O encontro com Jesus é
um caminho de descida.
(Sb 11,22-12,2; Sl 144/145; 2Ts
1,11-2,2; Lc 19,1-10)
O mês dedicado à oração pelas
missões e à animação missionária ficou para trás. Em cada um dos domingos
anteriores aceitamos o convite a escutar a Palavra de Deus e celebrar a vida numa
perspectiva mais ampla que a das necessidades internas de nossas comunidades. E
procuramos também acolher a mensagem do Papa Francisco para o Dia Mundial das Missões, escolhendo uma
frase que pudesse ressoar em nossa vida. Entrando no mês de novembro, que nos
aproxima do fim do ano litúrgico, somos
colocados diante da figura de Zaqueu. Com ele, aprendemos que o verdadeiro
encontro com Jesus não se dá no alto das instituições e na formalidade das
funções, mas na vida concreta. Quando verdadeiro e profundo, esse encontro
produz conversão, gera liberdade e frutifica na generosidade.
“Jesus tinha entrado em Jericó e estava atravessando a
cidade.”
Comecemos considerando atentamente o
contexto no qual se desenvolve a cena descrita pelo evangelista. Uma rápida
olhada no contexto literário nos mostra que esta cena se desenvolve depois que
Jesus acolhe e abençoa crianças (cf. Lc 18,15-17), após o frustrado encontro do
jovem rico e a metáfora do camelo e do buraco da agulha (cf. Lc 18,15-34), e depois
da acolhida e cura do cego de Jericó (cf. Lc 18,35-43). Éestamos na última
etapa da subida de Jesus para Jerusalém.
O contexto mais amplo revela o desconcerto e a resistência dos discípulos
frente à pregação e à prática revolucionárias de Jesus: eles tentam impedir que
as crianças se aproximem dele; se escandalizam com a afirmação de que aos ricos
é defícil entrar na lógica do Reino de Deus; cobram a conta por terem deixado
tudo para seguir Jesus; não conseguem compreender nem aceitar que seu caminho
passe pela humilhação; querem calar a boca do cego e mendigo que suplica
compaixão.
Com os olhos completamente tapados
pelo fanatismo religioso nacionalista, os discípulos não conseguem ver com bons
olhos os sinais de vida e de liberdade que Jesus semeia com abundância, não
conseguem reconhecê-lo como vanguarda de um mundo novo. Para eles, ordem é
ordem, e não se pode esperar que os que se exaltam sejam humilhados e os que são
humilhados sejam exaltados. Para eles, quem não cumpre minuciosamente a lei
será sempre inferior, impuro e indigno.
“Zaqueu era chefe dos cobradores de impostos e muito
rico.”
Quem é propriamente este personagem
tão conhecido a quem o evangelista chama Zaqueu? Traduzido literalmente, seu
nome quer dizer puro ou inocente! E
isso é muito estranho e surpreendente, já que, por ser cobrador de impostos e
negociar com os romanos – considerados invasores e pagãos – Zaqueu era visto
como impuro, mercenário e traidor nacional. Por isso, apesar dos muitos bens
que possuía, e apesar da posição de chefia que coupava entre os publicanos, Zaqueu
era socialmente renegado e religiosamente excluído.
Mesmo ocupando altas funções, Zaqueu era uma pessoa de baixa estatura. Ou será que havia assumido o ponto de vista dos
judeus, que o tratavam como pessoa de baixa condição, sem honra e sem
dignidade? Não obstante isso, enquanto os discípulos não conseguem reconhecer a verdadeira identidade de
Jesus, Zaqueu busca insistentemente descobrir
quem é Jesus. Lucas diz que ele não desejava apenas ‘ver Jesus’, mas queria
‘ver quem era Jesus’.
Movido por esta busca que dava
sentido à sua vida, Zaqueu acaba fazendo aquilo que aprendera daqueles que o
desprezavam. Dizendo que “correu à frente e subiu numa árvore”, o evangelista
aponta para o caminho aceito como usual para alcançar a salvação: buscar palcos
e pedestais, subir na hierarquia, aferrar-se às instituições judaicas, confiar
nas práticas minuciosas da lei. O sicômoro ou árvore na qual Zaqueu sobe é
símbolo e imagem do próprio judaísmo que o renegava...
“Zaqueu, desce depressa! Hoje eu devo ficar na tua
casa.”
O encontro se dá de uma forma que
Zaqueu não esperava. Apesar de ter subido na árvore, não é Zaqueu que vê Jesus,
mas Jesus que vê Zaqueu e pede que desça
imediatamente daquele lugar que nada acrescenta à sua vida. “Zaqueu, desce depressa! Hoje eu devo ficar na tua casa.” As palavras são claras e
imperativas: ele deve descer e
fazê-lo depressa, porque exatamente neste dia Jesus deve permanecer na casa
dele.
