A
glória de Deus é o ser humano vivendo plenamente
Presépio permanente na "gruta dos pastores", em Belém |
Na longa
e bela meditação com a qual introduz sua versão da boa notícia de Deus, o
evangelista João deixa bem claro que a vida de Jesus não foi nem é uma
unanimidade, como pretende ser seu substituto comercial, o Papai Noel. O Verbo
de Deus veio como luz no meio das trevas, e estas não o dominam, mas também não
o reconhecem. Ele veio ocupar sua própria casa, mas seus parentes não o acolheram.
Mas Deus não desiste e, mesmo assim, faz-se carne e arma sua tenda no meio de
nós.
João diz
que Jesus nos revelou a glória de Deus, mas em que consiste concretamente esta glória? Na língua grega (doxa) e na língua hebraica (kabod) esta expressão traduz a idéia de
riqueza, esplendor, valor ou significado de uma pessoa. Quando vem referida a
Deus, glória expressa a ação salvadora de Deus e o respeito que devemos a ele.
Ver a glória de Deus significa testemunhar seus atos de compaixão e de
libertação em favor das pessoas humilhadas.
É
exatamente isso que Jesus Cristo nos revela, tanto no momento inicial da
encarnação como no desenrolar da sua vida, especialmente no alto da cruz. A
glória de Deus não é refém do santuário, nem paira por detrás de uma nuvem, mas
está na pesssoa e na ação de Jesus. Ele nos revela a dignidade do ser humano e
o respeito que lhe devemos. E manifesta também a verdade e a vontade de Deus,
que age no ritmo ditado pela compaixão e não conhece limites nem impõe
restrições.
Fazendo-se
carne e armando sua tenda no coração da história o Filho de Deus manifesta a
glória de Deus de uma forma nova, inesperada e inconfundível. A palavra ‘carne’
traduz o sentido de materialidade e vulnerabilidade, experiências próprias do
ser humano no mundo. A glória que Deus manifesta mediante Jesus não consiste em
dar ordens, caminhar sobre as águas, deslocar montanhas ou falar com
eloquência, mas em assumir solidariamente nossa humana condição.
Jesus faz
brilhar a glória de Deus esvaziando-se, assumindo a vulnerabilidade da qual
sempre queremos fugir, por vergonha ou por medo. Assim, ele revela aquilo que
somos realmente: seres limitados e necessitados do outro, abertos a uma
plenitude que nos falta. O conteúdo palpável
da glória de Deus é o amor concreto e universal que move a vida de Jesus e a sua
fidelidade intransigente neste dinamismo. O que começou como visita se
transforma em moradia.
A
encarnação, com tudo o que implica em termos históricos e antropológicos, é o
desejo mais profundo de Deus e meta à qual tende. Este é o primeiro ensinamento de Deus e a boa notícia anunciada pelos passos
belos e apressados dos mensageiros visualizados por Isaías. É essa revelação
que faz os guardas cantar de alegria e provoca júbilo até nas ruínas
aparentemente mortas da cidade. É isso que faz um povo cansado e abatido
explodir de alegria.
Um segundo ensinamento que Deus nos dá
mediante o Natal é que ele estima e ama profundamente a humanidade e cada ser
humano, a começar por Maria, humilhada e desprezada. Se por Moisés nós
recebemos uma lei que orienta, mas que também limita e oprime, em Jesus Cristo
Deus nos dá a graça a verdade. “De sua plenitude todos nós recebemos, graça por
graça.” Em Deus, a primazia é do amor; as exigências e mandamentos vêm depois
da graça, como resposta, e não como pressuposto.
Uma terceira lição que Deus nos dá no Natal
é que seu amor – e todo amor – muda a lógica convencional: a lógica matemática,
que analisa tudo como causa ou efeito; a lógica do mérito e da culpa, que
premia e castiga; a lógica da competição que vence e elimina; a lógica que
valoriza os inteligentes, fortes, ricos e virtuosos. Deus ensina que os últimos
são os primeiros, que as pessoas que servem são as mais importantes, que as que
se esvaziam por amor estão plenas de glória.
Aqui estamos, Deus Pai-Mãe, ajoelhados e
maravilhados diante do que nos dás a conhecer sobre ti mesmo e sobre nossa
dignidade no mistério do nascimento do teu Filho e nosso Irmão. Te agradecemos
imensamente porque transformaste nossa frágil carne na tua amada tenda, na meta
final de todos os teus desejos. Obrigado porque manifestas tua glória dando-nos
dignidade e vida plena! Obrigado porque nos introduzes numa outra lógica, a
lógica da compaixão, da colaboração e da graça, que supera a maldita lógica da
competição e do mérito! Obrigado por este precioso presente: vieste como visita
e decidiste permanecer para sempre conosco! Assim seja! Amém!
Pe. Itacir Brassiani msf
(Isaías 52,7-10
* Salmo 97 (98) * Carta aos Hebreus 1,1-6 * João 1,1-18)
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