sábado, 29 de junho de 2024

O Evangelho dominical (Pagola) - 30.06.2024

SEM DOMINAÇÃO MASCULINA

Uma mulher envergonhada e com medo aproxima-se de Jesus secretamente, confiante de que será curada de uma doença que há muito a humilha. Arruinada pelos médicos, sozinha e sem futuro, ela vai a Jesus com uma fé impressionante. Apenas procura uma vida mais digna e saudável.

No fundo deste relato podemos ver um problema grave. A mulher sofre perda de sangue, uma doença que a obriga a viver num estado de permanente impureza ritual e de discriminação. As leis religiosas obrigam-na a evitar o contato com Jesus, mas é precisamente esse contato que a poderá curar.

A cura ocorre quando aquela mulher, educada em categorias religiosas que a condenam à discriminação, consegue libertar-se da lei para confiar em Jesus. Naquele profeta, enviado por Deus, há uma força capaz de a salvar. Ela «notou que o seu corpo estava curado»; Jesus «notou a força salvadora que saiu dele».

Este episódio, aparentemente insignificante, é um expoente mais do que se recolhe de forma constante nas fontes evangélicas: a ação salvífica de Jesus, sempre empenhada em libertar a mulher da exclusão social, da opressão dos homens na família patriarcal e da dominação religiosa no seio do povo de Deus.

Seria anacrônico apresentar Jesus como um feminista dos nossos dias, comprometido com a luta pela igualdade de direitos entre mulheres e homens. A sua mensagem é mais radical: a superioridade dos homens e a submissão das mulheres não vêm de Deus. É por isso que entre os seus seguidores têm de desaparecer. Jesus concebe o seu movimento como um espaço sem dominação masculina.

A relação entre homens e mulheres continua doente, inclusive dentro da Igreja. As mulheres não conseguem perceber de forma transparente a força salvadora que vem de Jesus. É um dos nossos grandes pecados. O caminho para a cura é claro: suprimir as leis, costumes, estruturas e práticas que geram discriminação contra as mulheres, para fazer da Igreja um espaço sem dominação masculina.

José Antônio Pagola

Tradução de Antônio Manuel Álvarez Perez

sexta-feira, 28 de junho de 2024

A Palavra de Deus tem força para provocar grandes mudanças

A Palavra de Deus tem força para provocar grandes mudanças! | 395 | 29.06.24 | Mateus  8,15-17

Depois da primeira etapa do processo de “formação na ação” que Jesus oferece aos seus discípulos (purificação e cura de um leproso), entramos na fase narrativa, que descreve a novidade do Reino de Deus em ação naquilo que Jesus faz. Também nisso ele forma, educa e orienta seus discípulos missionários. Ontem vimos como ele desmascara a ideologia que exclui os leprosos da convivência social

Uma leitura atenta do início do capítulo 8 do evangelho segundo Mateus nos leva a perceber que Jesus derruba os muros e atravessa as fronteiras políticas, étnicas, religiosas e sociais enfrentando o sofrimento das pessoas rejeitadas, oprimidas, isoladas, doentes, paralíticas, etc. E faz isso evitando os centros e deslocando-se para as margens. Usa como meios eficazes a Palavra e o toque, a compaixão e a misericórdia, sem recorrer a ações poderosas e capazes de impressionar, seduzir e provocar medo. São ações que beneficiam os necessitados, e não subjugam ninguém.

Na cena de hoje se confrontam dois reinos (o império romano e o Reino de Deus), duas etnias (os judeus e os pagãos) e duas classes (um chefe militar e uma mulher sem nome). O escravo e a sogra de Pedro não têm voz, não contam para nada. Diante desses dois sujeitos sociais, Jesus faz o que império romano não faz, e corrige aquilo que a dominação provoca. A possessão era a expressão da completa destruição da pessoa, e Jesus põe fim a esse mal que fere tanta gente.

A figura do oficial romano é ambivalente, pois ele faz parte da estrutura de dominação e de violência do império romano, mas, ao mesmo tempo, é um pagão, e, como tal, é desprezado pelos judeus. Pela confiança radical na força libertadora da pessoa e da Palavra de Jesus para curar alguém tratado por ele como simples propriedade, este oficial chama a atenção e atrai o elogio de Jesus.

A atitude e as palavras desse pagão inspiram a vida cristã. Sua fé é exemplo até para os judeus mais piedosos. Em cada celebração eucarística, repetimos suas palavras, e queremos assimilar sua atitude. “Senhor, eu não sou digno que entres em minha casa, mas uma palavra tua basta para curar-me!”