Apesar da tentativa de lançar mão
dos recursos que a instituição religiosa lhe oferece, o lugar do verdadeiro
encontro de Zaqueu com a salvação não é o templo: é a rua e a casa. A expressão
‘o lugar’, com artigo definido e sem qualquer determinação ulterior,normalmente
indica o templo, o lugar do encontro com o sagrado. Zaqueu logo se dá conta do
absurdo da sua estratégia de subir
para saber quem é Jesus e, motivado pelo anúncio de que Jesus deveria ir naquele instante à sua casa, desce depressa e recebe Jesus em sua
casa, com muita alegria.
A salvação tem seu tempo e seu
espaço, mas estes nem sempre conincidem com aqueles que são estabelecidos pelas
religiões. Como os primeiros cristãos descobriram e anunciaram – diante do
olhar escandalizado de todas as religiões –, a morada de Deus no mundo é a
comunidade de irmãos e irmãs que, embasada no amor, se reúne para fazer
celebrar a fé e partilhar o pão. Segundo oos cristãos, Deus não gosta de
templos, e prefere ser visto e encontrado na humana carne e na matéria da
história.
“Senhor, eu dou a metade dos meus bens aos pobres...”
O encontro seguido da visita de
Jesus à casa Zaqueu faz com que ele se mostre efetivamente mais autêntico e
generoso que os fariseus mais perfeitos. João Batista havia determinado simplesmente
que os publicanos não cobrassem mais do que fora estabelecido (cf. Lc 3,12-13),
mas Zaqueu se propõe a devolver quatro vezes o que subtraiu aos outros,
cumprindo ao pé da letra o que pedia a Lei (cf. Ex 21,37). Enquanto os fariseus
pagam apenas o dízimo, Zaqueu dá a metade dos bens aos pobres!
A experiência de ser visto e reconhecido
por Jesus possibilita a Zaqueu revelar a generosidade e a justiça que não eram
vistas por ninguém, a pureza que seu próprio nome proclamava e a grandeza
humana que se escondia na sua pequena estatura. Não seria ele o administrador
esperto de que fala Jesus (cf. Lc 16,1-8), aquele que usa o dinheiro injusto
para servir os amigos? Zaqueu se mostra amigo dos pobres, exatamente o
contrário dos fariseus, que são “amigos do dinheiro” (cf. Lc 16,14).
Vítimas de preconceitos e aferrados
aos privilégios, os fariseus reagem criticando Jesus e acusando-o de
hospedar-se na casa de um pecador. E fazem isso em coro! Não sabem que o ser
humano recebe a maturidade e a liberdade plenas como dom quando exercita a
hospitalidade, a solidariedade e a partilha. É nestas cricunstâncias que a
salvação entra na nossa casa. Chegamos a ser filhos/as de Deus quando descemos
dos sicômoros das nossas nobres funções e abrimos as portas e confres aos
pobres.
“Que o nosso
Deus vos faça dignos da sua vocação...”
O livro da Sabedoria recorda que,
diante da bondade de Deus, o mundo inteiro pesa como um grão de areia na
balança. Entretanto, isso não significa que as coisas e as pessoas não tenham
valor. Ao contrário, todas as criaturas abrigam uma expressão do sopro
incorruptível de Deus. De todas as criaturas Deus se ocupa com terna bondade e
a todas trata com entranhável compaixão. O núcleo do anúncio critão é esta
dingidade de todas as criaturas e esta bondade essencial de Deus.
Todos somos chamados/as e enviados/as
a anunciar e testemunhar essa dupla bondade de Deus e das suas criaturas,
começando por levantar o manto da exclusão e da demonização que reiteradamente
é lançado sobre os pobres, os diferentes e as vítimas. Os cristãos precisam
estar à altura desta vocação, permanecendo ousada e criativamente fiéis a ela,
e vencendo toda forma de intimidação, venha ela das baionetas ou das mitras.
Paulo não cansa de pedir que nossa fé se mantenha sempre ativa e criativa, e
isso pressupõe conversão e auto-superação permanentes.
Jesus de Nazaré, incansável peregrino nos sauntuários das dores humanas,
adorável hóspede que resgata nossa dignidade e suscita a generosidade. Faz da
tua e nossa Comunidade, uma família de gente nova, um povo-semente de uma vida
que mereça este nome. Arranca do nosso meio a ilusão de que precisamos subir
para te encontrar. Ensina-nos a te encontrar no burburinho das ruas, nas casas
que apesar de tudo se mantêm abertas e em toda carne que clama e anela por ti.
Assim seja! Amém!
Pe. Itacir Brassiani msf
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