A CRUZ É OUTRA COISA!
É difícil não se sentir perplexo e
perturbado ao escutar mais uma vez as palavras de Jesus: «Quem quiser vir
comigo, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me». Compreendemos muito
bem a reação de Pedro, que, ao ouvir Jesus falar de rejeição e sofrimento, o
chama à parte e começa a repreendê-lo. O teólogo mártir Bonhoeffer diz que esta
reação de Pedro prova que, desde o início, a Igreja se escandalizou com o Cristo
sofredor. Não quer que o seu Senhor lhe imponha a lei do sofrimento.
Este escândalo pode hoje se tornar
insuportável para aqueles que vivemos no que Leszek Kolakowsky chama de «cultura
dos analgésicos», essa sociedade obcecada em eliminar o sofrimento e o
desconforto por meio de todo tipo de drogas, narcóticos e evasões.
Se queremos esclarecer qual deve ser a
atitude cristã, temos que entender bem em que consiste a cruz para o cristão,
porque pode acontecer que a coloquemos onde Jesus nunca a colocou. Chamamos
facilmente de cruz tudo o que nos faz sofrer, mesmo aquele sofrimento causado
por nosso próprio pecado ou pela nossa maneira errada de viver. Mas não devemos
confundir a cruz com qualquer infortúnio ou desconforto que ocorra na vida.
A cruz é outra coisa. Jesus chama os
seus discípulos a segui-lo fielmente e a colocarem-se ao serviço de um mundo
mais humano: o reino de Deus. A cruz nada mais é do que o sofrimento que nos
advirá como consequência deste seguimento; o doloroso destino que teremos de partilhar
com Cristo se realmente seguirmos os seus passos. É por isso que não devemos
confundir «carregar a cruz» com posturas masoquistas, a falsa mortificação ou o
que Evdokimov chama de ascetismo barato e individualismo.
Por outro lado, devemos compreender bem
o que significa negar-se a si mesmo, que Jesus pede para carregar a cruz e
segui-lo. Negar-se a si mesmo não significa de modo algum mortificar-se,
castigar-se a si mesmo e, menos ainda, anular-se ou autodestruir-se. Negar-se a
si mesmo significa não viver pendente de si mesmo, esquecer-se do próprio
«ego», para construir a existência sobre Jesus Cristo. Libertarmo-nos de nós
mesmos para aderir radicalmente a Ele.
Dito de outra maneira, carregar a cruz
significa seguir Jesus disposto a assumir a insegurança, o conflito, a rejeição
ou a perseguição que o próprio Crucificado teve de sofrer. Mas nós crentes não
vivemos a cruz como derrotados, mas como portadores de uma esperança final.
Todo aquele que perder a vida por Jesus Cristo a encontrará. O Deus que
ressuscitou Jesus também nos ressuscitará para a vida plena.
José Antonio Pagola
Tradução de Antonio Manuel Álvarez Perez
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