É tempo de rever nossas imagens distorcidas e violentas de Deus!
Falar de Deus é uma
das coisas mais apaixonantes e, ao mesmo tempo, mais perigosas, pois trata-se
de dizer uma palavra sobre o mais profundo arquétipo do imaginário coletivo da
humanidade. O risco de projetar em Deus nossos medos, tabus e interesses é bem
real, e muito perigoso. É bom lembrar que toda palavra que dizemos sobre Deus
permanece sempre uma palavra humana e limitada. A própria Palavra revelada é
uma palavra de Deus inserida nas palavras humanas, e vem marcada por seus
condicionamentos e possibilidades.
Na tradição dos hebreus,
conhecer a Deus é entrar em relação com Ele, assimilar sua vontade como um
projeto e um caminho para nossas decisões, ações e relações. E isso significa
romper com os estreitos limites dos nossos interesses e medos, e abrir-se a um
horizonte no qual todas as criaturas são aceitas na sua dignidade indestrutível.
Conhecer Deus significa reconhecer-se filho ou filha, assumir-se como alguém
que não tem origem em si mesmo e na própria vontade, mas num Outro e num Além que nos desperta e nos dá o ser. Tanto quanto sujeitos e
artífices de nós mesmos e nosso destino, somos fruto do amor de outros.
Hoje temos consciência
de que a imagem de um Deus violento e vingador não passa de revestimento
religioso dos infantis e imaturos medos e desejos de onipotência. Mesmo que
alguns traços de um Deus violento e sanguinário estejam espalhados na própria
bíblia, especialmente no Antigo Testamento, não podemos sobrepô-los aos traços
mais originais, que são exatamente o oposto, e são definitivamente avalizados e
pela vida e pelo ensinamento de Jesus Cristo. Os cristãos oportunistas, que
defendem a violência e fazem arminha com as mãos precisam saber que o
cristianismo não dá guarida a uma teologia da punição e da violência.
Por isso, não consigo
entender como foi possível termos chegado a aproximar e identificar Jesus
Cristo com a figura dos reis! Sua vida não mostra exatamente o contrário? Em
Jesus Cristo, Deus mostra que prefere os estábulos aos palácios, as manjedouras
aos tronos, a cruz à espada, a compaixão ao poder, os discípulos e discípulas
aos exércitos alinhados, os pobres e doentes aos séquitos reais... E o pior é
que nossa sede de realeza ainda hoje se encarna num anacrônico regime
monárquico que reina na Igreja e continua rejeitando anseios de democracia ou
participação. Isso denota nossas dívidas para com a carne, como diz Paulo!
Nas cenas que precedem
o evangelho deste domingo, diante da pergunta dos emissários de um João Batista
um pouco confuso sobre os traços do messianismo do profeta de Nazaré, Jesus
responde chamando atenção para aquilo que ele está fazendo: cegos recuperam a
vista, coxos andam, leprosos são purificados, surdos ouvem, mortos ressuscitam
e pobres recebem boas notícias. E arremata: “Feliz aquele que não se
escandalizar por minha causa!” Sim, porque havia discípulos que tropeçavam
nestas ações de Jesus, por considerá-las insignificantes ou inoportunas. Eles
esperavam o messias sob as vestes de um grande rei.
Depois dessa cena,
Jesus prossegue sublinhando a falta de adesão e de resposta das cidades de
Israel ao anúncio e às ações que aproximavam o reinado de Deus em favor dos
pequenos. Neste contexto, podemos entender melhor a exultação profética de
Jesus ao contemplar a fé límpida e a adesão operosa dos discípulos e do povo simples.
“Eu te louvo, o Pai, Senhor do céu e da terra, porque escondeste essas coisas a
sábios e entendidos, e as revelaste aos pequeninos. Sim, Pai, porque assim foi
do teu agrado.” Eles sim entendem que a proposta de Jesus não é pesada, nem
causa de tropeço.
Jesus termina lançando
um convite: “Venham para mim todos vocês que estão cansados e eu lhes darei
descanso!” O cansaço nos vem da desilusão com os grupos e partidos que,
abocanhando por golpe uma fatia de poder, fazem o contrário daquilo que
pregavam. Mas nosso cansaço tem também uma raiz eclesial, e vem de uma Igreja
que, em parte, tem medo da participação popular e receio de se encarnar nas
dores e tristezas, alegrias e esperanças dos homens e mulheres de hoje. Dói a
ferida de uma Igreja que ambiciona privilégios e é refém de uma pastoral de
manutenção, incapaz de se se colocar em saída.
Deus Pai e Mãe, em Jesus nos revelas que és mais
misericórdia que poder e mais compaixão que lei. Dá-nos teu Espírito, para que
te descubramos no peregrino que pede um copo de água e que, por isso, não nos
esmagas com o peso da lei e não nos assustas com uma verdade abstrata. Desperta
em nós a profética coragem de denunciar a injustiça que o governo vem
perpetrando contra os poucos direitos do seu povo. E realiza nossos anseios de
externar a ternura, exercitar a amizade, experimentar a partilha, e treinar a
gratuidade. Amém! Assim seja!
Itacir Brassiani msf
Carta de Paulo aos Romanos 8,9-13 | Evangelho de São Mateus 11,25-30
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