CARTA DO PRIMEIRO ENCONTRO DA IGREJA CATÓLICA NA AMAZÔNIA LEGAL
“Não ardia o nosso coração quando ele nos falava pelo
caminho,
quando nos explicava as Escrituras!” (Lc 24,32)
Irmãs e irmãos,
Reunidos
no Primeiro Encontro da Igreja Católica
na Amazônia Legal, em Manaus, entre os dias 28 e 31 de outubro de 2013,
nós, bispos, presbíteros, religiosas e religiosos, agentes de pastoral leigas e
leigos, queremos partilhar com vocês as reflexões e análises sobre a situação
atual da nossa região e as respostas que, como pastores, pretendemos dar aos desafios
de nossos tempos.
Agradecemos
a Deus pelas maravilhas que operou entre nós e nossos irmãos e irmãs que, por
um compromisso profético, testemunharam sua fé, muitas vezes até às últimas
consequências (cf. Jo 13,1), dispostos a “dar não somente o Evangelho, mas até
a própria vida” (1 Tes 2,8).
Ao nos
prepararmos para celebrar os 400 anos do início da evangelização na Amazônia, assumimos a missão que o Senhor nos
propõe, de sermos suas testemunhas, discípulas/os, missionárias/os de sua
Palavra, pois a Igreja é “enviada por Cristo a manifestar e a comunicar o amor de Deus a
todos os homens e mulheres e a todos os povos” (AG 10).
“Cristo aponta para a amazônia” (Paulo
VI): Memória da caminhada.
Mesmo
antes da criação da Amazônia Legal em
1953, a Igreja católica na Amazônia se reunia através dos seus bispos para
posicionar-se pastoralmente diante dos problemas sofridos pelos povos desta
região e enfrentar os grandes desafios que se anunciavam, pelas intervenções
políticas e econômicas.
“Se o governo vai tentar o soerguimento econômico destas regiões,
é urgente que um largo surto espiritual se antecipe aos progressos
materiais, e os acompanhe, e os envolva, dando-lhes rumo seguro e feliz”.
(1º
Encontro inter-regional dos Bispos da Amazônia, Manaus 2-6 de julho de 1952).
Apesar
de não ter todas as condições necessárias, seja pela precariedade de
instalações e meios, seja pela falta de pessoal qualificado para enfrentar os
novos problemas, a Igreja amazônica nunca
desanimou de sua missão. Sempre contou com missionárias e missionários
vindos de outras regiões do Brasil e do mundo que, vivendo a mística do amor e
do serviço, deram tudo de si para que povos da Amazônia não só recebessem uma
orientação adequada para sua vivência de fé, mas tivessem respeitados seus
direitos, sua dignidade e plena cidadania, suas tradições e culturas.
“Em nossas prelazias e dioceses existem sinais de alegria e esperança,
próprias de uma Igreja que, mesmo tendo muitas dificuldades,está viva e
responde com coragem aos desafios que se lhe apresentam.”
(Discípulos
missionários na Amazônia, Manaus, 11-13 de setembro de 2007).
Ao
longo de seis décadas, desde o primeiro encontro dos bispos em Manaus, a Igreja
tem demonstrado sua vitalidade e posicionamento profético e solidário. Em
Santarém 1972, decidiu basear sua ação pastoral e evangelizadora em duas
diretrizes: (1) a Encarnação na
realidade, pelo conhecimento e pela convivência, na simplicidade, e (2) a
Evangelização Libertadora. Armou sua tenda no meio do povo de tal modo que
apareceu um rosto eclesial bem amazônico na diversidade sociocultural, na
defesa do lar que Deus criou para toda a humanidade e na promoção da Vida em
todas as suas dimensões, sobretudo quando é ameaçada pelos impactos causados
por um equivocado conceito de progresso que confunde desenvolvimento com
crescimento meramente econômico, multiplicação de riqueza material, incremento
do PIB, expansão do agronegócio, aumento de produção de biocombustíveis,
descuidando-se, porém de políticas públicas e deixando de promover a justiça e
o bem-estar de todos e para todos.
A
Igreja na Amazônia adotou e incorporou as novas orientações eclesiológicas e
pastorais vindas do Concílio Vaticano II, de Medellín e Puebla, Santo Domingo e
Aparecida e buscou evangelizar a partir de uma visão mais ampla e profunda da
vida e da realidade amazônicas. Assumiu a mística e espiritualidade do
seguimento de Jesus Cristo, uma pastoral e uma missionariedade dentro da
realidade local. Centenas de milhares de irmãs e irmãos leigos, religiosas e
religiosos, presbíteros e bispos embrenharam-se nas matas, navegaram rio
abaixo, rio acima, viajaram pelas estradas desse mundo desigual, levando a
Palavra de Deus, fundando e organizando as comunidades eclesiais, vivas e
participativas, proféticas e missionárias, numa grande rede de solidariedade
que as fez enfrentar as precariedades existenciais, manter viva a chama de sua
fé e sua esperança, e valorizar sobretudo sua religiosidade popular expressada
nas festas religiosas, em novenas e procissões.
“E porque progredimos na compreensão de
sermos uma Igreja no mundo, amando o mundo amazônico, temos a certeza que
estamos dando à sociedade amazônica nossa contribuição histórica de alta
qualidade para o resgate das dívidas sociais tão pesadas neste Norte do Brasil.”
(A
Igreja arma sua tenda na Amazônia, Manaus, 9-18 de setembro de 1997)
Esta
ação evangelizadora favoreceu o crescimento de uma Igreja mais local, ministerial, laical e missionária. Ao
celebrar os 40 anos desde o Documento de Santarém, a Igreja na Amazônia
manifesta a continuidade de sua caminhada como discípula missionária do Reino e
enfrenta corajosamente velhos e novos desafios:
“Diante dos desafios sociais, políticos, econômicos, culturais,
religiosos e eclesiais da realidade amazônica, decidimos fortalecer o
compromisso profético de transformação e reafirmar o projeto de formação
inspirado na espiritualidade do seguimento de Jesus, que convoca a Igreja para
uma profunda conversão pastoral.”
( Conclusões
de Santarém: memória e compromisso, 2012)
As
palavras do Papa Francisco aos Bispos do Brasil por ocasião da Jornada Mundial da Juventude dão-nos
novo impulso para refletirmos sobre a realidade política e religiosa da
Amazônia Legal e promover e defender a vida dos habitantes dessa região e de
sua rica biodiversidade. Cala fundo em nosso coração a expressão do Papa
Francisco de que a Amazônia é “teste
decisivo, banco de prova para a Igreja e a sociedade brasileiras”. Essas
palavras incentivam-nos a retomar as intuições de Santarém 1972 e Manaus 1974 e
dar-nos conta da atualidade das prioridades de então: formação de agentes de
pastoral – comunidades cristãs de base – pastoral indígena – grandes projetos –
juventude.
(continua...)
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