Não deixemos que nos roubem a venturosa alegria da missão!
A Igreja católica
tomou consciência de que a missão faz parte do seu código genético, e proclama
que esta não é apenas uma entre suas
múltiplas tarefas, nem uma responsabilidade de apenas algumas pessoas. Na Conferência de Aparecida, os bispos da
América Latina e do Caribe colocaram a missão no centro das preocupações da
Igreja e convocaram todos os cristãos a serem discípulos missionários de Jesus
Cristo. Na mensagem para o Dia Mundial
das Missões, o Papa insiste: “É Cristo que faz sair a
Igreja de si mesma!”
Na perspectiva do
evangelho do 27° domingo, a missão não consiste propriamente em semear a mensagem
do Reino de Deus onde o cristianismo ainda não lançou raízes, mas em ir aos
“arrendatários da vinha do Senhor” para recolher os frutos esperados. Como
missionários, somos enviados àqueles que foram investidos de autoridade ou
ocupam posições de liderança política, social e religiosa para verificar se
realmente se dedicam ao povo e defendem sua dignidade, ou ir àqueles que se
apropriaram indevidamente da vinha do Senhor. Trata-se de uma missão espiritual
e evangélica, mas com uma clara dimensão crítica e profética!
Esta missão é tão
urgente quanto difícil e conflituosa. Na parábola, Jesus menciona as agressões
e espancamentos sofridos pelas pessoas enviadas. Quando os missionários não se
limitam a propor doutrinas e celebrar ritos, correm o risco de se tornar
pessoas indesejáveis e sofrer violências nas mãos dos ‘malvadamente maus’ ou
dos ‘canalhas’, como diz o evangelista. A história remota e recente também
registra as calúnias e torturas, as prisões e o martírio sofridos pelos
profetas e testemunhas. Em alguns países da África e do Oriente Médio, mas não
só, isso continua terrivelmente atual. O Pe. Júlio Lancelotti que o diga!
Tenhamos bem claro: a
missão, como a entendemos hoje, não consiste em colher frutos para a
instituição eclesial ou multiplicar suas agências, mas em cobrar o
estabelecimento do direito de Deus no mundo: a implantação da justiça para os
pobres, o reconhecimento da dignidade dos desprezados, a prioridade social dos
últimos, o cuidado e a bondade gratuita para com todas as criaturas. Se estes
frutos não forem encontrados, o Reino de Deus deve ser subtraído às elites e
autoridades constituídas e entregue a pessoas, grupos e movimentos que produzam
esses frutos, participem ou não dos nossos cultos e catequeses.
Jesus é o missionário
enviado pelo Pai, modelo e o caminho de todos os/as missionários/as. Ele não se
negou a pagar o preço que a missão lhe exigiu: foi caluniado, desprezado,
descartado e crucificado. Foi tratado como uma pedra descartada porque
considerada sem valor, inadequada e problemática pelos projetos de dominação e
exclusão. Essa rejeição indesejada acabou revelando sua opção pessoal e o princípio
norteador da sua vida. Nas Palavras do Papa Francisco: “a missão da Igreja encoraja a uma atitude de peregrinação contínua através
dos vários desertos da vida, das várias experiências de fome e sede de verdade
e justiça.”
O princípio norteador
da missão de Jesus e dos seus discípulos/as é sair solidariamente ao encontro
dos rejeitados e excluídos para estabelecer, em nome do Pai que os/as envia,
uma primazia e uma dignidade que jamais prescreve: os grupos humanos e sociais
aparentemente problemáticos e disfuncionais são a pedra-de-toque do Reino de
Deus. Sem o anúncio de uma Boa Notícia aos pobres e sem a reversão social que coloca
os últimos em primeiro lugar, não há Igreja nem missão fiéis a Jesus. É daqui
que brota a alegria cristã, alegria inerente ao Evangelho, como vem sublinhando
insistentemente o papa Francisco.
Esta é a perspectiva
de todo trabalho autenticamente missionário: subverter os esquemas, inverter as
prioridades, afirmar os excluídos como indispensáveis no projeto de um mundo
que deseje ser humano. É nisso que a Igreja precisa empenhar continuamente
todos os seus membros, todos os seus esforços e os melhores meios de que
dispõe. A missão segue seu caminho de baixo para cima, da periferia para o
centro, dos últimos para os primeiros. A parábola da pedra rejeitada pelos
grandes e recolocada por Deus no centro, é a parábola da missão. Não deixemos
que nos roubem essa genuína alegria!
Deus pai e mãe, cuidador e amante apaixonado da tua
vinha: continua a suscitar homens e mulheres conscientes da própria fragilidade
e da força do teu amor, e envia-os para cuidar do teu povo. Que eles/as não
desanimem quando forem tratados/as como pedras inúteis na construção de muros.
Que eles/as sintam a companhia inspiradora de Agostinho, Teresinha, André,
Ambrósio, Mateus, Francisco e tantos outros. E que esta comunidade que nasce do
lado aberto do teu filho empenhe seus melhores membros e meios na missão de
testemunhar a comunhão fraterna e de anunciar a boa notícia aos pobres. Assim
seja! Amém!
Itacir Brassiani msf
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