sexta-feira, 28 de fevereiro de 2025

O Evangelho dominical

A FALTA DE VERDADE

A veracidade sempre foi uma preocupação importante na educação. Conhecemo-lo desde que éramos crianças. Os nossos pais e educadores conseguiam entender todas as nossas travessuras, mas pediam-nos para sermos honestos. Queriam que aprendêssemos que dizer a verdade é muito importante.

Eles tinham razão. A verdade é um dos pilares em que assenta a consciência moral e a convivência. Sem verdade não é possível viver com dignidade. Sem verdade não é possível uma convivência justa. Sem ela, o ser humano sente-se traído numa das suas necessidades mais profundas.

Hoje condena-se com força todo o tipo de atropelos e abusos, mas nem sempre se denuncia com a mesma energia as mentiras com que tentam mascará-los. E, no entanto, as injustiças alimentam-se sempre de mentiras. Só falsificando a realidade foi possível, há alguns anos, levar a cabo uma guerra tão injusta como a agressão ao Iraque.

Acontece muitas vezes. Os grupos de poder põem em marcha múltiplos mecanismos para orientar a opinião pública e levar a sociedade para uma determinada posição. Mas muitas vezes fazem-no escondendo a verdade e distorcendo os dados, para que as pessoas vivam com uma visão distorcida da realidade.

As consequências são graves. Quando a verdade é ocultada, existe o risco de que vão desaparecendo os contornos do «bem» e do «mal». Já não é possível distinguir claramente o que é «justo» do que é «injusto». A mentira não deixa ver os abusos. Somos como «cegos» a tentar guiar outros «cegos».

Perante tantas falsidades interesseiras, há sempre pessoas que têm uma visão clara e veem a realidade tal como ela é. São os que estão atentos ao sofrimento dos inocentes. Colocam a verdade no meio de tantas mentiras. Colocam luz no meio de tanta escuridão.

José Antônio Pagola

Tradução de Antônio Manuel Álvarez Perez

No coração de Jesus, os pequenos ocupam o centro

No coração de Jesus, os pequenos ocupam o centro | 638 | 01.03.2025 | Marcos 10,13-16

No texto que refletimos ontem, Jesus criticava a interpretação machista e patriarcal do vínculo matrimonial e, num horizonte mais amplo, a leitura ideológica e interesseira das escrituras. Seguindo no mesmo contexto relacional, no texto de hoje Jesus passa das relações entre marido e mulher à relação com as crianças.

Quando uma relação matrimonial fracassa, torna-se pesada e tensa e desemboca numa separação, geralmente as primeiras vítimas são os filhos e filhas pequenos. Mas, no evangelho de Marcos, as crianças, além de personagens reais, são figuras simbólicas, e representam todas as pessoas e grupos vulneráveis, tratadas como menores.

O texto deixa entrever que as comunidades cristãs enfrentavam dificuldades para reorganizar as relações de poder nas comunidades e no interior das famílias. Enquanto Jesus sublinha as atitudes de acolhida e inclusão, seus discípulos, como vimos nos últimos dias, cedem à tentação da superioridade, da rejeição e da exclusividade. Como nós, eles têm dificuldade de encarnar o Evangelho na vida.

O pequeno texto de hoje conclui a longa seção literária na qual o evangelista trata da correta relação entre os primeiros (‘pessoas de bem’) e os últimos (‘elementos suspeitos’). Jesus inverte esta relação, e coloca as crianças (que eram tratadas como últimas ou deixadas na periferia) no centro. Este caso das crianças é, na verdade, uma parábola da lógica do Reino de Deus.

Naquele tempo, e até poucos séculos atrás, as crianças não tinham lugar num ambiente social no qual predominavam os direitos dos adultos. Mas até hoje, muitos “pequeninos” – como os negros, os indígenas, os pobres, os migrantes, os toxicodependentes, os idosos, os analfabetos – não são bem vistos em alguns círculos.

A prática e o ensino de Jesus são claros: na família cristã, iluminada pelo Evangelho, assim como nas comunidades eclesiais, as crianças têm seu lugar e são bem colhidas. Mas não apenas elas, que hoje tendem a ser socialmente tratadas como “majestade” e a sempre imporem suas infantis vontades. Todas as pessoas e grupos sociais fragilizados e vulneráveis devem ser acolhidos e tratados como cidadãos plenos, portadores de dignidade e sujeitos de direito.

