Acolher a Palavra de Deus não nos faz ricos, mas fortes!
Estamos finalizando o
mês de setembro, que a Igreja dedica, há várias décadas, à recuperação da
relevância da Palavra de Deus na vida cristã. Jesus Cristo, a Palavra de Deus
feita carne e história, é sempre convite e apelo que traz a força daquele que a
pronuncia. Este convite tem autoridade e mobiliza porque vem de Alguém que se
faz um de nós, se torna igual a nós em tudo, assume e pronuncia a palavra do
simples ser humano, com seus sonhos e necessidades. Jesus é palavra que nos convoca
à responsabilidade pela nossa própria emancipação, mas também a assumir nossa
missão no mundo e na história.
A crítica de Jesus aos
fariseus, sacerdotes e doutores da lei é paradigmática, e nos coloca de sobreaviso.
Aqueles que se sentem orgulhosamente os primeiros ouvintes e os exemplares
praticantes da Palavra de Deus na verdade são como filhos que dizem sim à ordem do pai mas se recusam a
fazer o que ele pede. Todos corremos o risco de ficar na superfície, na
aparência deslumbrante e cômoda. Não faltam homens e mulheres de igreja que
estudam a Palavra de Deus, celebram como minuciosa atenção a liturgia, mas não
conseguem levar o Evangelho para fora do templo ou das suas casas.
E há outros que dizem não à Jesus Cristo e ao Reino de Deus,
mas só aparentemente: não frequentam muito assiduamente as celebrações; se
opõem abertamente à Igreja e às religiões; amargam experiências de pobreza,
marginalização e exclusão... Mas tantos deles se empenham de corpo e alma na
tarefa de humanizar o que lhes sobra de vida e de evitar que a sociedade se
corrompa ainda mais. Começam pelo círculo de pessoas que se congregam na
família e militam em associações, movimentos, sindicatos e organizações
solidárias. O não inicial e público
deles se revela um sim prático,
coerente e anônimo.
E há outras tantas
pessoas que sequer conseguem crer em si mesmas. Não se consideram merecedoras
de nada e parecem uma negação absoluta de tudo o que possa ser bom e desejável.
São como as prostitutas e os publicanos do tempo de Jesus. A estas pessoas, o
próprio Deus que diz um sim claro e
retumbante: sim à sua dignidade, sim à sua inclusão, sim ao seu desejo de uma vida mínima. Jesus Cristo é o sim de Deus às aspirações profundas da
humanidade, especialmente das diversas categorias de oprimidos! Essas pessoas
são acolhidas na primeira classe do Reino, tem primazia no sonho de Deus!
Vemos estarrecidos
hoje em nosso país o crescimento ostensivo de grupos religiosos e políticos que
gostam de anunciar, a torto e a direito, oportuno e inoportunamente, sua
identidade cristã, evangélica ou católica. Querem rebatizar o país e a
política, como se para isso bastasse dizer que cremos em Jesus. Muitos deles,
entretanto, não tem o mínimo escrúpulo de disseminar e preconceito ódio em
todas as suas manifestações, e, o pior, propor ou apoiar medidas políticas,
econômicas e sanitárias que jogam todo um povo e seus meios naturais nas cinzas
ou no limite da sobrevivência. O sim
que eles dizem é um não terrível e
mortal!
E há outros que
imaginam e ensinam que aderir ao que o Evangelho de Jesus nos propõe significa
pavimentar um caminho de prosperidade e sucesso, como se Jesus fosse um
empresário bem sucedido ou um sortudo a ganhar na mega-sena e não tivesse sido perseguido, torturado e executado na
cruz. Na carta aos Filipenses, Paulo não deixa dúvidas: seguir o caminho de
Jesus e desenvolver os seus sentimentos significa percorrer o belo caminho do
despojamento e da solidariedade, partilhando os clamores e lutas dos últimos da
sociedade.
Em Jesus de Nazaré,
Deus se faz avalista dos sonhos de dignidade, igualdade e liberdade que nos
habitam. Mas ele é também um sim ao
Pai, e isso se expressa, como ensina Paulo. No esvaziamento de toda
superioridade prepotente, na eliminação de todo “distanciamento prudente”, no
movimento de fazer-se próximo e ocupar um lugar ao lado dos últimos. Este
esvaziamento não é uma ascese vazia que despreza a vida, mas um movimento de
aproximação de tudo o que é humano, de amor ativo e solidário, de verdadeira
humanização. Somos convidados a assumir esta postura, este sentimento de Jesus.
Deus pai e mãe, através do teu filho e nosso irmão
Jesus continuas dirigindo-nos tua palavra-convocação. Às vezes esta palavra nos
desconcerta e inquieta. Teu filho parece exagerar quando afirma que as pessoas
tratadas como pecadoras precedem as ‘pessoas de bem’ no teu Reino. Isso às
vezes não nos parece justo. Que Ezequiel nos convença que errados estamos nós,
e não tu. Que os santos e santas, e a nuvem de testemunhas nos ensinem de que a
Justiça do Reino é um caminho possível, pois eles o percorreram. Assim seja!
Amém!
Itacir Brassiani msf
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