“Cem mil com o Papa contra a guerra”
Terminei
a minha crônica de ontem sobre a Vigília
pela Paz, realizada em Roma, com uma referência um pouco cáustica à minha
Igreja. Este é o meu pensamento, e não pretendo renegá-lo, mas quero hoje tomar
distância e ampliar o que escrevi ontem. E começo corrigindo uma informação:
não foram cinquenta mil, mas cem mil os participantes da vigília na Praça de
São Pedro. E as repercussões foram impressionantes.
Tomo, a
título de exemplo, o Jornal La República,
de tendência reconhecidamente esquerdista e marxista. A foto mais destacada da
capa da edição de hoje se refere à Vigília, acompanhada do título: “Cem mil com
o Papa contra a guerra”. E depois, a edição dominical dedica três amplas
páginas ao evento, com notícias e artigos muito elogiosos. Eis os títulos: “A
guerra traz somente morte: o grito do Papa Francisco diante de cem mil na Praça
São Pedro.” “Do jejum dos VIP’s à vigília na praça: a noite branca dos
pacifistas sem bandeiras.” “Benvindos ao G-20 do Pontífice: único líder num
mundo dos poderosos.”
O
articulista Vittorio Zucconi começa seu artigo afirmando: “Era necessário um
Papa vindo das Américas para dar uma lição à América. Era necessário um filho de uma cultura e de um continente
diverso, não enraizado numa Europa cansada, um homem com o senso inato e
instintivo do apequenamento de um mundo sem tempestades locais e hegemonias
indiscutíveis. Era necessário um homem assim para fazer aquilo que os poderosos
da terra, no seu sempre mais irrelevante festival de vaidades, como é o G-20,
não conseguem fazer: encontrar uma voz capaz de atravessar os oceanos de água e
de rancor. E que mereça ser escutada.”
Depois de
citar algumas frases pronunciadas pelo Papa durante a vigília (“Não à guerra.
Nunca mais a v iolência e o confronto!”), Paulo Rodari ajunta: “Palavras que
chamam todos a assumar sua própria responsabilidade, que não querem de modo
nenhum parecer pró-Assad. A sua é uma condenação sem “se” e sem “mas” de toda e
qualquer guerra, na qual Caim renasce e revive.”
O que
chama a atenção é que o chamamento ao jejum encontrou eco até em alguns
personagens VIP’s bem conhecidos do mundo italiano. O prêmio nobel de
literatura Dario Fo, o cantor Gianni Morandi, a presidente da Câmara dos
Deputados Laura Boldrini e o treinador da seleção italiana de futebol César
Prandelli foram alguns dos muitos que aderiram ao jejum sugerido pelo Papa
Francisco.
Confesso
que, participando de parte da Vigília, me tocou profundamente o clima de
respeito, silêncio e oração durante as quatro horas de duração. Como é possível
levar uma massa de cem mil pessoas a manter períodos de absoluto silêncio, que
se estendiam por mais de dez minutos?! E como é possível reunir sob um mesmo
objetivo, cristãos católicos e evangélicos, judeus e muçulmanos, e muitos
homens e mulheres sem identificação religiosa?
Em
Damasco, capital da Síria, também foi realizada, na mesquita dos Omayyadi, uma celebração de jejum e oração. O encontro
foi presidido pelo Grande Mufti da Síria, Ahmad Badreddin Hassou, líder espiritual do islamismo sunita.
Participaram do evento líderes das correntes islâmicas sunita, xiita, alawita,
e ismaelitas, e também líderes de outras religiões, como judaísmo e
cristianismo. Neste templo que guarda relíquias de São João Batista e é ponto
de peregrinação de cristãos e muçulmanos, os promotores quiseram se unir à
oração convocada pelo Papa Francisco em Roma...
Para o
bem da verdade, devemos dizer que o argentino Papa Francisco não foi o único
líder mundial a levantar a voz contra a irracionalidade da guerra que está
sendo armada. Também Adolfo Perez Esquivel, outro argentino e prêmio Nobel da
Paz, soltou o verbo, escrevendo uma carta dura e profética a Barak Obama. Parece
que para os poderosos, a guerra continua sendo ouro. Mas a paz vem sendo
gritada e reivindicada por dois homens que vêm do Prata...
Itacir Brassiani msf
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