 

Meditação:

·        Releia o texto e contemple a cena, procurando dar atenção a cada gesto e a cada palavra, tanto as de Jesus como dos discípulos

·        Como sua família e sua comunidade costumam tratar as pessoas e grupos sociais mais vulneráveis e fragilizados?

·        Por que tantos cristãos “de bem” ainda têm tanta dificuldade quando se trata de defender a dignidade dos marginalizados?

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2025

Unidos de corpo e alma, sem separação e sem privilégios

Unidos de corpo e alma, sem separação e sem privilégios | 637 | 28.02.2025 | Marcos 10,1-12

Ontem vimos que, num contexto de perseguição que levava parte dos discípulos à apostasia e à traição, recorrendo à metáfora do sal, Jesus aponta para o trabalho paciente e firme pela solução do conflito e recuperação da paz e da harmonia. Ele pede que tenhamos este sal e vivamos a paz com os demais, inclusive com os traidores.

O episódio de hoje ocorre num novo cenário e introduz um novo tema na formação dos discípulos. A questão já havia aparecido antes, mas agora emerge com novas conotações: Como aplicar corretamente a lei de Moisés nas relações matrimoniais? Num horizonte mais amplo, para abordar essa questão, Jesus critica as interpretações que subvalorizam e esvaziam a Lei.

Diante da questão concreta do divórcio, Jesus escapa da solução simplória que consiste em condenar ou defender a separação daquilo que Deus quer que esteja visceralmente unido. Ele nos convida a ir à fonte da lei, que é a criação e a aliança de Deus com a humanidade. Elas têm prioridade sobre as leis e os casuísmos inventados pelos doutores da Lei e até mesmo por Moisés.

Jesus sabe muito bem que a Lei dada por Moisés em relação à possibilidade do divórcio foi uma concessão à dureza de coração dos homens, mergulhados até o pescoço no patriarcalismo. A lei de Moisés assegurou aos homens o direito despedir as mulheres, mas não estendeu esse direito às mulheres. É uma lei androcêntrica e patriarcal. Segundo Jesus, Deus jamais quis o patriarcado.

Chamando à cena a criação e a aliança, Jesus sublinha a insuperável igualdade e a união inseparável do homem e da mulher. O divórcio ou separação rompe o vínculo primário e fere a ambos. Por isso, o ensino de Jesus ressoa como uma crítica clara e pública à solução patriarcal, que é livrar o homem do “peso” da sua responsabilidade.

Mesmo assim, Jesus não transforma o sonho de Deus numa pedra a ser atirada contra os casais que fracassam no projeto matrimonial. Ele aceita o fracasso, mas proíbe o recasamento. Mais ainda: Jesus resgata a paridade do homem e da mulher também na separação. Ambos pecam se casarem de novo, e não apenas a mulher. O divórcio é uma realidade inegável, mas deve ser vivido na justiça. Homem e mulher podem tomar a iniciativa, e é preciso proteger o mais fraco.

 

Meditação:

§ Releia o texto e contemple a cena, procurando dar atenção a cada gesto e a cada palavra, tanto de Jesus como dos fariseus

§ Você não acha que algumas pregações e doutrinas passam a ideia de que a negação do divórcio é a única questão importante?

§ Você percebe a postura equilibrada e justa de Jesus, resgatando o ideal da união profunda e, ao mesmo tempo, sendo tolerante?

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2025

Para viver em paz precisamos superar a competição

Para viver em paz precisamos superar a competição | 636 | 27.02.2025 | Marcos 9,41-50

Ontem víamos que Jesus chama seus discípulos à abertura e à colaboração ecumênica. Quem tem um coração grande, um olhar abrangente e uma fé confiante não imagina ter concorrentes por todo lado. Só uma mente imatura e doentia pode se mostrar incapaz de reconhecer o bem que outros fazem e alimentar o desejo de que todos peçam sua aprovação para qualquer iniciativa benemérita.

No texto de hoje, Jesus começa radicalizando o ensino do episódio de ontem: qualquer gesto de hospitalidade, por menor que seja, e mesmo que seja proveniente de alguém de fora da comunidade cristã, é benemérito e nobre. Para Jesus, todos as pessoas que agem com solidariedade são bem-vindas, são cidadãs do Reino de Deus. O que vale é a prática, e não o rótulo religioso.

Para jesus, os cristãos devem atuar sem preconceitos contra qualquer pessoa e sem pretensões de exclusividade. Não há fronteiras rígidas que nos separam ou colocam acima das pessoas que não rezam pela nossa cartilha. O bem pode estar tanto dentro como fora da comunidade, e o mal pode vir tanto de fora quanto de dentro dela.

