Máscaras que desmascaram as assimetrias
sociais
O paradoxo é simbólico e
ao mesmo tempo eloquente. A multidão mascarada pelas ruas e praças do mundo
inteiro desmascara (e escancara) as assimetrias entre continentes, áreas
geográficas, países e regiões no interior de cada nação. Em casos extremos como
o Brasil, estima-se que o grupo minoritário que integra 1% da população contém
riqueza superior à metade mais pobre dos habitantes. Ou ainda, a renda média
desse mesmo grupo privilegiado ultrapassa a casa dos 35 mil reais por mês,
enquanto os mais pobres ficam, em média, com menos de mil reais mensais. Uma diferença
que gira em torno de 40 vezes.
As distorções do sistema
econômico, porém, se agravam com a situação de crise prolongada, por causa da
pandemia. O vírus das disparidades torna-se mais agressivo e venenoso.
Amplia-se simultaneamente a concentração de renda, por um lado, e a exclusão
social, por outro. Aqui não se trata de um vírus que veio de fora, mas de uma
enfermidade crônica que se instala no próprio organismo vivo que é o meio de
produção capitalista. Lucros aritmeticamente progressivos e acumulação do
capital são ingredientes que, desde a origem, fazem parte de seu DNA. O
crescimento da economia, por si só, sofre de uma disfunção congênita e
hereditária. A riqueza produzida acaba sendo drenada para o topo da pirâmide
social, restando para os moradores dos andares de baixo raras e parcas
migalhas.
Semelhante estado de
coisas contradiz frontalmente o conceito de “desenvolvimento” que caracteriza o
conteúdo da Carta Encíclica PopulorumProgressio
(PP, 1967), publicada pelo então Papa
Paulo VI. Trata-se de uma espécie de segundo capítulo da Constituição Pastoral Gaudium et Spes (GS, 1965), aprovada pelo Concílio Vaticano II. Ambos os documentos,
de resto, têm a marca registrada do Cardeal João Batista Montini, eleito para a
cátedra de Pedro após a morte do Papa João XXIII, durante os trabalhos do
Concílio. Montini escolheu para o seu pontificado justamente o nome de Paulo
VI.
Tanto a GS quanto a PP alertam para um crescimento baseado na concorrência predadora e desleal,
puramente acumulativo. Tal risco representa uma espécie de seleção natural de
Darwin aplicada à economia. Vencem os mais fortes, ao passo que os mais fracos
vão ficando para trás, à beira da estrada e da vida. É como juntar galinhas e
raposas dentro do mesmo galinheiro, ou tubarões e sardinhas no interior do mesmo
aquário. Um de seus subtítulos mais proféticos diz textualmente: “o
desenvolvimento é o novo nome da paz”. “Desenvolvimento do homem todo e de
todos os homens”, “desenvolvimento integral”. Com esta expressão, o pontífice
referia-se a um crescimento econômico seguido de justa e equitativa distribuição
de renda. Os frutos do trabalho coletivo não podem ser individualmente apropriados.
O bem-estar comum e o trabalho devem ter primazia sobre a acumulação privada do
capital. Mais tarde escreverá João Paulo II: “sob toda a propriedade privada pesa
uma hipoteca social”.
Tais considerações
desmentem a falácia de que o mais importante é o crescimento do Produto Interno
Bruto (PIB), o qual representa a soma de todas as riquezas produzidas por
determinada sociedade. Não é verdade que quando o PIB sobe a população se torna
mais rica. A riqueza produzida, como vimos, é canalizada para o andar de cima
da pirâmide social, deixando a base cada vez mais marginalizada. Toda crise traz
o efeito perverso de reforçar esse desequilíbrio, tornando “os ricos cada vez
mais ricos às custas dos pobres cada vez mais pobres”, diz ainda João Paulo II,
em visita ao México. Nessa guerra darwinista, os primeiros a tombarem são os
mais frágeis. Rostos lembrados pelo Documento de Puebla, de 1979 (DP, n. 30 a 39). Mas eles se atualizam:
além dos indígenas, afro-americanos, crianças e mulheres, devemos incluir os
migrantes, refugiados e indocumentados!... E também os trabalhadores informais,
temporários, autônomos!... Uma imensa multidão anônima navega na órbita do
capital, tentando se manter com as sobras da caridade. Onde estão as políticas
públicas para essa população!
Pe. Alfredo J. Gonçalves, cs
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