 

Meditação:

·        Preste atenção na atitude, nos gestos e nas palavras do oficial romano: ele pede em favor de um escravo, que é uma entre as suas propriedades, uma pessoa que talvez ele mesmo tivesse torturado

·        O oficial expressa sua fé na força da Palavra e da compaixão de Jesus de Nazaré por aqueles que não tem voz nem vez

·        Jesus se interessa pela sogra de Pedro, vai ao encontro dela no reduto doméstico, ajuda-a a superar a enfermidade e recoloca-a de pé

·        Você deseja que Jesus entre na sua casa e faça as mudanças que o Evangelho pede, tome você pela mão e faça de você um servidor?

quinta-feira, 27 de junho de 2024

Na base das verdadeiras mudanças está sempre a compaixão

Na base das verdadeiras mudanças está sempre a compaixão | 394 | 28.06.24 | Mateus  8,1-4

Depois de concluir a primeira etapa da formação dos discípulos e discípulas, feita na montanha e concluída com o chamado a construir a casa sobre a rocha (ouvindo e praticando a Boa Notícia de Deus), Jesus desce da montanha para continuar o processo formativo, agora na ação, mediante o testemunho. Jesus ensina por aquilo que faz, e age de forma transformadora com aquilo que anuncia.

Jesus havia afirmado que são felizes, entre outras, as pessoas que choram compartilhando a dor das outras, assim como as pessoas misericordiosas. Uma multidão de gente marcada pela dor e pela esperança o seguia, porque só podiam contar com ele. Na cena de hoje, um leproso, que não poderia estar com a multidão nem com sua própria família, se aproxima de Jesus, transgredindo os preceitos, que o obrigavam a tomar distância e anunciar sua maldição.

O leproso se aproxima e, demonstrando sua reverência e dependência, se ajoelha diante de Jesus e lhe faz um pedido: “Senhor, se queres, tu tens o poder de me purificar”. Como a lepra, sendo uma contagiosa doença de pele, era vista como impureza que excluía a pessoa da convivência social, o leproso não pede apenas para ser curado, mas para ser “purificado”. A purificação (ou o perdão) é a ação interior e espiritual que se expressa na cura exterior ou física.

Jesus realiza o querer e o agir de Deus, por isso afirma que ele quer sim purificar/curar aquela pessoa sofrida e excluída, quer que ela fique totalmente “limpa”, e possa frequentar todos os espaços sociais e religiosos antes absolutamente interditados a ela. “Purificado”, o leproso é reinserido na convivência social, e tem o direito de ser tratado como ser humano e como cidadão.

Pode parecer estranho que, fazendo algo que não poderia fazer segundo a lei judaica e denunciando a incapacidade do templo de fazê-lo em nome de Deus, Jesus tenha enviado o homem “purificado” justamente ao templo. Mas Jesus o faz por dois motivos: mostrando-se aos sacerdotes e apresentando sua oferta, o homem adquire o “passaporte” que lhe permite frequentar o templo e a sociedade; ao mesmo tempo, demonstra “ao vivo e a cores” a incompetência do pessoal do templo.

 

Meditação:

·        Participe desta cena e interaja com os personagens, descendo com Jesus da montanha, misturando-se à multidão, observando o leproso

·        Quem são hoje as pessoas e grupos sociais cuja presença e circulação na sociedade não é bem vista, é indesejada ou é até proibida?

·        Quais são os critérios que hoje a sociedade elitista e consumista estabelece para excluir uma pessoa dos seus círculos?

·        Há algo em você ou em sua família ou em sua comunidade que você vê como impureza, que lhe tira a dignidade e a alegria de viver e conviver?

quarta-feira, 26 de junho de 2024

Seja a prática do Evangelho de Jesus nosso alicerce firme

Seja a prática do Evangelho de Jesus o alicerce firme que nos sustenta | 393 | 27.06.24 | Mateus 7,21-29

A espiritualidade da encarnação do Evangelho na vida cotidiana é a luz que ilumina com cores especiais os textos bíblicos deste tempo litúrgico. Ela ajusta nosso olhar para podermos reconhecer os sinais da permanência de Deus “no meio de nós” em trajes humanos de pobreza, de simplicidade, de proximidade e de coerência. E nos sensibiliza ao sonho, à esperança, à generosidade. O texto de hoje é a conclusão da “catequese da montanha”, o primeiro anúncio de Jesus às multidões e a primeira de uma série de lições aos discípulos missionários.