Este é o alerta que Jesus faz recorre à metáfora dos membros do corpo. Para as comunidades apostólicas, o corpo é uma imagem da diversidade dos membros, serviços e funções das comunidades cristãs. E, na mentalidade judaica, os pés, as mãos e os olhos são considerados o lugar dos atos agressivos ou descontrolados.

Na verdade, a comunidade de Marcos vivia a triste e dura experiência da deserção, da traição e da apostasia de parte dos seus membros diante das violentas e reiteradas perseguições. E se perguntava como reagir a esta pedra de tropeço que derrubava os mais fracos. Uma leitura atenta do texto evidencia que a solução não é a condenação à morte (como era comum na tradição oriental), nem a exclusão pura e simples da comunidade.

A metáfora do sal aponta para o trabalho paciente e firme em vista da solução do conflito e da recuperação da paz. Na tradição judaica, o sal é símbolo da Aliança. Assim, Jesus pede que todos tenhamos este sal e vivamos a paz com os demais, inclusive com os traidores.

 

Meditação:

§ Releia o texto e contemple a cena, dando atenção a cada gesto e a cada palavra, assim como aos símbolos usados por jesus

§ Você consegue valorizar os pequenos e grandes gestos de humanismo que ocorrem fora da sua Igreja?

§ Como costumamos tratar os membros da comunidade ou da família que “cometem besteira” e nos deixam envergonhados?

§ Que passos poderíamos dar para desenvolver uma educação e uma catequese capazes de evitar o preconceito e a exclusividade?

terça-feira, 25 de fevereiro de 2025

Quem não é contra o Evangelho do Reino é a favor dele

Quem não é contra o Evangelho do Reino é a nosso favor | 635 | 26.02.2025 | Marcos 9,38-40

É paradoxal que os mesmos discípulos que resistem a seguir Jesus pelas vias da compaixão e não conseguem expulsar um espírito mau que amordaça um jovem (cf. Mc 9,14-29) queiram proibir que outros o façam. Parece que eles querem manter o monopólio do exorcismo como status e privilégio, como se o fizessem em nome deles mesmos.

A resposta de Jesus chama à abertura e à colaboração ecumênica: Quem tem um coração grande, um olhar abrangente e uma fé confiante não imagina ter concorrentes por todo lado. Só uma mente imatura e institucionalizada pode se mostrar incapaz de reconhecer o bem que outros fazem e alimentar o desejo de que todos peçam sua aprovação.

Por que esta incapacidade de muitos de nós em respeitar, valorizar e cooperar com as demais Igrejas cristãs? Será que aquilo que temos em comum não é mais importante que as picuinhas que nos diferenciam? Se eles estão a favor de Jesus Cristo, poderiam estar contra nós?

A mesma reflexão se aplica à nossa relação com os movimentos sociais e culturais. Passou o tempo de ver em tudo o gérmen da discórdia e do confronto. Projetos que nascem fora das sacristias e das bênçãos eclesiásticas trazem a secreta marca do Espírito de Deus e realizam um bem enorme à humanidade. E até mesmo o copo de água não passa sem reconhecimento aos olhos de Deus.

Sejamos sinceros e verdadeiros: o bem e a justiça podem vir de fora da Igreja, e a traição e o escândalo podem vir de dentro dela. Muitos dos problemas que nossa Igreja enfrenta hoje são gerados e alimentados no seu próprio ventre. A ruptura com o Evangelho e muitas práticas que o negam surgem e são toleradas em nossas comunidades eclesiais.

Jesus enfrenta corajosamente este problema. Sob a pressão da perseguição, havia quem abandonasse o Evangelho, e isso era uma pedra de tropeço para muitos ‘pequeninos’. O corpo eclesial tinha membros que escandalizavam. E a proposta de Jesus é radical: vigilância e firmeza. É melhor ser uma comunidade pequena e coerente que grande e cheia de contradições. Ela não pode limitar ou perder sua missão de ser sal, de fazer a diferença.

Meditação:

§ Releia o texto e contemple a cena, procurando dar atenção a cada gesto e a cada palavra, tanto as de Jesus como as de João

§ Será que João, o discípulo no qual vemos amor e delicadeza, não estaria mostrando a rigidez doutrinal que nos ronda a todos?

§ Será que os problemas de nossas comunidades (eclesiais ou religiosas) vem somente de fora, ou principalmente de dentro?

