O Pe. Ceolin no caminho de
Emaús
Ao oferecer
aos coirmãos algumas sugestões para a missa das próprias exéquias, o Pe. Ceolin
pediu que fosse proclamado o trecho do Evangelho que conta a experiência dos
discípulos no caminho de Emaús (Lc 24,13-35). Como sabemos, neste trecho o
evangelista nos conta alguns aspectos
profunda da crise dos discípulos diante do aparente fracasso da missão de
Jesus, que acabou abandonado e crucificado, e da descoberta lenta e exigente de
uma outra dimensão da sua vida e da sua proposta.
Tendo
sido convidado a guiar a homilia na missa das exéquias do mestre e amigo tão
querido, perguntava-me, e não apenas retoricamente: o que a experiência dos discípulos de Emaús teria a ver com a
trajetória da vida do Pe. Ceolin? E a resposta veio-me claramente: a
experiência das crises profundas e doloridas (existenciais, afetivas,
espirituais) que ele enfrentou em diversos momentos da sua caminhada. Mas não é
só isso: também a experiência agradecida pelas muitas pessoas que se
aproximaram dele, caminharam com ele, fizeram as perguntas certas, abriram
portas e purificaram o olhar.
Hoje, há
dois meses e meio do seu falecimento, dou-me conta de que talvez a experiência
comum ao Pe. Ceolin e aos discípulos de Emaús seja também aquela de ser peregrino. Sai em peregrinação e se
mantém nela somente quem sente falta
de algo ou de alguém, quem toma consciência dos próprios limites, quem sabe que
ainda está muito aquém da meta que se propôs. Ganha a estrada somente a pessoa
que tem sede, que busca algo ou alguém, mesmo que não
saiba dar nome ao objeto e ao termo dessa busca. Sai em peregrinação quem
descobriu que nenhuma pátria é sua pátria, que nenhuma casa pode abrigar e
realizar totalmente seus sonhos.
Desenvolve
a atitude de peregrino também a pessoa que, com os olhos fixos no ideal que
traçou, toma distância dos lugares comuns, não se contenta com as coisas mais
fáceis, quer evitar a mediocridade. É a isso o Ceolin se refere nas suas notas para
uma auto-biografia, falando do período inicial da sua formação: diz que tomou
distância dos “colegas lerdos para se disporem ao trabalho extra, quando
solicitados”, daqueles “que buscam o mais fácil e prazeroso”, dos “briguentos e
critiquentos”, dos que “fazem experiências contra os votos.” Tomar distância é colocar-se a caminho,
peregrinar...
Mas
verdadeiro peregrino chega a ser somente a pessoa que abre mão das certezas, por decisão voluntária ou por força das
crises. E para o Pe. Ceolin as crises começaram já no período do juniorado, com
aquilo que ele mesmo denominou “dúvidas e incertezas vocacionais”, e se
prolongou e agravou com a crise vocacional dos anos ’70, e sucessivas. E foi
neste período que o nosso amigo descobriu peregrinos não tão forasteiros, que
se aproximaram e se fizeram companheiros de caminhada e de busca.
Entre
estes companheiros de viagem e mestres da maiêutica, o primeiro e mais
importantes foi o Pe. Luís Weber.
Muitos ainda lembramos com que gratidão e reverência o Ceolin citava o nome
dele e ressaltava sua sabedoria na orientação. Mas tem mais gente nessa
estrada. Além do Pe. Otávio Ritter, quantas
mulheres, religiosas ou não, se fizeram companheiras exigentes e iluminadoras
nesta peregrinação em busca de si mesmo e da essência do Evangelho de Jesus
Cristo? Não é absolutamente verdade que a presença feminina foi apenas
desestabilizadora na vida do nosso amigo e mestre. No final da vida
(05.06.2013), ele registrava na sua agenda pessoal: “Ir. Gislena Ziliotto me
visita, representando a presença feminina amiga na minha história.”
Mas, como
no episódio dos discípulos na tarde da páscoa, os/as compenheiros/as de estrada
são importantes para fazer as perguntas certas e forçar a abertura das portas
hermeticamente fechadas e dos olhares obscurecidos, mas depois desaparecem, e a responsabilidade deve ser assumida pelo
próprio peregrino. E é aqui que se revela um dos aspectos mais
interessantes do testemunho de vida do Ceolin: sua constante busca de cultivo e
formação (pessoal e grupal; psíquico, intelectual e espiritual).
O que fazer para aprender a conduzir-se a si mesmo? Nos
breves apontamentos para a auto-biografia que nos deixou, o Pe. Ceolin sublinha
que sempre considerou e viveu a
eucaristia como fonte de vida, mormente nas fases críticas que atravessou.
Resgatar a experiência de aliança e dinamizar a força do dom de si mesmo foram
os princípios que o guiaram. Mas esses princípios se tornaram vida e adquiriram
consistência especialmente mediante cursos, encontros e seminários que ele
buscou e dos quais usufruiu largamente (segundo suas anotações): retiro de 30
dias; CERNE e outras ofertas da Conferência dos Religiosos; Criatividade (MCC);
Personalidade e relações humanas (PRH); Pascoalização, diversos grupos de
partilha de vida e de cultivo. Estas iniciativas, e especialmente as pessoas
que nelas encontrou, foram mediações da
aproximação e da companhia de Jesus nos seus períodos de crise, e o
ajudaram e reencantar o olhar e reencontrar o rumo perdido. Inclusive na última
crise, esta da doença que o levou à morte.
Nisso, o
discípulo não chegou a superar o mestre, mas se aproximou muito ele. Sempre
atento aos próprios movimentos interiores e incansável no caminho do seguimento
de Jesus Cristo, que foi também o caminho
que o levou a ser artífice de si mesmo, o Pe. Ceolin se tornou um guia maduro,
humano, seguro e apreciado, companheiro de tantos/as na travessia das fases
críticas, tanto na formação inicialo como na formação permanente. Suas
perguntas certeiras, suas sugestões discretas, mas também suas provocações
firmes ajudaram muita gente a não optar pela via aparentemente mais fácil, mas
também menos coerente com o ser profundo. E isso sempre respeitando a liberdade
de cada um, sem nunca tomar o lugar do próprio caminhante ou decidir por ele.
Itacir Brassiani msf
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