A palavra de Deus nos
faz atentos/as à história.
(Am 8,4-7; Sl 112/113; 1Tm 2,1-8; Lc
16,1-13)
O mundo vive um momento de muita
apreensão. Por um lado, não podemos
fazer-nos indiferentes à guerra civil que ceifa vidas na Síria. Por outro,
potências ocidentais se mostram ávidas de sangue, ou melhor, não querem perder
a oportunidade de vender armas e repartir os despojos, digo, as riquezas
naturais do Oriente Médio. Que luzes a Palavra de Deus pode lançar sobre essa
situação, que rumos pode indicar? A exortação Verbum Domini diz que “a Palavra de Deus torna-nos atentos à
história e a tudo o que de novo germina nela”, e recorda nosso compromisso e nossa
responsabilidade com a justiça e paz no mundo (n° 105; 99). Mas a Palavra
de Deus não é simplesmente uma palavra a mais em meio a tantas outras, e
sim o sentido profundo e transcendente de todos os anseios e palavras
verdadeiramente humanas. A Palavra de Deus está encarnada nas palavras humanas,
assim como a ação de Deus se conjuga com a ação humana que cria comunhão e
promove a liberdade.
“Quando passará a lua nova, para vendermos bem a
mercadoria?”
Vivemos numa sociedade da simulação
e da consumo. Tudo é regido pela lei do mercado, tudo existe para ser consumido
e substituído o mais rapidamente possível. O
consumo é a alma deste mundo sem coração e a mina de onde é extraído o ouro da
riqueza de poucos à custa da ruína de muitos. E esta tentação seduz até a
religião, a cultura e a política. Todos esperam impacientes o momento oportuno
para alterar as regras e dominar os pobres com dinheiro e os humildes com
promessas e bênçãos...
Que lugar têm os pobres e que
sentido tem a vida deles nesta sociedade? Nenhum! Até pouco tempo eles serviam
como combustível humano para mover as máquinas e processos industriais, como mercadoria
humana no mercado onde se comercializava a mão de obra. Agora, a automação
tomou o lugar deles, com custo menor e sem o incômodo dos olhares famintos ou das
greves desestabilizadoras. Os pobres não
servem mais nem como consumidores, pois um só consumidor rico vale por noventa
e nove consumidores miseráveis. Neste contexto, como promover a justiça, a
reconciliação e a paz?
“Um homem rico tinha um administrador que foi acusado
de esbanjar seus bens.”
Como iluminar esta realidade com a
luz da Palavra de Deus? A parábola que Jesus apresenta hoje aos discípulos é
muito complexa, mas pode nos ajudar. Temos ainda bem presentes na memória e no
coração as parábolas que Jesus nos propôs no último domingo como defesa da sua
prática solidária com os pobres e excluídos. Como esquecer a figura daquele pai
que esbanja atenção, dinheiro e compaixão na festa de acolhida do filho que
chegara a disputar a ração dada aos porcos?
A parábola de hoje coloca em
evidência um protagonista muito diferente: um administrador acusado de esbanjar
os bens que não lhe pertencem e, por isso, está ameaçado de demissão. Ciente de
que não está preparado para outro trabalho e recusando-se a pedir esmolas, ele
age com esperteza e rapidez: altera o
montante da conta em favor de alguns devedores, prejudicando mais ainda seu
patrão. Com isso, espera que no futuro os devedores por ele beneficiados
retribuam solidariamente sua bondade.
O que surpreende e desconcerta é que
a esperteza do administrador recebe um elogio explícito do patrão (e do próprio
Jesus). Há quem explique o elogio a esta ação aparentemente imoral levantando a
hipótese de que o desconto de 50 e 20% corresponde aos juros iníquos cobrados
pelo credor ou à comissão à qual o administrador teria direito. Seria isso
mesmo? Ou Jesus estaria propondo outra
mensagem, semelhante àquela do pai que gasta sem critérios para acolher e
restabelecer a dignidade do filho que havia descido involuntariamente ao
inferno social?
“Usai o dinheiro injusto para fazer amigos...”
A questão fundamental que Jesus nos apresenta
com esta parábola é: como usar de forma evangelicamente correta os bens, as
honras e o prestígio? A palavra clara e corajosa de Amós traz à luz do dia as
práticas de acúmulo que os ricos de todos os tempos tentam esconder nas sombras
da noite ou nas franjas de uma hipocrisia deslavada. Mas Jesus também deixa
claro que somos apenas administradores de bens que não nos pertencem e que,
frente ao bem maior do Reino de Deus, o dinheiro é coisa de pouco valor e
radicalmente injusta.
