Pe. Ceolin: um auto-retrato
provisório (I)
Há poucos
dias tive a oportunidade de reler o Projeto
de Vida que o Pe. Ceolin escreveu para guiar sua vida no ano 2000 e que,
naquele ano, partilhou frequentemente comigo. Do texto, marcadamente pessoal como
é todo projeto de vida, extraio vários parágrafos que trazem à luz aspectos
importantes da sua personalidade e do credo que deu sentido e orientou sua
vida. E o faço não apenas para honrar esse valoroso e saudoso coirmão mas,
principalmente, como estímulo para que não deixemos de tomar nas próprias mãos
nosso processo permanente de connversão, cultivo e crescimento. Partilharei
isso numa série de quatro breves textos.
Comecemos
pelas notas com as quais o Pe. Rodolpho responde à pergunta “quem sou eu?” Como
sempre ocorre nestas circunstâncias, ele escolheu, entre os tantos fatos que
compõem sua biografia, aqueles que, para ele mesmo, tinham um significado
especial e relevante. Começa assim: “Nasci
dos 10 de fevereiro de 1930, filho de Ângelo Ceolin e de Carolina Andres.
Recebi o nome de Rodolpho. Sou natural da Comunidade de Fontana Fredda. Com dois
anos, passei a residir na Linha Sete – Carlos Gomes. Sou oriundo de Jaguari
(RS). Deus me brindou com quatro irmãos: Sueli Maria (1932), Neli Elisa (1935),
Ermindo Antônio (1939) e Maria Helena (1944). Minha etnia é uma mescla de
italiano com alemão. Sou filho de agricultores, inicialmente muito pobres.”
Em
seguida, registra um acontecimento familiar que partilhava frequentemente com
os coirmãos mais próximos: “Quando tinha seis anos de idade, papai sofreu um
sério acidente com a explosão de um dinamite, no qual perdeu a mão e o olho
esquerdos. Isso ocorreu quando nos preparávamos para mudar para a região de
campo. Em razão do acidente, meus pais decidiram permanecer em Carlos Gomes.
Construíram casa junto à escola e à igreja...” Ao que parece, não sem uma certa
dor, ele atribuía a este acidente a causa de a família ter permanecido na
agricultura de subsistência e de não ter tentado a possibilidade de um
crescimento patrimonial mais significativo na região da campanha.
Na
sequência, o Pe. Ceolin descreve brevemente a ventura de ser cristão. Chamam a
atenção as referências ao tio Rodolpho e ao tio-avô Luiz, personagens que ele
considerava importantes no se processo de crescimento na fé. “Desde o dia 10 de
março de 1930 sou Cristão e membro da Igreja Católica Romana. Aos sete anos
ingressei na escola. Tio Rodolpho Andres foi meu professor. Aos onze anos
(01.05.1941) fiz a primeira eucaristia. Logo a seguir fui escolhido como
coroinha, substituindo meu velho tio-avô Luiz Ceolin, que exercita este
ministério desde longa data.” O Ceolin considerava a data do batismo tão
importante como a do nascimento, e isso aparece nas entrelinhas das notas que
ele registrou, no hospital, no dia 10 de março de 2013, já bastante fragilizado
e poucos meses antes do falecimento.
Segundo
seu próprio relato, a inquietação vocacional do Pe. Ceolin começou muito cedo. Também
neste caso, a ajuda de um parente foi importante, ao menos do ponto de vista
prático. “Com doze anos comecei a pensar em tornar-me sacerdote. Com a
intermediação de José Turchiello, meu primo e seminarista, parti de casa no dia
11 de fevereiro de 1943 com destino à Escola
Apostólica Sagrada Família, em Santo Ângelo, da qual fui expulso em janeiro
de 1946. Tendo a direção do Seminário reconsiderado a minha expulsão, retornei
em março do mesmo ano.” Ao lado do acidente com o pai e da ausência
involuntária da mãe na missa da sua ordenação, o Pe. Ceolin sempre citava a
expulsão do seminário como um dos fatos mais dolorosos, que às vezes qualificava
até de revoltantes, da sua vida. A luta para curar as feridas que estes fatos
provocaram durou a vida inteira...
Deixemos que
ele continue nos contando a história que ajuda a responder a pergunta sobre
quem é o Pe. Ceolin. Os destaques em negrito são dele mesmo. “Em 1949 concluí o
segundo grau e fui admitido ao noviciado, iniciando-o no dia em que completei
vinte anos de idade. Assim, desde 11 de fevereiro de 1951, pela emissão dos
votos, sou também Religioso Missionário da Sagrada Família. Concluído o noviciado
e emitidos os votos, de imediato iniciei os estudos filosóficos no
Escolasticado São José, em Passo Fundo. Em 11 de fevereiro de 1954 emiti os
votos perpétuos. Concluída a teologia, fui ordenado presbítero em Tapejara, sem
poder contar com a presença de minha mãe, o que originou em mim uma profunda
revolta contra meus superiores maiores.” No Projeto
de Vida de 1999 ele escreveu a respeito da ordenação: “No dia 25.11.1956,
com alegria e emoção incomuns, recebi o sacramento do presbiterato na Igreja matriz
de Tapejara, das mãos de Dom Cláudio Colling. Minha alegria teria sido ainda
maior se mamãe estivesse presente.” E
acrescenta, sem maiores explicações: “Esta dor foi providencial!...”
O Pe.
Rodolpho faz questão de registrar as crises pelas quais passou, e onde
encontrou ajuda para superá-las. “Durante a vida, passei por duas crises
vocacionais gravíssimas, aos quarenta e aos sessenta anos de idade. Nas duas,
Deus foi simplesmente admirável comigo. Extraordinariamente, surgiram os
retiros de Pascoalização, a psico-terapia e a ajuda de algumas pessoas e de
coirmãos amigos. Assim, e com a força provinda de muita oração pessoal e de
amigos, superei as angústias e dúvidas, decidindo-me a permanecer religioso e
presbítero com motivações renovadas, graças ao bom Deus!”
Sobre as
crises e superações, no Projeto de Vida de
1999, o Ceolin diz: “O Senhor concedeu-me a graça
da perseverança e de traçar motivações renovadas para
prosseguir nos MSF...”, acrescentando sem falsa modéstia, “aos quais já dei
muito de mim...” Fica clara a convicção
de que a perseverança vocacional é sempre graça de Deus, pois ele é fiel, e, ao
mesmo tempo, responsabilidade pessoal na busca de motivações renovadas. Com
estas referências às crises e ajudas, ele conclui seu breve relato auto-biográfico
sem qualquer referência às importantes funções que assumiu na congregação, como
se isso fosse de menor importância. Será que ele não quer nos dizer que, do
ponto de vista do amadurecimento humano e espiritual, assumir e enfrentar as
crises é mais importante que desempenhar altas funções?
No Projeto de Vida de 1999 encontramos uma
frase que expressa a delicadeza e a profundidade espiritual, conquistada não
sem lutas e sempre de forma precária: “Ao perguntar-me ‘quem sou eu?’, de
pronto aflora-me aos lábios esta resposta: sou um filho amado de Deus, sumamente
agraciado por ele. Quem conhece a trajetória da minha vida certamente
dirá o mesmo.”
Itacir Brassiani msf
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