§ Como costumamos agir em relação aos membros da comunidade que caem no erro ou causam escândalos?

segunda-feira, 24 de fevereiro de 2025

O que andamos conversando pelo caminho?

O que andamos conversando enquanto peregrinamos? | 634 | 25.02.2025 | Marcos 9,30-37

Na cena que antecede a de hoje, alguns discípulos haviam visto Jesus transfigurado e ouvido uma voz pedindo que escutassem o que ele lhes dizia. A multidão acorria a Jesus, impressionada pela cura de um menino mudo. É neste contexto que Jesus não quer que ninguém saiba para onde vai, porque está dedicado a ensinar seus discípulos.

A arte de formar discípulos ocupa Jesus inteiramente. Eles haviam fracassado na tentativa de curar um menino mudo. Faltava-lhes a confiança em Deus, cultivadas especialmente na oração. Eles corriam atrás de ações poderosas e lugares de honra, e não conseguiam admitir um Messias vulnerável, que não busca o sucesso e que, inclusive, padece a morte na mão dos líderes nacionais.

Por isso, Jesus repete o ensinamento apresentado anteriormente: “O Filho do Homem vai ser entregue nas mãos dos homens, e eles o matarão. Mas, quando estiver morto, depois de três dias ele ressuscitará”. O resultado não foi muito animador, pois “os discípulos não compreendiam o que Jesus estava dizendo e tinham medo de fazer perguntas”. É o medo de enfrentar a verdade, de descobrir as exigências do caminho que leva à vida plena.

O mais impressionante é que, além de não compreender os repetidos anúncios da rejeição e da humilhação e de demonstrar medo de perguntar, os discípulos se envolvem com outras questões complicadas. Jesus está atento às conversas de estrada, e quando chegam em casa, pergunta-lhes: “Sobre o que vocês estavam discutindo no caminho?” Ninguém se atreve a dizer que discutiam sobre qual deles seria o maior.

Será que não é isso também o que muitos pais e mães sonham para seus filhos e filhas: sucesso, fama, prosperidade? Mas claramente não é essa a perspectiva proposta e trilhada por Jesus Cristo. Jesus desmascara as aspirações de poder, coloca fim às nossas discussões sobre quem é o maior. Insistindo que o seu caminho passa pela rejeição e recorrendo ao símbolo das crianças, Jesus aponta claramente para outra direção.

 

Meditação:

o  Retome, com todas nuances, a cena, a atitude dos discípulos, o gesto e as palavras de Jesus neste trecho do Evangelho

o  Quais são as posições sociais que almejamos e os modelos humanos que nos inspiram e que gostaríamos de imitar?

o  Será que a indiferença de alguns setores cristãos à leitura dos evangelhos não se deve ao medo de entender a proposta de Jesus?

·    Você, sua família e sua comunidade estão tirando as consequências e levando a sério a afirmação de Jesus: “Quem acolher em meu nome uma destas crianças, é a mim que está acolhendo”?

domingo, 23 de fevereiro de 2025

A fé ilumina a mente na busca de soluções

A fé ilumina a mente na busca de soluções para os problemas | 633 | 24.02.2025 | Marcos 9,14-29

Esta ação de Jesus relatada por Marcos, como a maioria das ações que ele cumpre e gestos que ele faz, é real e, ao mesmo tempo, simbólica. A cena está situada após a transfiguração, e começa com a notícia de uma discussão entre os escribas e os discípulos de Jesus, enquanto as multidões saúdam Jesus com admiração.

O motivo da discussão é a impotência dos discípulos diante do pedido para curar um jovem possuído por um espírito que causava surdez e mudez. O pai queria que o filho mudo fosse levado a Jesus, mas isso não era possível. E, por mais que tentassem, os discípulos não conseguiram recuperar a plena saúde do rapaz. Aquilo era um drama para o rapaz, mas causava sofrimento e prostração também a toda a sua família. E isso acontecia desde a infância dele.

O conflito crucial que atravessa esta cena é a impotência dos discípulos, a pouca fé que eles têm. O pai do menino confia em Deus e crê, mas os discípulos demonstram uma fé insuficiente e sem consistência. Na verdade, há tempo eles estão perplexos com a ação e o ensino de Jesus. Também eles são vítimas do medo provocado pelo poder dominante, e têm dificuldades de crer que possa haver mudança, que outra forma de viver seja possível.