O administrador aparentemente
desonesto é elogiado porque evita ser
amigo do dinheiro (como os fariseus) e se mostra amigo das pessoas, não daquelas que contabilizam créditos, mas das
que são devedoras insolventes. Com ele nós aprendemos que o dinheiro que passa pelas nossas mãos, bolsas e contas não nos
pertence e precisa ser usado corretamente: para construir solidariedade, para
beneficiar a pessoa humana, todas as
pessoas, começando pelas mais necessitadas. A ação do administrador é
claramente oposta àquilo que fazem os comerciantes denunciados pelo profeta
Amós.
Aquilo que, ù primeira vista, parece esbanjamento e desonestidade é pura
sabedoria evangélica.
Precisamos desenvolver nossas responsabilidades no mundo da economia –
produção, administração, distribuição e consumo de bens – com critérios
evangélicos. E o critério fundamental é
este: ou os bens estão a serviço de
uma convivência humana, sadia e solidária, ou não servem pra nada. E desviar
para os bens econômicos o amor e o afeto que devemos às pessoas é uma loucura
que compromete nossa felicidade pessoal e destrói os laços sociais. Só o uso solidário pode lavar o dinheiro
sujo!
“Vós não podeis servir a Deus e ao dinheiro.”
Precisamos fazer a escolha certa no
tempo certo. O momento presente é decisivo em nossa vida. O passado se foi, o
futuro ainda está para chegar, mas o presente urge e solicita nossa intervenção
sábia. Existem cristãos que construíram sua moradia no passado, e dela não saem
para nada. E outros se refugiam no futuro, onde vivem num mundo de fantasia. E
quando este futuro é chamado de “vida eterna” e revestido com esfarrapadas
roupas de piedade, a mudança é quase impossível. Mas é enquanto estamos
constituídos administradores/as desse mundo que devemos tomar a decisão
correta.
O uso esperto e sábio dos bens econômicos
é que nos habilita a administrar o bem verdadeiro, o Reino de Deus. A fé tem a
ver também com a economia! É o uso
solidário dos bens em favor dos necessitados a chave que nos abrirá as portas
das moradas eternas. “Estive com fome e me destes de comer...” Esta é a
lição que Jesus dá aos cristãos e à Igreja. É inaceitável que uma instituição
que se legitima unicamente como administradora do Reino de Deus imponha fardos
aos mais pobres, beneficie os poderosos, exclua e criminalize aqueles/as que
não podem seguir estreitas regras morais, nem sempre evangélicas, enquanto que
Paulo nos lembra que Deus quer que todos se salvem!...
O tempo é breve e os bens não nos pertencem! O próprio Jesus veio ao mundo como
herdeiro e administrador das coisas do Pai, e não fez outra coisa que diminuir
e cancelar os débitos das pessoas que os sistemas sempre criminalizaram. Ele esbanjou os bens do Pai, inclusive a
própria vida, para fazer amigos/as entre os últimos! Ele não teve receio de
comprometer a honra, o nome e a própria fé para fazer amigos/as. Mas a maioria
das igrejas dá a impressão de que foram enviadas para aumentar estas contas ou
cobrar comissão para renegociá-las... Em vez de fazer amigos/as, criar vínculos
e construir espaços de liberdade, elas engordam suas contas bancárias e
aumentam o próprio poder...
“E o senhor elogiou o administrador desonesto, porque
ele agiu com esperteza.”
É impossível amar Deus e viver em
nome Jesus Cristo e, ao mesmo tempo, dobrar os joelhos diante da riqueza, do
poder e do prestígio. Ninguém pode adiar impunemente a necessidade de decidir
entre servir a Deus e servir ao dinheiro. A Palavra de Deus é penetrante como
uma faca de fio duplo: vai até a medula e separa o que é bom e o que é ruim.
Tomemos como orientação e guardemos estas palavras santas no coração, mesmo
quando são duras, como as do profeta Amós. Precisamos aprender de Jesus o que
significa ser esperto e sábio.
Senhor, tua Palavra é santa e caminho para a sabedoria. Queremos
guardá-la e pô-la em prática em todas as circunstâncias da nossa vida. Ensina-nos
a contar adequadamente o tempo e avaliar corretamente o valor das coisas. Concede-nos
a coragem de desmascarar os males que nos são propostos em belas e sedutoras
embalagens. Confirma-nos no serviço a ti, único e supremo bem, e no serviço
àqueles/as que são excluídos/as da mesa de todos e recebem apenas as migalhas
que sobram. Ajuda-nos a gastar tudo o que temos para fazer amigos/as e
irmãos/ãs, levantando o indigente da poeira, retirando os pobres do lixo e
fazendo-os sentar entre os nobres do teu povo. Assim seja! Amém!
Pe. Itacir Brassiani msf
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