Hoje, Jesus nos adverte sobre uma forma deficiente e imatura de ouvir e acolher o Evangelho de Jesus: reduzi-lo a um motivo para exultação, suspiros e gemidos, cânticos e linguagens estranhas. Mais que isso, Jesus nos provoca e encoraja a levar o Evangelho para a vida, como dinamizador de ações, iniciativas, decisões e relações concretas, no âmbito familiar, eclesial, social e político.

Acolher Jesus e seguir seus passos e suas lições significa fazer-se seu discípulo, ser seu companheiro de caminhada, assumir seus sentimentos e pensamentos, participar da sua missão. A ação verdadeiramente evangélica do discípulo missionário nasce da escuta atenta da Palavra, que nos fala pela Bíblia e pela Vida. Ler, escutar ou meditar o Evangelho e não agir de acordo com ele equivale a desobedecer.

Infelizmente, tanto no tempo de Jesus como hoje, há quem queira ser cristão sem uma ação ou uma prática correspondente. Tem o nome de Jesus sempre nos lábios, mas usa-o para promoção pessoal ou das suas igrejas (ou negócios religiosos). E há instituições que embelezam seus espaços e ambientes com símbolos, afrescos e móveis caros, mas não querem saber do Evangelho. E infelizmente também não faltam cristãos que querem reduzir a fé a uma moral mesquinha.

A autenticidade do discípulo missionário se faz patente e evidente numa vida centrada em Jesus e no Reino de Deus. No discipulado cristão não há espaço para as fachadas, tão enfeitadas quanto falsas. Não é aceitável o uso do nome de Jesus como fórmula mágica e afirmação de poder. Isso seria insensatez ou falta de juízo, como diz Jesus: seria como tentar construir um edifício sobre terreno movediço.

 

Meditação:

·    O evangelho de hoje nos chama e orienta para uma atitude madura e adequada em todas as esferas da vida cotidiana

·    Será que alguns movimentos religiosos atualmente muito em moda não caíram na tentação de reduzir a vida cristã à invocação do nome de Jesus?

·    Perceba a advertência de Jesus às pessoas aparentemente piedosas (profetizam pregam, participam da Eucaristia), mas más em suas relações?

·    Será que, diante das exigências do Evangelho, alguns setores cristãos estão buscando ensinamentos em outros “mestres”, menos radicais?

terça-feira, 25 de junho de 2024

Nossas ações revelam quem somos

Nossas ações revelam quem somos e comprovam aquilo que cremos | 392 | 26.06.24 | Mateus 7,15-20

Continuamos frequentando as lições de Jesus, Mestre da vida, avançando pouco a pouco em nossa formação como discípulos missionários. Depois de nos convidar a meditar sobre a regra de ouro, que mede a avalia todas as nossas relações (fazer aos outros o que desejamos que eles façam a nós), Jesus nos adverte em relação aos líderes que se apresentam como profetas e guias, mas vivem de um modo que tem pouco a ver com o Evangelho do Reino de Deus.

Ao que parece, a advertência de Jesus se dirige tanto aos dirigentes do judaísmo quanto às lideranças cristãs que se comportam de modo ambíguo. Jesus não deixa fora desse “puxão de orelha” o amplo leque dos discípulos missionários que se reúnem em torno dele, em todos os tempos. Quanto a algumas pessoas que exercem liderança ignorando o caminho do serviço e da gratuidade, a crítica de Jesus é contundente: elas se aproximam dos cristãos como ovelhas, como gente mansa e necessitada, mas, por dentro e na prática, são como lobos perigosos.

A este respeito, Jesus propõe um princípio que pode ajudar as comunidades a identificar e desmascarar estes falsos profetas: todas as pessoas, inclusive as lideranças, se revelam nas ações que realizam, nos frutos da ação que desenvolvem, como os figos remetem à figueira, e as uvas conduzem à parreira. “Uma árvore boa não produz frutos ruins, e uma árvore ruim não produz frutos bons”, sentencia Jesus.

Considerando aquilo que Jesus ensinou nas lições precedentes, pode-se concluir com segurança que ele não se refere aos frutos do cumprimento simples, minucioso e inflexível das leis e mandamentos, da moral e da doutrina, mas a uma justiça maior que aquela que os fariseus ostentam. Trata-se de produzir “frutos” de compaixão e de misericórdia tal como o fez José em relação a Maria, e tal como Jesus demonstra em relação aos pobres, doentes e toda a sorte de pessoas excluídas.

