terça-feira, 5 de novembro de 2013

Recordando o Pe. Jovino

A data de hoje, dia 5 de novembro, lembra oito meses do falecimento do nosso saudoso Pe. Jovino Filippin msf (+05.03.2013). Fazendo memória da sua vida e lembrando sua proverbial inquietação teológica, transcrevo alguns parágrafos de um artigo que ele escreveu, comentando e resumindo o livro Recuperar a Salvação, de Andrés Torres Quiroga (Paulus, 1999). Este artigo fou publicado em O Bertheriano, Ano XXVI, N° 91 (Agosto de 2006).

Redenção: para que sejamos deuses

Pe. José Jovino Filippin msf
Para nós humanos não é fácil admitir que um Deus Amor tenha criado filhos e filhas para sofrer aqui na terra. Não são poucos os que se perguntam por que Deus permite o sofrimento. Principalmente de crianças inocentes. E se Deus nos criou para sermos felizes, por que a dor nos acompanha a vida inteira?

Deus não quer nem permite o sofrimento. Ele apenas respeita a liberdade que nos dotou. Nossa limitação de criaturas é a chave do enigma. Toda criatura, pelo fato de ser criatura, é limitada. Uma criatura não-limitada seria impossível quanto o é um círculo quadrado. Há uma contradição interna insuperável. O pecado, em grego, se expressa com a palavra amartia, que significa falta, deficiência, erro de alvo, e tudo isso tem a ver com limitação.

A limitação pode causar equívocos e ilusões que nos levam à ruína, pois podemos confundir a parte com o todo, o acidental com o essencial, o veneno com o remédio, e por aí afora. Por isso podemos pensar que a riqueza, o poder, o prazer, a fama ou qualquer outra singularidade nos possa fazer felizes, nos possa tornar plenamente realizados. A visão parcial nos impede de ver que somos seres pluridimensionais e transcendentais: mesmo se pudéssemos usufruir de todos os bens da terra, ainda não ficaríamos satisfeitos, não seríamos felizes, realizados. Isto porque em nós habita algo que extrapola a esfera cósmica e nos projeta para o ilimitado: para o imenso oceano de amor, que é Deus.

Mas, o maravilhoso em tudo isso é que Deus, sabendo do ‘risco’ que ele corria com a frágil e amada criatura sua, projetou-a dentro de um plano maior: ele mesmo entrou na história humana por Jesus Cristo, “fazendo-se igual a nos em tudo, menos no pecado”, potencializando-nos, tornando-nos nova criatura e abrindo-nos a possibilidade de uma realização infinita, o que equivale à capacidade de nos tornarmos plenamente felizes. Trata-se duma transformação ontológica e real, que rompe uma impotência, e não que ‘paga uma dívida’; que torna capaz de uma plena realizaço e não que ‘deixa de aplicar um castigo’ ou que ‘repara condignamente uma ofensa ao criador.’

É isto que querem dizer as palavras salvação e redenção. E é isto que constitui a mais profunda intuição teológica da patrística, desde Santo Irineu, São Gregório Nazianzeno, Santo Atanásio, Santo Agostinho e outros, cujo ensinamento, no caso em pauta, pode ser resumido nesta sentença: “Deus se fez humano para que o ser humano se tornasse divino” (Deus homo factus est ut homo Deus fieret).

No mistério dinâmico da encarnação, ao identificar-se com o ser humano, Cristo associou-se ao seu destino. O ser humano ‘tornou-se divino’ porque realmente se transformou e ultrapassou a si mesmo, apropriando-se do destino de Cristo. Assumindo em si mesmo a humanidade, Cristo vai transformando a condição humana total, vai tornando possível ao ser humano limitado abrir-se para Deus e levar uma vida fraterna, sem ódio e sem egoísmo, não mais sujeita à amartia (pecado). Por isto ele liberta, ele salva.


Pe. José Jovino Filippin msf

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