Orar é aprender a crer na transformação de si e do mundo, é olhar a vida criticamente a partir de dentro dos acontecimentos e do olhar de Deus. Descrença é o desespero provocado pelos poderes dominantes, sempre ágeis e potentes para nos convencer de que nada pode mudar, que outro mundo é impossível. As armas dos podes poderes são o desespero e a distração das vítimas.

Jesus chama e envia discípulos exatamente para combater isso: o medo que desmobiliza e a distração que aliena. Mediante a oração, essa crença e essa luz que nos move na busca de soluções humanas para os problemas humanos, somos comissionados para expulsar o mau espírito que mantém tantas pessoas passivas e submissas.

Para que possamos prosseguir criativamente as ações libertadoras de Jesus, precisamos da oração, do diálogo com Aquele que age para completar a criação e mudar as situações de opressão e injustiça. Não se trata de multiplicar súplicas, louvores e velas, mas de ampliar o horizonte do nosso olhar, e ver tudo a partir de Deus.

 

Meditação:

·    Releia o texto e contemple a cena, procurando dar atenção a cada gesto e a cada palavra de Jesus e dos outros personagens

·    Você percebe como os poderosos que comandam o mercado impõem medo e oferecem distração para manter tudo como está?

·    Você não acha que nossa capacidade de resolver crises também é diminuída pela ideologia de que nada poderá mudar?

sábado, 22 de fevereiro de 2025

A medida do amor é amar sem medida

A medida do amor cristão é amar sem medida | 632 | 23.02.2025 | Lucas 6,27-38

O Reino de Deus pede de nós, discípulos e discípulas de Jesus, grandeza de coração. Precisamos espelhar-nos na misericórdia do Pai, cujo rosto é o próprio Jesus, que ama incondicionalmente a todos, inclusive as pessoas “ingratas” ou “más”. O amor que se nos pede é mais que estratégia, boa educação ou boas maneiras. As exigências de Jesus são altas, não é possível ser mesquinho.

Jesus é direto: “A vós que me escutais, eu digo...” Ele fala conosco ne de modo manso, mas sublinha com ênfase, que as relações de amor recíproco são insuficientes. O amor aos iguais, às pessoas bondosas e agradecidas, é pouco, e não consegue se libertar das correntes do egoísmo de grupo e do paganismo. Deus não nos trata assim! Ele age de acordo com o que precisamos, e não o que merecemos!

No evangelho de hoje, Jesus fala de amor aos inimigos, àqueles que nos odeiam, excluem, insultam e amaldiçoam. Não são apenas aqueles que odiamos ou que nos odeiam, mas aqueles que nos fizeram ou nos fazem mal, aqueles que a sociedade torna invisíveis, de quem não nos aproximamos e que, quando os ignoramos, nos sentimos bem.

Jesus faz questão de exemplificar e deixar bem claro o que significa amar os inimigos: fazer o bem a quem nos odeia; abençoar os que nos amaldiçoam; rezar por aqueles que nos caluniam; oferecer a outra face a quem nos bate; dar também a túnica a quem nos penhora o manto; emprestar a quem pede; dar sem cobrar retribuição. Não é de hoje que surgem pessoas que pensam que Jesus foi longe demais.

Mas Jesus não ensina a passividade, a submissão ou a ingenuidade. O que ele pede é que sejamos como ele e como o Pai dele e nosso, que “é bondoso também para com os ingratos e maus”. Ele espera que não sejamos apenas reagentes, mas capazes de inovar, de tomar a iniciativa, de fazer aos outros o que desejamos que nos façam.

A misericórdia é a profundidade e a generosidade de Deus, e também a balança na qual nossa fé, nossa esperança e nossa caridade serão medidas. A medida de Jesus e do Pai deve ser a nossa medida. É assim que brilhará em nosso rosto e em tudo o que fazemos e somos o rosto do Pai e assim demonstraremos que somos filhos do Pai.

 

Meditação:

§ Retome cada afirmação ou prescrição de Jesus, identificando quem são os seus “inimigos” ou “adversários”

§ Você acha isso tudo praticável, exequível, ou impossível de levar em conta em nossas relações?

§ Por onde você poderia começar, hoje, evitando querer fazer tudo de uma vez e acabando por desanimar?

§ O que podemos fazer para ajudar nossas comunidades a levar a sério a proposta de Jesus em tempos de intolerância?

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2025

O que a vida e a pregação de Pedro nos ensinam sobre Jesus?