Assim, pelas relações que estabelecem e pelas ações que produzem, os discípulos revelam quem é seu mestre e guia: são as atitudes e práticas concretas de partilha e de sede de justiça, de busca do Reino de Deus, de amor a um só Senhor. O nome e os símbolos que usamos dizem pouco sem as práticas que lhes dão concretude.

 

Meditação:

·    Acolha a advertência de Jesus e aplique-a a você mesmo/a e às lideranças eclesiais e políticas, que gostam de posturas formais e respostas evasivas

·    Que frutos as lideranças eclesiais, sociais e políticas que despontam ou se impõem estão produzindo neste amargo momento do Brasil?

·    Aplicando o princípio “é pelos frutos que nós conhecemos a um líder”, o que podemos dizer das nossas lideranças eclesiais, hierárquicas ou não?

·    Em que medida também nós – pais, mães, catequistas, religiosos/as, padres, – nos apresentamos como ovelhas mas atuamos como lobos?

segunda-feira, 24 de junho de 2024

A adesão a Jesus Cristo e seu Evangelho implica numa vida alternativa

A adesão a Jesus Cristo e seu Evangelho implica numa vida alternativa | 391 | 25.06.24 | Mateus 7,6-14

Continuamos frequentando as lições de Jesus, Mestre da vida, para que possamos avançar, cada dia um pouco mais, na nossa formação como discípulos/as missionários. Para hoje, a Igreja nos propõe um versículo (v. 6) que parece mais ligado ao trecho que meditamos ontem (crítica e autocrítica), omite os versos que ressaltam a eficácia da oração (v. 7-11) e nos convida a meditar sobre a regra de ouro, que mede a avalia todas as nossas relações.

“Portanto, façam às pessoas o mesmo que vocês desejam que elas façam a vocês. Esta é, de fato, a lei e os profetas”. É isso que Jesus jamais anulou, e deseja destacar e concretizar com sua vida e seu ensinamento. Esta é a lei que permanece para sempre, o corolário das leis, a régua ou a balança que avalia a qualidade da vida dos discípulos do reino. Este imperativo dá primazia ao outro, sublinha o apreço e o respeito por ele, afasta e supera as relações de indiferença, raiva e violência.

Aqui Jesus alarga o horizonte das relações dos discípulos entre si e para fora da comunidade. O foco não é unicamente a comunidade interna (os irmãos e irmãs), mas as pessoas em geral. E não se trata de ser justo e bom com as pessoas esperando que elas nos retribuam na mesma moeda. Ao seguidor de Jesus basta ser lucidamente bom e em tudo amar e servir, e o retorno não entra no orçamento, nem na contabilidade. Essa é a novidade do Reino de Deus. Jesus é realista, e adverte que são poucas as pessoas que ousam este modo de viver e nele perseveram.

Por isso, Jesus recorre às imagens da porta e da estrada, que, no ambiente do império romano, eram meios de propaganda e espaços de controle militar, de exploração econômica (cobrança de impostos) e de dominação violenta sobre os cidadãos hebreus. Porta e estrada são também imagens que expressam direção ou opção escolhida, e entrada ou acolhida. Jesus torna mais precisa suas metáforas, e fala de porta estreita e de estrada estreita.

Falando do caminho estreito e da porta apertada do Reino, Jesus não se refere à carroçada de prescrições morais que padres e pastores costumamos impor ao povo, mas à necessidade de seguir seu estilo de vida, de ser uma comunidade alternativa, que antecipa o sonho do Reino de Deus. Não é verdade que essa é uma estrada estreita e supõe empenho? Para os cristãos, não há outro caminho que possa levar à vida, à felicidade. Não há como ser bom e justo sem isso.

 

Meditação:

·    Deixe ressoar em você cada palavra e cada frase dessa lição sobre a regra de ouro que deve inspirar nossas ações e relações

·    Detenha-se na imagem da estrada e da porta, e tente compreender seu sentido à luz do Evangelho vivido e anunciado por Jesus

·    Também você tende às vezes a fazer o bem focado prioritariamente na expectativa da retribuição, do aplauso e do reconhecimento?


domingo, 23 de junho de 2024

A grandeza de Deus se mostra em pessoas e acontecimentos pequenos

A grandeza de Deus se mostra em pessoas e acontecimentos pequenos | 390 | 24.06.24 | Lucas 1,57-66

Este belo texto do Evangelho nos convida a valorizar os pequenos fatos da vida, como o nascimento de uma criança, os encontros de amigos, a superação de uma enfermidade, pois é o relato do nascimento de João Batista. É Deus presente no meio de nós, Deus que continua cumprindo suas promessas. Diante do nascimento do filho esperado, Zacarias abre a boca, solta a língua e começa a bendizer a Deus, e é isso que precisamos fazer.

