Formar missionários na escola de Nazaré
No dia 27 de setembro de 1895 chegava à pequena cidade de Grave (Holanda), vindo
das montanhas onde cinquenta anos antes a mãe de Jesus havia aparecido a duas
crianças analfabetas e bóias-frias, um velho missionário francês. Com 55 anos
de idade e uma saúde historicamente frágil, o Pe. João Berthier, Missionário
Salettino, chegava à sua nova pátria com uma pequena maleta, poucas coisas nas
mãos e um grande desejo no coração: evitar que as vocações missionárias pobres
e com idade acima do limite estabelecido pela Igreja se perdessem,
oferecendo-lhes uma formação inspirada na Sagrada Família de Nazaré.
O velho quartel, hoje transformado em prédio de apartamentos |
Numa visita anterior à
cidade o ardoroso missionário, em cuja alma estavam gravadas e pulsavam as
palavras que Maria dissera ao se despedir das duas crianças, no dia 19 de
setembro de 1846 (“anunciem isso a todo o meu povo!”), havia escolhido a dedo a
tenda que abrigaria seu sonho: um casarão abandonado, que, num passado já
distante, havia abrigado tropas militares e, posteriormente, era usado como abrigo
para o gado no duro inverno holandês. Aquele velho quartel abandonado lembrava
a gruta/estábulo de Belém... Assim começava a história dos Missionários da
Sagrada Família...
Os primeiros jovens e
adultos que chegaram, vindos de diversos países da velha e tumultuada Europa, tiveram
que botar as mãos na massa e preparar eles mesmoas a casa que os acolheria. Alguns
se assustaram com a miserabilidade do prédio, deram meia-volta e desapareceram.
Outros não permaneceram senão alguns meses. Alguns anos mais tarde, refletindo
com os primeiros missionários e os jovens candidatos a frustração de alguns, o ousado
Fundador dizia, com radicalidade e humor:
“Quando ocorre que chegam à noite, não há problema, mas no dia seguinte,
quando observam as paredes, não escondem a decepção. E tais pessoas pretendem
ser missionários! Que tipo de missionários?! Serão capazes de sacrifício quando
deverão anunciar o Evangelho aos infiéis, inclusive ao preço da própria vida?
São pessoas a propósito das quais meus antigos professores diziam que, quando
chegam, devemos rezar um “Vem Espírito Santo”, e, quando partem, devemos rezar
um “Te Deum”. (28.03.1906)
Ele levava a sério
alguns aspectos vividos pela Sagrada Família de Nazaré. “Trata-se
de compreender que é necessário se esforçar para assmilar o espírito da Sagrada
Família, pois aqui temos alguns que não compreendem as graças que o bom Deus
lhes oferece nessa Casa. Alguns pensam que a casa não apresenta nenhuma beleza,
e se permitem até de julgar ou criticar nosso estilo de vida. (...) Eu
pergunto: vocês vieram aqui por causa da casa? (...) Se vocês não buscassem
senão o bom Deus, teriam dito: “Nós procuramos um estilo de vida laboriosa,
pois eu escutei nosso Senhor dizer ‘Se queres seguir-me...’” (12.01.1905)
Pouco mais de dois
anos antes da sua morte, num momento de formação, o Pe. Berthier insistia na
originalidade do estilo de vida que estava propondo, e desafiava os aspirantes
e junioristas: “Se os outros religiosos
constróem grandes casas e belas capelas, se as enfeitam com belos ornamentos,
se se permitem certas coisas, nós não os condenamos. Mas como somos chamados a
imitar a Sagrada Família, não podemos imitá-los nisso. Portanto, que este tipo
de coisa desapareça da nossa casa. Quem ama sua vocação e quiser conservá-la
deve se formar e se deixar formar no espírito desta Casa. Quem não quiser
assumir isso como meta da sua vida, deveria fazer as malas e deixar de ser um
estranho no ninho.” (09.02.1906)
Cemitério onde jazem, em Grave, alguns dos primeiros MSF |
Não se tratava de
moralismo ou pauperismo anti-modernista, mas de espiritualidade e de evnagelho.
No dia 28 de março de 1906, Berthier dizia com convicção: “Quando alguém deseja ser religioso e missionário, deve ser generoso e
não se preocupar se as paredes são bem decoradas ou não. Isso faz mal aos
filhos da Sagrada Família, a quem tem por modelo Jesus, Maria e José. Pois
sabemos que eles passaram a vida numa pobre casa em Nazaré, e viveram na
pobreza e no trabalho.” E concluía convidando a pedir a São José que os
ajudasse a assimilar o espírito desta vocação e que afastasse aqueles que resistiam
a deixar-se formar sob esse celeste modelo.
Mais de cem anos se
passarem e os tempos mudaram. Mudou também o Evangelho? Celebrando o
aniversário de nascimento da nossa pequena Congregação missionária, meditemos
nesse pedido do Fundador, expresso um ano antes da sua morte: “Oxalá aqueles que mais tarde serão
responsáveis pelas demais Comunidades evitem fazer gastos inúteis, como com a
decoração e embelezamento de uma casa e outras futilidades. Que em nossas casas
todos vivam modestamente, no espírito da Sagrada Família. Não nos preocupemos
com a beleza exterior nem mesmo das nossas capelas, pois se estamos sentados
sob uma tenda e sobre um banco, sempre estamos diante do Senhor” (29.10.1907).
Itacir
Brassiani msf
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