O risco de morrer com aqueles
que partem
Muita
coisa mudou ultimamente também no que se refere ao modo de enfrentar a morte.
Restam poucos sinais daquilo que, pouco tempo faz, chamávamos de luto. E aqui
não estou me referindo aos trajes escuros que os parentes de um finado usavam
durante quarenta dias ou mais, mas àquele tempo necessário para assimilar uma
perda significativa e acolher uma herança humana e espiritual. Num tempo que
parece se precipar sobre os seres humanos para devorá-los, doença, morte e
despedida são vistos como momentos fugazes que não podem estrapolar a agenda de uma semana.
Em que
medida as pessoas consagradas conseguem distrair ou despistar a ação do Kronos, esta divindade niveladora e devoradora, sobre nossa vida? Penso que também nós caímos na sua terrível armadilha, mesmo
que procuremos apresentá-la como saudável e confortável habitação, revestindo-a com
os arranjos tomados de empréstimo ao comportamento-padrão. Em nome de um pretensamente
sadio realismo, por ocasião da definitiva e exigente passagem de um coirmão dispensamos
as missas de sétimo e trigésimo dia e nos entregamos com sofreguidão às
cotidianas atividades, inclusive aquelas carimbadas como apostólicas, com a
desculpa esfarrapada de que a vida continua.
Não seria
o caso de se perguntar se este comportamento ajuda ou dificulta nosso processo de
emancipação e humanização? Não seria este um artifício para consolidar o mito
da vida sem ocaso e para não encarar com objetividade nossa temível vulnerabilidade?
Menosprezando e evitando os ritos e espaços que nos possibilitariam assimilar
pedagogicamente as perdas significativas e acolher responsavelmente a herança
que as pessoas queridas nos deixam não estaríamos dando passos rumo a uma vida
que não passa de uma sucessão fortuita de momentos horizontais e vazios? E esvaziando
a vida das pessoas que partem, reduzindo-as a uma simples data de nascimento e de
morte, não estaríamos cavando nossa própria sepultura e nulidade?
Estas perguntas me vieram à mente a partir daquilo que ouvi hoje no
encontro da nossa Comunidade religiosa de Passo Fundo, por ocasião da avaliação
do ano. A doença e a partida dos cinco coirmãos queridos foi citada pela
maioria dos colegas como o aspecto mais denso e significativo deste ano. Mas me
parece que esta densidade resultou em pouca partilha, poucos gestos e símbolos –
em parca linguagem! – que pudessem nos auxiliar na elaboração das perdas e do enriquecimento que nos possibilitaram, assim como daquilo que nos revelaram e ensinaram
sobre nós mesmos. Nem lembranças, nem celebrações especiais, nem visitas. Não
há aqui o risco de matar definitivamente aqueles que se foram, e morrer
antecipadamente com eles?
Itacir Brassiani msf
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