As promessas começam a se cumprir. O filho que foi prometido a Zacarias nasce e traz alegria, não apenas a ele, mas a todo o povo. Chegou o tempo estabelecido, que é também o tempo da graça. O anjo já havia anunciado que muita gente se alegraria com este nascimento. A vinda do pequeno João à luz do dia é um sinal de esperança para todo o povo do qual fará parte. Nele, Deus é misericórdia e graça, e o caminho que leva a Deus é melhorado, endireitado.

Os vizinhos queriam dar ao bebê o nome do pai, inserindo-o na lógica e na tradição da família e no clã. Mas o nome será aquele sugerido a Zacarias pelo anjo: João, que significa “o Senhor é gracioso” ou favorável. Este nome amplia o desejo da vizinhança, e diz que João é uma graça de Deus para todos. A este nome a tradição acrescenta ‘Batista’, como referência à sua prática profética. Que nenhuma tradição festiva ou redução intimista apague sua profecia!

Zacarias havia ficado mudo (e surdo), e, com o nascimento do filho, volta a falar. Como um homem justo, começa a bendizer a Deus. A liturgia que ele dirigia no templo no dia do anúncio e fora interrompida é agora retomada, em clima de louvor e festa. A alegria se expande e contagia. À medida em que a notícia se espalha, todo o povo fica sabendo o que Deus está fazendo pelo povo, e todos se enchem de admiração e respeito pelo que estava acontecendo. O medo faz calar, a admiração faz proclamar, a proclamação leva a crer, a aderir, a caminhar.

A vizinhança se pergunta o que vai ser daquele menino. E o Evangelho diz que João é o escolhido por Deus para uma missão importante. Ele falará e agirá em nome de Deus, chamando à conversão, endireitando caminhos, propondo a reconciliação e a justiça. A terá a grata satisfação de mostrar o Messias presente no mundo, Jesus de Nazaré. Que jamais nos cansemos de celebrar os sinais da grandeza do amor misericordioso de Deus na pequenez e na fragilidade de pessoas e acontecimentos.

 

Meditação:

·    Participe desta cena e interaja com Isabel, Zacarias, a vizinhança e os parentes, que se reúnem para participar da alegria de Isabel

·    O que aconteceu com as nossas liturgias, que expulsaram a alegria para hospedar a seriedade, o comedimento, a doutrina e a moral?

·    O que a alegria e a simplicidade que marcam as festas juninas podem nos ensinar sobre a vivência cotidiana da fé cristã?

sábado, 22 de junho de 2024

A fé suscita a coragem que orienta e dinamiza todas as travessias

A fé suscita a coragem que orienta e dinamiza todas as travessias | 389 | 23.06.24 | Marcos 4,35-41

Recorrendo a diversas parábolas, Jesus havia acabado de desenvolver uma longa catequese sobre o misterioso dinamismo do Reino de Deus. Diante da rejeição da sua pregação e do seu caminho humano para Deus pelas autoridades religiosas, e da incompreensão dos próprios familiares, Jesus sentiu necessidade de enco0ntrar razões para manter a esperança e ativar a paciência.

Parece que o esforço evangelizador e transformador de Jesus estava dando poucos frutos. Dominados por medos e amarrados por muitas preocupações mesquinhas, os discípulos do tempo de Marcos enfrentam as dificuldades de modo muito diferente ao de Jesus. Atravessando o mar revolto da vida no mesmo barco, Jesus permanece confiante e tranquilo, enquanto que eles se apavoram. Eles têm dificuldade de aceitar o dinamismo, as exigências e consequências do Reino de Deus, do seguimento de Jesus. Não conseguem confiar a Deus e seu reino a própria vida.

Parece também que a Palavra de Jesus, a Boa Notícia dinâmica e concreta do Reino de Deus, encontrou nos próprios discípulos uma terra dura, rasa ou infestada de ervas daninhas. Eles têm a impressão de que correm o risco de morrer, e não percebem que o que está morrendo neles é a Boa Notícia do Reino de Deus. Pensam que Jesus não se importa com eles, e não percebem o tanto que os ama e preza.

