segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

Pe. Rodolpho Ceolin msf: um auto-retrato (1)

Pe. Ceolin: um auto-retrato provisório (I)

Há poucos dias tive a oportunidade de reler o Projeto de Vida que o Pe. Ceolin escreveu para guiar sua vida no ano 2000 e que, naquele ano, partilhou frequentemente comigo. Do texto, marcadamente pessoal como é todo projeto de vida, extraio vários parágrafos que trazem à luz aspectos importantes da sua personalidade e do credo que deu sentido e orientou sua vida. E o faço não apenas para honrar esse valoroso e saudoso coirmão mas, principalmente, como estímulo para que não deixemos de tomar nas próprias mãos nosso processo permanente de connversão, cultivo e crescimento. Partilharei isso numa série de quatro breves textos.

Comecemos pelas notas com as quais o Pe. Rodolpho responde à pergunta “quem sou eu?” Como sempre ocorre nestas circunstâncias, ele escolheu, entre os tantos fatos que compõem sua biografia, aqueles que, para ele mesmo, tinham um significado especial e relevante.  Começa assim: “Nasci dos 10 de fevereiro de 1930, filho de Ângelo Ceolin e de Carolina Andres. Recebi o nome de Rodolpho. Sou natural da Comunidade de Fontana Fredda. Com dois anos, passei a residir na Linha Sete – Carlos Gomes. Sou oriundo de Jaguari (RS). Deus me brindou com quatro irmãos: Sueli Maria (1932), Neli Elisa (1935), Ermindo Antônio (1939) e Maria Helena (1944). Minha etnia é uma mescla de italiano com alemão. Sou filho de agricultores, inicialmente muito pobres.”

Em seguida, registra um acontecimento familiar que partilhava frequentemente com os coirmãos mais próximos: “Quando tinha seis anos de idade, papai sofreu um sério acidente com a explosão de um dinamite, no qual perdeu a mão e o olho esquerdos. Isso ocorreu quando nos preparávamos para mudar para a região de campo. Em razão do acidente, meus pais decidiram permanecer em Carlos Gomes. Construíram casa junto à escola e à igreja...” Ao que parece, não sem uma certa dor, ele atribuía a este acidente a causa de a família ter permanecido na agricultura de subsistência e de não ter tentado a possibilidade de um crescimento patrimonial mais significativo na região da campanha.

Na sequência, o Pe. Ceolin descreve brevemente a ventura de ser cristão. Chamam a atenção as referências ao tio Rodolpho e ao tio-avô Luiz, personagens que ele considerava importantes no se processo de crescimento na fé. “Desde o dia 10 de março de 1930 sou Cristão e membro da Igreja Católica Romana. Aos sete anos ingressei na escola. Tio Rodolpho Andres foi meu professor. Aos onze anos (01.05.1941) fiz a primeira eucaristia. Logo a seguir fui escolhido como coroinha, substituindo meu velho tio-avô Luiz Ceolin, que exercita este ministério desde longa data.” O Ceolin considerava a data do batismo tão importante como a do nascimento, e isso aparece nas entrelinhas das notas que ele registrou, no hospital, no dia 10 de março de 2013, já bastante fragilizado e poucos meses antes do falecimento.

Segundo seu próprio relato, a inquietação vocacional do Pe. Ceolin começou muito cedo. Também neste caso, a ajuda de um parente foi importante, ao menos do ponto de vista prático. “Com doze anos comecei a pensar em tornar-me sacerdote. Com a intermediação de José Turchiello, meu primo e seminarista, parti de casa no dia 11 de fevereiro de 1943 com destino à Escola Apostólica Sagrada Família, em Santo Ângelo, da qual fui expulso em janeiro de 1946. Tendo a direção do Seminário reconsiderado a minha expulsão, retornei em março do mesmo ano.” Ao lado do acidente com o pai e da ausência involuntária da mãe na missa da sua ordenação, o Pe. Ceolin sempre citava a expulsão do seminário como um dos fatos mais dolorosos, que às vezes qualificava até de revoltantes, da sua vida. A luta para curar as feridas que estes fatos provocaram durou a vida inteira...

Deixemos que ele continue nos contando a história que ajuda a responder a pergunta sobre quem é o Pe. Ceolin. Os destaques em negrito são dele mesmo. “Em 1949 concluí o segundo grau e fui admitido ao noviciado, iniciando-o no dia em que completei vinte anos de idade. Assim, desde 11 de fevereiro de 1951, pela emissão dos votos, sou também Religioso Missionário da Sagrada Família. Concluído o noviciado e emitidos os votos, de imediato iniciei os estudos filosóficos no Escolasticado São José, em Passo Fundo. Em 11 de fevereiro de 1954 emiti os votos perpétuos. Concluída a teologia, fui ordenado presbítero em Tapejara, sem poder contar com a presença de minha mãe, o que originou em mim uma profunda revolta contra meus superiores maiores.” No Projeto de Vida de 1999 ele escreveu a respeito da ordenação: “No dia 25.11.1956, com alegria e emoção incomuns, recebi o sacramento do presbiterato na Igreja matriz de Tapejara, das mãos de Dom Cláudio Colling. Minha alegria teria sido ainda maior se mamãe estivesse presente.”  E acrescenta, sem maiores explicações: “Esta dor foi providencial!...”

O Pe. Rodolpho faz questão de registrar as crises pelas quais passou, e onde encontrou ajuda para superá-las. “Durante a vida, passei por duas crises vocacionais gravíssimas, aos quarenta e aos sessenta anos de idade. Nas duas, Deus foi simplesmente admirável comigo. Extraordinariamente, surgiram os retiros de Pascoalização, a psico-terapia e a ajuda de algumas pessoas e de coirmãos amigos. Assim, e com a força provinda de muita oração pessoal e de amigos, superei as angústias e dúvidas, decidindo-me a permanecer religioso e presbítero com motivações renovadas, graças ao bom Deus!

Sobre as crises e superações, no Projeto de Vida de 1999, o Ceolin diz: “O Senhor concedeu-me a graça da perseverança e de traçar motivações renovadas para prosseguir nos MSF...”, acrescentando sem falsa modéstia, “aos quais já dei muito de mim...”  Fica clara a convicção de que a perseverança vocacional é sempre graça de Deus, pois ele é fiel, e, ao mesmo tempo, responsabilidade pessoal na busca de motivações renovadas. Com estas referências às crises e ajudas, ele conclui seu breve relato auto-biográfico sem qualquer referência às importantes funções que assumiu na congregação, como se isso fosse de menor importância. Será que ele não quer nos dizer que, do ponto de vista do amadurecimento humano e espiritual, assumir e enfrentar as crises é mais importante que desempenhar altas funções?

No Projeto de Vida de 1999 encontramos uma frase que expressa a delicadeza e a profundidade espiritual, conquistada não sem lutas e sempre de forma precária: “Ao perguntar-me ‘quem sou eu?’, de pronto aflora-me aos lábios esta resposta: sou um filho amado de Deus, sumamente agraciado por ele. Quem conhece a trajetória da minha vida certamente dirá o mesmo.”

Itacir Brassiani msf

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