quinta-feira, 17 de setembro de 2020

ANO A | TEMPO COMUM | VIGÉSIMO-QUINTO DOMINGO | 20.09.2020

 A Palavra de Deus muda e alarga nossos critérios de justiça.

Avançamos setembro adentro e continua vivo o apelo a darmos uma atenção especial à Palavra de Deus. “Lâmpada para os meus passos é tua Palavra!” (Sl 119/118,105). Numa época em que a discussão sobre os direitos humanos, sociais, culturais, econômicos e ambientais continua sem consenso, o Evangelho de Jesus Cristo propõe uma Justiça que não se orienta pela meritocracia, e estabelece firmemente o direito dos sem-direito. A Palavra de Deus necessariamente alarga nossos critérios de avaliação e julgamento. É mesquinha a justiça que se propõe a dar a cada pessoa aquilo que lhe é devido, sempre estabelecido pelos dominadores.

A parábola do chefe de família que trata com igualdade seus empregados que trabalharam tempos desiguais está literariamente situada logo após o episódio do jovem rico (cf. Mt 19,16-26), aquele que não aceitara a proposta de partilha inerente à aceitação do Reino de Deus, e que provocara o desabafo de Jesus: “Dificilmente um rico entrará no Reino dos Céus!” (19,23). Jesus vai adiante, e nos propõe um horizonte mais amplo e um exemplo concreto. Na parábola em questão, o chefe de família garante a todos os empregados uma moeda de prata por dia, ou aquilo que é justo, que um trabalhado necessita para viver.

Alguns trabalhadores começam a trabalhar bem cedo, outros às nove horas, outros ao meio-dia, alguns às três, e outros somente às cinco horas da tarde. A todos, o chefe de família promete um pagamento justo. Enquanto uns labutam um dia inteiro sob as agruras do sol, outros dedicam ao trabalho para o qual foram contratados apenas algumas horas da tarde. O contratante dá ao administrador a ordem de começar o pagamento por aqueles que haviam trabalhado um tempo menor. Aqueles que haviam sido contratados às cinco da tarde se aproximam, sem grandes expectativas, mas cada um recebe uma moeda de prata!

Assistindo ao acerto de contas, e vendo o valor recebido por quem havia trabalhado apenas algumas horas, aqueles que haviam começado nas primeiras horas da manhã pensavam que necessariamente receberiam mais e inflacionaram as expectativas. Eles não ficam satisfeitos quando recebem o mesmo pagamento dado aos primeiros. À primeira vista, o protesto deles parece justo, e nosso desejo é fazer coro com eles. Afinal, fazer justiça não significa dar a cada um aquilo que ele merece? Não nos parece justo desconsiderar a diferença entre quem suportou o cansaço e o calor do dia inteiro e quem trabalhou apenas uma hora...

“Tu os igualaste a nós!” Este é o protesto daqueles que se acham no direito de receber mais. A questão não é se precisam ou não, se haviam combinado ou não um pagamento maior. A igualdade não lhes parece uma coisa justa. Não conseguem aceitar uma ética que tem como princípio estabelecer a igualdade fundamental de todos os seres humanos e garantir-lhes a vida mínima. Mas a Justiça do Reino, a Justiça de Jesus, considera que cada pessoa tem direito a receber aquilo que necessita para viver. Uma pessoa jamais perde a dignidade e o direito de ser respeitada e tratada como como sujeito de direitos.

Uma pergunta fica no ar: aqueles que se consideram os primeiros e têm dificuldade de aceitar que os últimos sejam igualados a eles não estariam com ciúme da generosidade de Deus? Jesus sublinha que Deus é Pai e sempre age guiado pela sua bondade e não pelos nossos merecimentos. Ele trata cada uma das suas criaturas segundo aquilo que necessitam, e não segundo estreitas leis que ditam o que elas fizeram por merecer. Não esqueçamos que é muito forte ainda hoje a tendência de imaginar um Deus que age com violenta frieza e pune os mais fracos, como se Deus fosse um simples reflexo das nossas relações excludentes e violentas.

Jesus Cristo não deixa dúvidas: Deus dá absoluta prioridade às pessoas e grupos que as sociedades costumam colocar em último lugar. “Comecem pelos últimos...” Este é o caminho que devem seguir os administradores públicos, eclesiais e privados! Este ensinamento é muito duro, pois contraria nossas convicções, e desafia as hierarquizações e os sistemas construídos sobre o princípio do mérito, que gostam de premiar algumas poucas pessoas bem-sucedidas e a culpar as maiorias, condenando-as a uma vida miserável.

Deus pai e mãe, bom e compassivo com todas as criaturas: que teu Espírito regue a semente da tua Palavra a fim de que ela germine e frutifique em nós! Que a tua justiça generosa ilumine nossos julgamentos. Que a prioridade dos últimos se faça verdade em todos os níveis. Que nós não poupemos esforços para defender os direitos dos humanos e de toda a criação, e entendamos que a posse de bens só é licita quando assegura a cada pessoa aquilo que ela necessita para viver dignamente.  Assim seja! Amém!

Itacir Brassiani msf

Profecia de Isaías 55,6-9 | Salmo 144 (145)

Carta de Paulo aos Filipenses 1,20-27 | Evangelho de São Mateus 20,1-16

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