Eles precisam ainda percorrer um longo caminho até desenvolver uma fé madura, que os sustente. O medo das perdas ainda se sobrepõe à esperança e à confiança. Depois de acordado por eles, Jesus fala forte, ordenando que silenciem estas agitações e se cale a voz dissidente do medo que ameaça seus discípulos. Eles ainda precisam conhecer melhor quem é este profeta da Galileia, que ensina com autoridade e enfrenta as forças e instituições que se opõem ao querer de Deus.

Os discípulos da primeira hora precisam encarar e superar a insistente e crônica divergência com Jesus. Eles precisam descobrir, compreender e acolher o cerne da sua pregação e missão: o Reino de Deus chegou e é graça que liberta; ele pede mudança das pessoas e estruturas; dá prioridade aos pobres e aos meios mais frágeis; e passa necessariamente pela cruz, pelo dom de si mesmo. Em que medida também nós ainda estamos longe de assimilar essa realidade?

 

Meditação:

·    Releia o texto com atenção, relacionando-o com as repetidas crises nas quais o seguimento de Jesus coloca seus discípulos

·    Você consegue perceber a agitação e o medo de muitos católicos na passagem de uma fé intimista a um engajamento no mundo?

·    Não ocorre também a nós pensar que Jesus está longe ou indiferente dos ventos e ondas que ameaçam a humanidade?

·    Será que também nós não necessitamos conhecer melhor quem é esse Jesus em quem dizemos ter posto nossa confiança?

sexta-feira, 21 de junho de 2024

Pessoa madura e feliz é aquela que necessita de pouco para viver

Pessoa madura e feliz é aquela que necessita de pouco para viver | 388 | 22.06.24 | Mateus 6,24-34

A parte do evangelho de Mateus que conhecemos como “sermão da montanha” é um momento de formação dos discípulos na novidade do Reino de Deus. Depois de dar exemplos de uma nova interpretação da antiga lei, e depois de criticar as práticas de piedade (esmola, oração e jejum), Jesus adverte seus discípulos em relação à tentação do acúmulo doentio de bens.

Para falar deste tema, aliás, sempre espinhoso, Jesus recorre à relação entre senhor e escravo, uma relação estruturante no império escravocrata de Roma sob o qual viviam Jesus e seu povo: o escravo faz parte da propriedade do senhor; quando não serve mais, não se dedica exclusivamente ou despreza seu senhor, é simplesmente descartado. Assim, a riqueza se converte num chefe tirano: não está a serviço da pessoa, mas se apropria da vida dela e não admite nenhum concorrente.

Para Jesus, o problema não reside simplesmente na necessidade de comer, de vestir, de ter uma moradia: estas não são preocupações desprezíveis, mas necessidades profundamente humanas, que a sociedade deve garantir, de algum modo. O problema é o materialismo, a busca desenfreada de ter sempre mais. Este desejo insaciável é gerado por uma ansiedade que nunca consegue se acalmar, e nos leva de preocupação a preocupação, numa ansiedade indestrutível e destruidora.

O problema é exatamente esta “necessidade” de ter sempre mais, de dominar as condições da existência, e de conseguir isso unicamente para si, competindo impiedosamente com tudo e com todos. Este desejo de açambarcar tudo e todos, com a maior rapidez possível, acaba fazendo-nos senhores implacáveis e nos transformando em escravos, invertendo a relação entre as pessoas e as coisas.

Para Jesus, esta preocupação de satisfazer nossas necessidades através do acúmulo e da competição demonstra uma fé pequena e doentia, é coisa de pagão, de gente sem fé. E é um caminho sem fim, porque cada dia impõe uma nova preocupação, pois cada meta atingida pede mais e mais. Para o discípulo, o reino de Deus – a fraternidade, a justiça, a misericórdia – é a única preocupação legítima, e deve ser pedida na oração, buscada na vida, testemunhada na sociedade. O verdadeiro rico é quem precisa se poucas coisas para viver.

 

Meditação:

·    Deixe ressoar em você este ensino inovador de Jesus, que ele viveu em primeira pessoa: confiar no Pai como uma criança, buscar o Reino de Deus, deixando o resto nas mãos do Pai

·    Preste atenção às metáforas que Jesus busca na vida cotidiana: a relação entre patrão e empregado; a beleza das flores; a liberdade e a confiança dos pássaros; as preocupações que nunca acabam...

·    Que sentido fazem estas palavras de Jesus num mundo que reduz os sonhos de muita gente à simples sobrevivência biológica?