O que a vida e a pregação de Pedro nos ensinam sobre Jesus? | 631 | 22.02.2025 | Mateus 16,13-19

O livro dos Atos dos Apóstolos nos lembra que Pedro, nosso ‘primeiro Papa’, foi presidiário! As chaves prometidas por Jesus Cristo não serviram para abrir as algemas e a porta da prisão! Depois de ter sido um fariseu zeloso e violento, e depois de ter acumulado muitos méritos e honras por causa disso, Paulo foi conquistado por Jesus Cristo e, como muitos outros da sua geração, foi denunciado, perseguido, encarcerado e finalmente executado. Ele assimilou o que Jesus dissera ao enviar os Doze: “Não tenham medo de nada!”

Pedro e Paulo eram membros de comunidades cristãs, e o vínculo entre a comunidade e seus líderes presos se mostra de um modo comovente no relato dos Atos dos Apóstolos. “Enquanto Pedro era mantido na prisão, a Igreja orava continuamente por ele”. Quando Pedro e João haviam sido liberados da prisão, a comunidade pedia em oração: “Agora, Senhor, olha as ameaças que fazem, e concede que teus servos anunciem corajosamente a tua Palavra” (At 4,29). Diante da perseguição, as comunidades pedem coragem, e não tranquilidade.

Jesus faz uma pergunta decisiva aos discípulos: “Quem sou eu para vocês?” Esta é a primeira vez que um discípulo o reconhece e proclama Messias. Porém, mesmo sem rejeitar a confissão de Pedro e dos demais discípulos, Jesus prefere falar de si mesmo como Filho do Homem, e não como Filho de Deus (cf. Mt 11,19; 12,8; 12,32), acentuando assim seus vínculos com a humanidade.

Isso significa que somente quem está aberto e sintonizado com a lógica e a vontade de Deus pode reconhecer a presença de Deus nas ações e palavras deste filho da humanidade e irmão de todos os seres humanos. Esta é a base sólida sobre a qual Jesus Cristo constrói a comunidade cristã, literalmente, a assembleia dos chamados, e contra a qual nada prevalece.  

Crer, confiar, partilhar e anunciar: estes são os verbos essenciais da gramática vital dos cristãos. Só chega à meta da caminhada de discípulo missionário quem conjuga estes verbos em todos os tempos, modos e pessoas. É nesta perspectiva que, escrevendo a Timóteo na cela da prisão, Paulo faz um balanço de sua vida e suas palavras são eloquentes e comoventes: “Chegou o tempo da minha partida. Combati o bom combate, terminei a corrida, guardei a fé.”  

 

Meditação:

§   Procure afastar-se das respostas aprendidas, e responda à pergunta de Jesus, descrevendo o lugar que ele ocupa na sua vida, e como ele influi nas suas relações, ações e opções

§   Recorde as consequências que esta resposta de Pedro tem na vida dele, de Paulo e dos discípulos que vieram depois deles

§   Deixe ressoar em você a palavra de Jesus: “Feliz és tu, porque não foi um ser humano que te revelou isso, mas o meu Pai!”

A radicalidade do amor cristão

AMOR AO INIMIGO

“Aos que me escutam digo: amai os vossos inimigos, fazei o bem aos que vos odeiam”. O que podemos nós, crentes, fazer ante estas palavras de Jesus? Eliminá-las do Evangelho? Apagá-las do fundo da nossa consciência? Deixá-las para tempos melhores?

Não muda muito nas diferentes culturas, a postura básica dos homens perante o inimigo, isto é, perante alguém de quem só podemos esperar algum mal, O ateniense Lísias expressa a concepção vigente na Grécia antiga com uma fórmula que seria bem recebida por muitos hoje: “Considero como regra estabelecida que se deve procurar causar dano aos inimigos e colocar-se ao serviço dos amigos”.

Por isso devemos destacar ainda mais a importância revolucionária que se encerra no mandato evangélico de amor ao inimigo, considerado pelos exegetas como a demonstração mais clara da mensagem cristã. Quando Jesus fala de amor ao inimigo, não está pensando num sentimento de afeto e carinho para com ele, mas numa atitude humana de preocupação positiva pelo seu bem.

Jesus pensa que uma pessoa é humana quando o amor está na base de todas as suas ações. E nem mesmo a relação com os inimigos deverá ser uma exceção. Quem é humano até ao fim respeita a dignidade do inimigo, por muito desfigurada que nos possa apresentar. Não adota ante ele uma postura de exclusão de quem amaldiçoa, mas uma atitude de bênção.

E é precisamente este amor, que alcança a todos e procura realmente o bem de todos, sem exceção, o contributo mais humano que pode ser introduzido na sociedade por aqueles que se inspiram no Evangelho de Jesus.

