quinta-feira, 14 de novembro de 2013

33° Domingo do Tempo Comum

Como construir o Reino de Deus em tempos difíceis?
(Ml 3,19-20; Sl 97/98; 2Tes 3,7-12; Lc 21,5-19)

Na medida em que se aproxima o fim do ano litúrgico, somos alertados sobre algumas ilusões que se oferecem com aparência de verdade. Conhecendo-nos e amando-nos a fundo, Jesus questiona nossa afeição pelas grandes obras e pelos eventos espetaculares. Roque, Afonso e João não teriam sofrido o martírio (+19.11.1628) se não tivessem se embrenhado nas matas do sul do Brasil e se tivessem se ocupado com a defesa dos reinos de Espanha e Portugal ou com o brilho das academias. Os seis jesuítas assassinados em El Salvador (+16.11.1989), pelos mesmos grupos que que haviam calado a voz de Dom Oscar Romero, estariam ainda vivos se acomodassem o saber aos interesses da oligarquia que comandava em El Salvador . Mas onde se revela a maturidade e a verdade do ser humano: no sucesso ou na perseverança? No medo covarde ou na utópica  e devorante sede de liberdade?
“Admirais estas coisas?...”
O poder e a grandeza sempre impressionam, seduzem e provocam medo: das pirâmides do Egito ao extinto World Trade Center, da represa de Itaipu à Basílica de São Pedro, do Kremlin à Cidade Proibida, da torre Eiffel à estátua da Liberdade. Os grandes edifícios se oferecem como sinais eloquentes de estabilidade e como mensagens contundentes dos vencedores. Expressam a glória daqueles que os construíram ou habitam, se apresentam como abrigos do sucesso e dos desejos mais acariciados.
Mas isso acontece também com os grandes eventos. Um encontro ou celebração que reúne milhões de pessoas causa impacto. Uma passeata que agrega milhares de pessoas que repetem em uníssono refrões de protesto ou reivindicação pressionam a opinião pública. Estádios lotados de torcedores animam até os atletas mais frágeis e desanimados. A religião que conta seus adeptos aos bilhões pode se dar ao luxo de não se perguntar pela verdade da sua doutrina ou pela coerência de quem a professa...
Os discípulos de Jesus, os de ontem e os de hoje, também podem ser vítimas disso. Enquanto Jesus não se deixa enganar pela aparência meticulosamente pensada dos ricos que versam esmolas banhadas de sangue no tesouro do Templo e critica a exploração que ele encobre, muitos se extasiam diante da grandiosidade dos seus muros e das ofertas acumuladas. A sedução exercida pelas grandeza pode nos tornar cegos à opressão e à injustiça que as grandes obras costumam esconder no próprio ventre...
“Dias virão em que não ficará pedra sobre pedra...”
Será que Deus vem a nós montado no poder e sua glória repousa nos templos suntuosos? Será que a eternidade e a estabilidade são privilégios do poder e da grandeza? Será que o amor humilde e perseverante carece de brilho e de esplendor? Será que é no grito dos vitoriosos que ressoa a voz de Deus? Será que os últimos serão sempre os últimos? Será que a última palavra penderá sempre da boca da mentira, como sentença e condenação das vítimas?
A Palavra de Deus afirma outra lógica e assegura outra perspectiva. Para Deus, o futuro não é uma simples reprodução potencializada dos horrores e injustiças do presente. Segundo o profeta Malaquias, no projeto de Deus há um dia do Senhor, um dinamismo semelhante ao fogo que queima como palha o atrevimento daqueles que praticam injustiças: deles não sobrarão nem raízes, nem ramos. E para os oprimidos, este dia surge como sol depois de uma tempestade, fazendo-os saltar de alegria.
Sim, a força de Deus que age mediante pessoas, grupos e comuidades frágeis e perseverantes reduzirá a nada as grandezas erguidas com o sangue e o suor dos pobres. “Dias virão em que não ficará pedra sobre pedra. Tudo será destruído.” Não se trata de uma vingança do destino, nem de algo que acontecerá independente da nossa ação. Quem crê nesta Palavra se  liberta da sedução das grandes coisas e, na mesma medida, começa a desestabilizar os podres poderes na sua própria base.
“Sereis presos e perseguidos...”
Como discípulos e discípulas de Jesus, somos chamados/as antes de tudo ao realismo. Em nenhum momento Jesus nos assegura que o caminho será fácil, pleno de êxito e de glória. Ao contrário, ele insiste que a luta é grande e difícil. Para que não deixar dúvidas, ele mesmo percorre este caminho, e convida-nos a seguir seus passos e estar com ele onde ele está: entre os últimos, na periferia do mundo; entre os sonhadores, nos caminhos da Galiléia; entre as vítimas, no alto da cruz.
