A data de hoje,
dia 5 de novembro, lembra oito meses do falecimento do nosso saudoso Pe. Jovino
Filippin msf (+05.03.2013). Fazendo memória da sua vida e lembrando sua
proverbial inquietação teológica, transcrevo alguns parágrafos de um artigo que
ele escreveu, comentando e resumindo o livro Recuperar a Salvação, de
Andrés Torres Quiroga (Paulus, 1999). Este artigo fou publicado em O
Bertheriano, Ano XXVI, N° 91 (Agosto de 2006).
Redenção: para que sejamos
deuses
Pe. José Jovino Filippin msf |
Deus não
quer nem permite o sofrimento. Ele apenas respeita a liberdade que nos dotou.
Nossa limitação de criaturas é a chave do enigma. Toda criatura, pelo fato de
ser criatura, é limitada. Uma criatura não-limitada seria impossível quanto o é
um círculo quadrado. Há uma contradição interna insuperável. O pecado, em
grego, se expressa com a palavra amartia,
que significa falta, deficiência, erro de alvo, e tudo isso tem a ver com limitação.
A
limitação pode causar equívocos e ilusões que nos levam à ruína, pois podemos
confundir a parte com o todo, o acidental com o essencial, o veneno com o
remédio, e por aí afora. Por isso podemos pensar que a riqueza, o poder, o
prazer, a fama ou qualquer outra singularidade nos possa fazer felizes, nos
possa tornar plenamente realizados. A visão parcial nos impede de ver que somos
seres pluridimensionais e transcendentais: mesmo se pudéssemos usufruir de
todos os bens da terra, ainda não ficaríamos satisfeitos, não seríamos felizes,
realizados. Isto porque em nós habita algo que extrapola a esfera cósmica e nos
projeta para o ilimitado: para o imenso oceano de amor, que é Deus.
Mas, o
maravilhoso em tudo isso é que Deus, sabendo do ‘risco’ que ele corria com a
frágil e amada criatura sua, projetou-a dentro de um plano maior: ele mesmo
entrou na história humana por Jesus Cristo, “fazendo-se igual a nos em tudo,
menos no pecado”, potencializando-nos, tornando-nos nova criatura e abrindo-nos
a possibilidade de uma realização infinita, o que equivale à capacidade de nos
tornarmos plenamente felizes. Trata-se duma transformação ontológica e real,
que rompe uma impotência, e não que ‘paga uma dívida’; que torna capaz de uma
plena realizaço e não que ‘deixa de aplicar um castigo’ ou que ‘repara
condignamente uma ofensa ao criador.’
É isto
que querem dizer as palavras salvação
e redenção. E é isto que constitui a
mais profunda intuição teológica da patrística, desde Santo Irineu, São
Gregório Nazianzeno, Santo Atanásio, Santo Agostinho e outros, cujo
ensinamento, no caso em pauta, pode ser resumido nesta sentença: “Deus se fez
humano para que o ser humano se tornasse divino” (Deus homo factus est ut homo
Deus fieret).
No
mistério dinâmico da encarnação, ao identificar-se com o ser humano, Cristo
associou-se ao seu destino. O ser humano ‘tornou-se divino’ porque realmente se
transformou e ultrapassou a si mesmo, apropriando-se do destino de Cristo.
Assumindo em si mesmo a humanidade, Cristo vai transformando a condição humana
total, vai tornando possível ao ser humano limitado abrir-se para Deus e levar
uma vida fraterna, sem ódio e sem egoísmo, não mais sujeita à amartia (pecado). Por isto ele liberta,
ele salva.
Pe. José Jovino Filippin msf
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