Há situações em que este amor pelo inimigo parece impossível. Estamos demasiado feridos para perdoar. Necessitamos de tempo para recuperar a paz. É o momento de recordar que também nós vivemos da paciência e do perdão de Deus.

José Antônio Pagola

Tradução de Antônio Manuel Álvarez Perez

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2025

De que você ‘abre mão’ em vista de salvar a própria vida?

De que você ‘abre mão’ em vista de salvar a própria vida? | 630 | 21.02.2025 | Marcos 8,34-9,1

Depois do papel contraditório de Pedro diante da pergunta de Jesus sobre o que os discípulos pensavam dele, Jesus faz um convite público ao discipulado, colocando também sua exigência fundamental: “Quem quiser vir após mim tome sua cruz e siga-me”. Até esse momento, Pedro não é modelo que outros podem tomar para si mesmos.

Naquele tempo, a semântica da cruz era claramente política: a crucifixão era a pena de morte que o Império Romano impunha aos revoltosos das classes populares e aos escravos fugitivos. Carregar a cruz fazia parte do rito de condenação política: desfilando publicamente com a cruz às costas, o condenado ajudava a divulgar a ideia de que ele era mesmo um criminoso.

Por isso, tomar a cruz e carregá-la atrás de Jesus significa aceitar ser marginalizado pelo sistema injusto que legitima a injustiça. Na mesma linha está a exigência de “renunciar a si mesmo”: faz parte do estímulo aos soldados temerosos diante de uma batalha iminente. Quem se deixa tomar pelo medo, acaba fortalecendo quem intimida. Um soldado deve “morrer pela pátria ou viver sem razões”.

A ameaça de morte é a extrema manifestação de poder. O medo diante dessa ameaça mantém intacto o poder dos dominadores. Resistindo ao medo e assumindo a prática alternativa do Reino de Deus, mesmo que isso custe a própria vida, os seguidores de Jesus contribuem para a superação da injusta ordem dominante.

Questionando o que adianta ganhar “mundos e fundos” e perder a vida, e perguntando o que uma pessoa estaria disposta a dar em troca da vida, Jesus sublinha que a fidelidade a ele não tem preço. Sua proposta é o confronto com as instituições e grupos que oprimem, e não a adequação medrosa e infantil a elas. Assim, quem quiser seguir Jesus precisa identificar-se com se programa “subversivo”.

A “prova dos nove” do discípulo será sua atitude diante das autoridades. Quem renuncia a si mesmo acabará naturalmente carregando a cruz da perseguição e da execração pública, mas terá exatamente nisso a sua grandeza. O próprio Jesus se orgulhará de tê-lo como amigo e discípulo e o defenderá. E isso pode significar reconhecer e testemunhar o Reino de Deus se realizando com força e clareza, ainda em vida.

    

Meditação:

§ Releia o texto frase por frase, percebendo o significado político e social das expressões utilizadas por Jesus

§ O que você está disposto a dar para conservar sua vida? O que você estaria disposto a fazer para que venha o Reino de Deus?

§ Quais são as consequências dessas exigências de Jesus para quem adere ele e deseja seguir seus passos hoje?

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2025

Quem quer seguir Jesus precisa carregar sua própria cruz

Quem quer seguir Jesus precisa carregar sua própria cruz | 629 | 20.02.2025 | Marcos 8,27-33

Esta reflexão descreve a cegueira de Pedro. Ele não entende a proposta de Jesus quando fala do sofrimento e da cruz. Pedro aceita Jesus como messias, mas não como messias sofredor. Ele está influenciado pela propaganda do governo da época que só falava do messias como rei glorioso. Pedro parece cego. Não enxerga nada e ainda quer que Jesus seja como ele deseja.

Jesus pergunta: “Quem diz o povo que eu sou?” Eles respondem relatando as várias opiniões do povo: “João Batista”, “Elias ou um dos profetas”. Depois de ouvir as opiniões dos outros, Jesus pergunta: “E vocês, quem dizem que eu sou?” Pedro responde: “Tu és o Cristo, o Messias”. Isto é, aquele que o povo está esperando.

Jesus concorda com Pedro, mas proíbe que ele fale sobre isso ao povo. Por que Jesus faz essa interdição? É que naquele tempo, todos esperavam a vinda do messias, mas cada um do seu jeito: uns como rei, outros como sacerdote, como como doutor, como guerreiro, juiz ou profeta. Ninguém parecia estar esperando o messias servidor, anunciado por Isaías (Is 42,1-9).

