Na força da Palavra, reconciliemos este mundo dividido!
Predomina hoje o
sentimento de que o ‘outro’ é o nosso inferno. O ideal parece ser viver, sofrer
e vencer sozinho, sem ninguém por perto para perturbar ou dividir o prêmio. A
experiência do inferno não está mais ligada à consciência do erro mas ao terror
de ser corrigido. É proibido importar-se com a vida do ‘outro’. Cada um/a
decide e age com absoluta autonomia, e ninguém pode contestar sua decisão e sua
ação. O inferno parece abrir suas portas somente quando alguém questiona nosso
comportamento, atitude ou ação.
Depois de ter dito que
o caminho que nos leva ao Reino de Deus é a acolhida solidaria dos pequenos;
que é preciso evitar ser pedra no caminho dos pequenos; que Deus age como um
pastor que, movido pelo amor, deixando em segundo lugar as noventa e nove
ovelhas seguras e saindo à procura daquela que está em situação de risco, no
evangelho deste domingo Jesus oferece à comunidade dos discípulos/as uma
proposta pedagógica para enfrentar os erros e defecções internas. “Se o teu
irmão pecar, vá e mostre o erro dele.”
Jesus dissera a Pedro:
“O que você ligar na terra será ligado no céu...” E este ministério é extensivo
a todos/as os/as que o reconhecem como Messias e seguem seus passos. Trata-se
de continuar sua missão de recriar laços, de aproximar pessoas entre si e com
Deus, de criar e fortalecer alianças, de renovar a face da terra na força do
seu Espírito. O objetivo da correção fraterna não é punir quem erra ou
construir a fama de quem denuncia, mas converter e reconciliar as pessoas e
grupos sociais que vivem tensões e divisões.
O que Jesus nos propõe
não é um procedimento jurídico mas uma
pedagogia, um caminho. E o primeiro passo desse caminho é tomar a
iniciativa e procurar discretamente a pessoa que nos atingiu ou prejudicou,
fazendo isso com a atitude do pastor que vai ao encontro da ovelha que se
perdeu e, quando a encontra, se alegra mais com ela do que com as noventa e
nove que não cometeram nenhum erro (cf. Mt 16,12-14). “Se ele lhe der ouvidos,
você terá ganho seu irmão.” Mas nem mesmo quando essa iniciativa não é bem
sucedida, não há razão para desistir. Jesus propõe uma tentativa
A segunda medida é
voltar ao irmão que pecou contra nós com uma ou duas pessoas que possam nos
ajudar a convencê-lo do erro e servir de testemunhas. Se, mesmo assim, ele não
aceitar esta segunda tentativa de correção fraterna, há uma terceira
possibilidade: comunicar à comunidade eclesial, pois ela recebeu a
responsabilidade ligar e desligar (cf. Mt 16,13-20). Se a ruptura se mantiver,
há ainda um último recurso: “Se nem mesmo à Igreja ele der ouvidos, seja
tratado como se fosse um pagão ou um cobrador de impostos.” Mas isso não
significaria tratá-lo como inimigo?
Certamente Jesus não
está pedindo que lavemos as mãos e, muito menos, que discriminemos ou
condenemos o irmão desencaminhado. Para os discípulos de Jesus, pagãos e
pecadores são terreno de missão, e tanto a conversão como o perdão supõem um
dinamismo ou uma base de sustentação. Este dinamismo se chama oração. A
conversão – a nossa e a dos outros! – deve ser cultivada no coração e buscada
na oração. Antes e acima de qualquer poder de ligar e desligar, ou de qualquer
vontade de punir aqueles/as que erram, deve estar sempre o desejo de concórdia,
o amor fraterno. Nada está acima disso: nem a doutrina das Igrejas, nem seus
interesses. “Quem ama o próximo cumpriu plenamente a lei”, diz São Paulo.
Sabemos por experiência
que algumas mudanças, aquelas que tocam a vida mais profundamente, são muito
exigentes e demoradas. Mas não são impossíveis. Por isso, Jesus conclui sua
proposta pedagógica de correção fraterna sublinhando a importância da
convergência de interesses e de projetos na oração. “Se dois de vocês na terra
estiverem de acordo sobre qualquer coisa que queiram pedir, isso lhes será
concedido por meu Pai que está no céu.” Daí a necessidade de recorrer a todas as
tentativas ou passos indicados. Uma comunidade baseada na concórdia descobre e
exercita sua força de reconciliação.
Deus pai e mãe, tu inclinas o ouvido para ouvir nossos
clamores e desces para orientar nossos passos. Somos membros do teu povo,
ovelhas do teu rebanho. Tua Palavra é luz que dá cor às nossas buscas, é
lâmpada que orienta nossos passos. Por ela tu nos confias o dinamismo da
reconciliação e nos ensinas que o amor à nossa ‘pátria amada’ não pode ter
primazia sobre a sede de justiça e de concórdia, que estão acima das fronteiras
nacionais e políticas. Abre nossos ouvidos a esta Palavra e faz da tua Igreja
uma comunidade radicalmente empenhada na reconciliação da humanidade, hoje tão
dividida. Assim seja! Amém!
Itacir Brassiani msf
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