Viver na nostalgia e na expectativa dos grandes eventos, momentos e monumentos é contrário ao espírito de Jesus. Deixar-se seduzir pelo triunfalismo é uma embriaguez que nos faz cambalear de um lado para outro e acaba arruinando nossa fé. O caminho daqueles/as que levam em seu corpo individual e eclesial as marcas de Jesus crucificado, mesmo quando se mostra extraordinariamente duro, é o único capaz de transportar vida e garantir fidelidade à Igreja do Senhor.
“Não andeis atrás desta gente...”
Mas precisamos também nos libertar da ingenuidade. Nos momentos de desorientação e de crise, quando os caminhos se cruzam ou bifurcam, quando os poderes estabelecidos, sentindo-se ameaçados, inventam novas e terríveis formas de opressão, costumam surgir mensageiros que se apresentam como libertadores, propondo estranhos caminhos de salvação e assegurando que ela está à porta. Convidando-nos a não sermos ingênuos, Jesus diz claramente: “Não andeis atrás desta gente!”
Não podemos dar crédito a mensagens e mensageiros/as alheios/as ao Evangelho, ou seja: que passam à margem da compaixão com os pobres e da humildade da semente de mostarda. E isso mesmo quando tais mensagens e mensageiros/as vêm do interior da Igreja e revestidos de ostensiva piedade. Não podemos seguir aqueles/as que nos distanciam de Jesus Cristo, fundamento e origem da nossa fé. Não podemos ceder a propostas de fuga dos conflitos e de espera passiva da intervenção de Deus.
 “Será uma ocasião para dardes testemunho...”
Sempre e em todos os lugares, quem segue Jesus Cristo se torna uma testemunha serena e firme. Os tempos difíceis não são para suspirar, lamentar e desanimar. É verdade que nestes momentos somos tentados a pedir demissão da condição de discípulos/as e missionários/as de Jesus Cristo e entregarmo-nos tranquila e resignadamente ao “salve-se quem puder”. Ou então, lançarmo-nos afoitos na restauração de estruturas caducas que parecem nos garantir segurança.
Jesus aponta para uma direção diferente. Nos tempos difíceis e contraditórios é preciso aprofundar as raízes, ampliar os horizontes, identificar o que é essencial e inegociável. Insegurança, marginalização e perseguição não são sinais de fracasso, mas convites a anunciar o Evangelho com a vida. “Será uma ocasião para dardes testemunho...” Quando as instituições e obras que cheiravam a perenidade desmoronam como castelos de areia, somos convidados a dar testemunho de firmeza e de serenidade.
Cada geração cristã tem seus próprios problemas e desafios. Sem perder a calma, precisamos encontrar a forma adequada de testemunhar aquilo que cremos e esperamos. Não precisamos sonhar com heroísmos que sobrepassam as nossas forças, nem com defesas e seguranças que impedem que nos tornemos adultos na fé. Não podemos sacrificar a vocação profética no ambíguo altar da apologética. “Eu vos darei palavras acertadas que nenhum dos inimigos vos poderá resistir ou rebater.”
“É pela vossa perseverança que conseguireis salvar a vossa vida.”
Perseverança e paciência são características essenciais do cristão. A vitória e o sucesso são meras possibilidades, enquanto que a perseverança na luta são uma obrigação. Jesus não deixa dúvidas: “É pela vossa perseverança que conseguireis salvar a vossa vida!” Trata-se de uma perseverança que significa também paciência. E é claro que aqui Jesus não se refere a uma presunta ressurreição ou admissão ao paraíso, mas a uma vida plena de sentido, livre de toda e qualquer atadura.
Jesus, sonhador indomável, verbo eloquente e profeta perseguido: fica conosco nestes tempos difíceis, de ruína e de reconstrução do mundo e da Igreja. Ensina-nos a viver a fé, a cultivar um estilo de vida paciente e tenaz, liberto e criativo, que nos ajude a responder aos muitos desafios sem perder a serenidade, nem a lucidez e a coragem.  Ajuda-nos a construir o mundo que sonhaste nas situações adversas nas quais vivemos, sem medo, sem passividade e sem ingenuidade, esperando como se tudo dependesse de ti e sendo criativos como se tudo dependesse de nós. Assim seja! Amém!


Pe. Itacir Brassiani msf

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