Jesus começa a ensinar que ele é o Messias Servidor e afirma que, como o Messias Servidor anunciado por Isaías, será preso e morto no exercício da sua missão de justiça. Pedro leva um susto, chama Jesus de lado para mudar sua ideia. E Jesus responde a Pedro: “Vá embora, Satanás. Você não pensa as coisas de Deus...”

Pedro pensava ter dado a resposta certa. De fato, ele disse a palavra certa “Tu és o Cristo”. Mas não lhe deu o sentido certo. Pedro não entendeu Jesus. Era como o cego que Jesus encontrara em Betsaida. Trocava gente por árvore. A resposta de Jesus foi duríssima “Vá embora, Satanás”. Satanás é uma palavra para designar aquele que afasta os outros do caminho de Deus. Ninguém pode afastar Jesus da sua missão.

Jesus tira as conclusões que valem até hoje. “Quem quiser vir após mim tome sua cruz e siga-me”. Naquele tempo, a cruz era a pena de morte que o Império Romano impunha aos marginais. Tomar a cruz e carregá-la atrás de Jesus era o mesmo que aceitar ser marginalizado pelo sistema injusto que legitimava a injustiça.

    

Meditação:

§ Releia o texto e contemple a cena, participando dela, observando os personagens e interagindo com eles

§ Aquilo que você diz e ensina sobre Jesus brota da sua experiência e meditação, ou é apenas repetição daquilo que outros disseram?

§ Quem é mesmo Jesus para você, que lugar ele ocupa na sua vida, e qual a relevância do projeto dele para você?

terça-feira, 18 de fevereiro de 2025

As pessoas não são árvores que andam

As pessoas não são árvores que andam, mas irmãos e irmãs | 628 | 19.02.2025 | Marcos 8,22-26

No trecho do evangelho de ontem, estando no barco com seus discípulos, Jesus os adverte sobre o risco de se deixar contaminar com o “fermento” dos fariseus e de Herodes: a ideologia que leva à separação orgulhosa e à deterioração das relações, enquanto que o “fermento” do Reino de Deus leva à aproximação solidária.

Jesus também questionava seus discípulos, pois eles demonstram que não conseguem compreender o significado nem assumir as consequências do gesto da distribuição dos pães e peixes para os pagãos. Para Jesus, eles parecem ter ouvidos, mas não ouvem; demonstram ter olhos, mas não conseguem ver nada.

No episódio de hoje, algumas pessoas levam um cego, pedindo que Jesus o toque e cure. Isso acontece no povoado de Betsaida. Jesus toma o cego pela mão e o conduz para fora do povoado, como que libertando-o da visão estreita e fechada que uma cidade murada impõe aos seus habitantes. Depois, com a saliva e a terra, faz barro e impõe sobre os olhos dele.

Com isso, Jesus desafia a lei da pureza, o veneno que torna cegas as pessoas: primeiro, pegando o cego pela mão, Jesus adquire sua impureza; depois, colocando terra com saliva sobre os olhos do cego, contamina ele com a impureza da saliva. São estes gestos e ações que aproximam as pessoas e eliminam distâncias, derrubam muros e desfazem hierarquias e vão abrindo os olhos dos cegos.

No centro da cena está uma pergunta, dirigida aos discípulos e discípulas de todos os tempos: “Estás vendo alguma coisa?” É claro que essa pergunta não se refere apenas à visão física. A questão mais relevante é ‘como’ vemos as pessoas, acontecimentos e coisas: com um olhar de indiferença, de cobiça, de desprezo, de posse? Ou conseguimos ver em cada pessoa, um irmão ou uma irmã?

E o que vemos quando olhamos para a Igreja? Uma espécie de supermercado religioso, onde vou me servir dos artigos que me interessam, para consumi-los solitariamente, disposto inclusive a pagar para adquiri-los, mas recusando qualquer compromisso? E como vejo o Estado? Como uma caixa-forte à qual sonego o que devo e da qual extraio tudo o que me for possível?

    

Meditação:

·    Releia a cena com a inteligência e o coração, procurando inserir-se nela e interagir com os diversos personagens

·    Será que também nós estamos cegos e surdos, incapazes de ouvir a novidade do Evangelho e de ver as pessoas com o olhar de Deus

·    O que você está vendo de mais verdadeiro e relevante hoje, na Igreja e na sociedade? Você consegue ver os outros como irmãos e próximos, ou os trata apenas como um número ou um atrapalho?