sábado, 15 de fevereiro de 2025

Bem-aventuranças e desventuras

LEVAR OS POBRES A SÉRIO

Habituados a ouvir as bem-aventuranças tal como aparecem no evangelho de Mateus, é difícil para nós, cristãos dos países ricos, ler o texto que Lucas nos oferece. Aparentemente, este evangelista – e não poucos dos seus leitores – pertencia a uma classe rica. Contudo, longe de suavizar a mensagem de Jesus, Lucas apresenta-a de forma mais provocadora.

Juntamente com as bem-aventuranças aos pobres, o evangelista recorda as desventuras aos ricos: «Bem-aventurados os pobres... os que agora têm fome... os que agora choram», mas, «aí de vós, os ricos... os que agora estão satisfeitos... os que agora se riem».

O Evangelho não pode ser ouvido da mesma forma por todos. Enquanto para os pobres é uma Boa Nova que os convida à esperança, para os ricos é uma ameaça que os chama à conversão. Como escutar esta mensagem nas nossas comunidades cristãs?

Em primeiro lugar, Jesus coloca-nos a todos diante da realidade mais sangrenta do mundo, a que mais o faz sofrer, a que mais atinge o coração de Deus, a que está mais presente diante dos seus olhos. Uma realidade que, nos países ricos, tentamos ignorar, encobrindo de mil maneiras as mais cruéis injustiças, de que em grande parte somos cúmplices.

Queremos continuar a alimentar o autoengano ou abrir os olhos para a realidade dos pobres? Temos vontade de verdade? Será que algum dia levaremos a sério essa imensa maioria dos que vivem subnutridos e sem dignidade, os que não têm voz nem poder, os que não contam para a nossa marcha para o bem-estar?

Nós, cristãos, não descobrimos ainda a importância que podem ter os pobres na história do cristianismo. Dão-nos mais luz do que ninguém para vermos na nossa própria verdade, abalam a nossa consciência e nos convidam à conversão. Podem ajudar-nos a configurar a Igreja do futuro de uma forma mais evangélica. Podem tornar-nos mais humanos: mais capazes de austeridade, solidariedade e generosidade.

O abismo que separa ricos e pobres continua a crescer de forma imparável. No futuro será cada vez mais difícil apresentarmo-nos ao mundo como a Igreja de Jesus, ignorando os mais fracos e indefesos da Terra. Ou levamos a sério os pobres ou esquecemos o Evangelho. Nos países ricos será cada vez mais difícil ouvirmos o aviso de Jesus: «Não se pode servir a Deus e ao Dinheiro». Tornar-se-á insuportável para nós.

José Antônio Pagola

Tradução de Antônio Manuel Álvarez Perez

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