerra, entre os quais havia médicos, juristas, escritores,
músicos e escultores, foram escravizados e tomaram o rumo das plantações da
América.
A máquina escravagista exigia braços e a caça aos braços
exigia guerras. A economia guerreira dos reinos africanos passou a depender
mais e mais de tudo o que viesse de fora.
Um guia comercial publicado na Holanda, em 1655,
enumerava as armas mais cobiçadas na costa da África, e também as melhores
oferendas para agradar àqueles reis de fantasia. O gim era muito valorizado, e
um punhado de cristais de Murano era o preço de sete homens...
(Eduardo Galeano, Espelhos, L&PM, 2010, p. 149-150)
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