O Evangelho dominical (Pagola) - 23.06.2024

MEDO DE ACREDITAR

As pessoas quase sempre preferem o que é fácil, e passam a vida tentando evitar o que exige verdadeiro risco e sacrifício. Recuamos ou fechamo-nos na passividade quando descobrimos as exigências e lutas que acompanham a vida com certa profundidade.

Temos medo de levar a sério a nossa vida, de assumir a nossa própria existência com responsabilidade total. É mais fácil «instalar-se» e «continuar», sem nos atrevermos a enfrentar a questão do sentido último da nossa vida diária.

Quantos homens e mulheres vivem sem saber como, porquê ou para onde? Estão aí. A vida continua, mas, por enquanto, que ninguém os incomode. Estão ocupados com o seu trabalho, ao fim do dia espera-os o seu programa de televisão, as férias aproximam-se. O que mais há para procurar?

Vivemos tempos difíceis e de alguma forma temos que nos defender. E então cada um vai procurando, com maior ou menor esforço, o tranquilizante que mais lhe convém, embora dentro de nós se vá abrindo um vazio cada vez mais imenso de falta de sentido e de covardia para viver a nossa existência em toda a sua profundidade.

Por isso, os que facilmente se dizem crentes deveriam escutar com sinceridade as palavras de Jesus: «Por que sois tão covardes? Ainda não tendes fé?» Talvez o nosso maior pecado contra a fé, o que mais gravemente bloqueia o nosso acolhimento do Evangelho, seja a covardia. Digamos com sinceridade: não nos atrevemos a tomar a sério tudo o que o Evangelho significa. Temos medo de ouvir os chamados de Jesus.

Com frequência é uma covardia oculta, quase inconsciente. Alguém falou da «heresia disfarçada» (Maurice Bellet) daqueles que defendem o cristianismo até de forma agressiva, mas que nunca se abrem às exigências mais fundamentais do Evangelho.

Então o Cristianismo corre o risco de se converter apenas em mais um tranquilizante; um conglomerado de coisas que devem ser acreditadas, coisas que devem ser praticadas e defendidas; coisas que, tomadas na sua medida, fazem bem e ajudam a viver.

Mas então tudo pode ser falsificado. Pode-se estar a viver a própria religião tranquilizadora, não muito distante do paganismo vulgar, que se alimenta de conforto, dinheiro e sexo, evitando de mil maneiras o perigo de nos encontrarmos com o Deus vivo de Jesus, que nos chama à justiça, à fraternidade e à proximidade com os pobres.

José Antônio Pagola

Tradução de Antônio Manuel Álvarez Perez

quinta-feira, 20 de junho de 2024

Que o Reino de Deus e sua justiça inclusiva seja nosso mais precioso bem!

Que o Reino de Deus e sua justiça inclusiva seja nosso mais precioso bem! | 387 | 21.06.24 | Mateus 6,19-23

A parte do evangelho de Mateus que conhecemos como “sermão da montanha” é uma iniciação dos discípulos à novidade do Reino de Deus vivida e proposta por Jesus. Depois de dar exemplos de uma nova interpretação da antiga Lei, e depois de falar criticamente das práticas de piedade (esmola, oração e jejum), Jesus adverte seus discípulos sobre os compromissos do coração, ou seja, sobre a opção fundamental que orienta e unifica todas as ações.

Na seção que estamos iniciando hoje, e que vai até o fim do capítulo 6 de Mateus, adverte, Jesus discípulos e demais ouvintes sobre a insensatez e a imprudência da cobiça e do acúmulo de bens. Os “tesouros na terra” são os bens materiais, a obsessão de possuir sempre mais, o consumo desmedido, a competição predatória, o sucesso a qualquer custo. Apesar da sua aparência e promessa, estas são coisas instáveis cuja posse nunca está garantida, coisas sem valor verdadeiro, sempre sujeitas à deterioração. Tratar isso como essencial equivale a negligenciar a vontade de Deus.

Jesus propõe a busca de “tesouros no céu”, que são os valores do Reino de Deus: a misericórdia, o amor, a compaixão, a partilha solidária, a fraternidade como bens maiores, imperdíveis e indestrutíveis. Sobre isso Jesus já falara, de algum modo, nos trechos anteriores (bem-aventuranças, superação das leis mesquinhas, radicalização do amor ao próximo, amor aos inimigos, etc.). Trata-se então de ter isso como desejo sincero, preponderante, profundo e permanente. Em outras palavras, aqui trata-se de transformar isso em uma “opção fundamental”, que baseia e orienta tudo.

Jesus ilustra a diferença entre estes dois projetos de vida com a metáfora do olho. Na cultura do povo do seu tempo, os olhos eram considerados uma espécie de faróis que projetam para fora a luz que vem de dentro. Então, se nossos olhos faíscam cobiça, são faróis queimados, que só projetam escuridão doentia, e tornam nossa vida algo tenebroso. Se nossos olhos estão fixos no reino de Deus, projetam luz clara, suave e benfazeja, e nossa vida então será luminosa e iluminadora.

O enfoque sincero e profundo no reino de Deus significa: para os ricos, ruptura com a cobiça, renúncia à acumulação, partilha solidária; para os pobres, confiança profunda em Deus, que cuida de nós como o faz um pai; cooperação solidária com os iguais ou mais necessitados; superação da tentação de imitar os ricos e poderosos. O seguimento de Jesus é uma aventura bela, mas, igualmente exigente.

 

Meditação:

·    Quais são os valores que “brilham aos nossos olhos”, que mobilizam e potencializam nossas energias e nossas buscas?

·    Como entender que a busca da prosperidade a qualquer custo tenha ocupado o lugar da justiça em muitas pregações dos nossos padres e pastores?

·    Que pedidos ou súplicas costumam ocupar os primeiros lugares nas “listas de desejos” que diariamente apresentamos a Deus?

quarta-feira, 19 de junho de 2024

Venha a nós o vosso Reino, e seja feita vossa vontade

Venha a nós o vosso Reino, e seja feita vossa vontade sempre e em tudo! | 386 | 20.06.24 | Mateus 6,7-15

Nestes versículos, omitidos no trecho maior que meditamos ontem, Jesus prossegue seu “cursinho de formação” aos discípulos, deslocando nossa atenção das prescrições legais para a prática da oração. Não faltemos a esta importante lição da nossa formação permanente, mantenhamo-nos atentos e sintonizados com aquilo que é essencial, e não nos deixemos distrair por nada.

Em alguns versículos do texto que meditamos ontem, Jesus já chamava a nossa atenção para a atitude correta na oração. Por mais que a oração cristã tenha também uma marca comunitária e um caráter público, o que nos move não pode ser o desejo de impressionar os outros ou o próprio Deus, de receber aplausos, de ostentar piedade. No horizonte da novidade de Jesus e do advento do Reino de Deus, a oração tem marcas e exigências próprias dessa novidade.

Jesus não pretende ensinar aos seus discípulos e discípulas uma fórmula de oração para ser repetida em todas as ocasiões, mas uma atitude a ser assimilada com profundidade e um horizonte capaz de inspirar nossa vida de oração. Jesus sublinha que a nossa oração deve estar focada no Pai, na vinda do seu Reino e na sua Vontade (a quem se referem três frases) e nos irmãos, nas relações com eles, nas suas necessidades e nas ameaças que sofremos (quatro referências).

Para Jesus, o desejo que deve mover nossa oração é, antes de tudo, que o nome de Deus seja universalmente e concretamente honrado na afirmação da dignidade dos seus filhos e filhas; que seu Reino venha para demolir as estruturas injustas e instaurar uma ordem social mais humana e solidária; que sua vontade seja a inspiração de todos os projetos e ações pessoais, eclesiais e sociais, e seja levada em conta tanto na terra como o é no céu, hoje, amanhã e sempre.

Em segundo lugar, Jesus nos ensina a apresentar a Deus nossas necessidades mais pungentes, e não qualquer desejo ou capricho de menor importância: que não falte a ninguém o pão de cada dia; que tratemos nossas tensões e curemos as feridas relacionais mediante o perdão, sinal do Ano da Graça; que vençamos a tentação de desistir diante do desafio de viver como comunidade alternativa no meio do mundo; que sejamos mais fortes que o maligno, que às vezes se disfarça de anjo bom; enfim, que nossos desejos tenham a grandeza do desejo de Deus.

 

Meditação:

·      Deixe ressoar em você este ensino que ele viveu em primeira pessoa: colocar-se inteiramente nas mãos do Pai e realizar plenamente sua vontade

·      Como você e sua comunidade tem exercitado a oração? Em que ela está focada nestes tempos de crise política, moral, ambiental, social e econômica?

·      Há algo a ser revisto ou ser melhorado na sua forma de rezar e no conteúdo da sua oração? Há algo a mudar ou melhorar no foco das nossas celebrações comunitárias, que são basicamente orações coletivas?