Ajustemos
o olhar e reconheçamos os sinais do Reino!
A pergunta que João
Batista se faz na prisão expressa dúvidas, crises e angústias que nós também
conhecemos muito bem: “És tu aquele que há de vir, ou devemos esperar outro?”
Recolhido involuntariamente na solidão da sua cela e recebendo notícias sobre a
ação que Jesus começara a desenvolver, o profeta é rondado pela dúvida e pela
perplexidade. No ponto de vista do profeta encarcerado, faltavam os sinais do
fogo que queimaria os ímpios o do machado que golpearia as árvores estéreis. Um
Deus todo-poderoso não poderia demostrar compaixão e paciência...
Mas há uma diferença
entre nós e ele: o filho de Zacarias e Isabel ainda esperava a vinda do Messias
e a irrupção do Reino de Deus, enquanto que nós situamos este evento no
passado. A dúvida de João Batista nasce da grande diversidade de expectativas
messiânicas que existia no seu tempo, enquanto que a nossa crise vem
frequentemente da falta de sinais de mudança no curso da história, o que
suscita a pergunta: a vida, morte e ressurreição de Jesus provocou mesmo alguma
mudança? Imagino as perguntas e crises do grande e já saudoso Mandela, durante
os 26 anos de prisão...
Mesmo sem negarmos a
doutrina do retorno glorioso de Jesus no futuro, a verdade é que não jogamos
nisso todas as nossas fichas. Às vezes soa como uma piedosa metáfora o apelo a
preparar o coração para que nele Jesus possa nascer de novo. Estou entre os/a
que acreditam que o núcleo da nossa fé, o ponto em torno do qual giram os
demais elementos, é o reinado de Deus, a transformação radical da do mundo em
que vivemos: é isso que esperamos e é em vista de sua realização que empenhamos
nossa inteligência, nossa esperança, nosso amor e nossas estratégias.
A resposta de Jesus à
pergunta e aos mensageiros de João não é teórica ou doutrinal, mas testemunhal
e prática. Nos capítulos anteriores ao episódio que estamos mediatando, Lucas nos
brinda com uma série de várias ações simbólicas que Jesus realizara: a cura e
reinserção social de um leproso; a visita a casa de um pagão e cura de seu
empregado; a cura da sogra de Pedro e muitos outros doentes; o resgate da
personalidade de um endemoniado; a cura de um paralítico; as refeições com os
publicanos e pecadores; a cura de dois cegos (cf. Lc 8-9).
É por isso que Jesus
pode dizer aos discípulos de João Batista: “Ide contar a João o que estais ouvindo e vendo: cegos recuperam a vista, paralíticos andam, leprosos são
curados, surdos ouvem, mortos ressuscitam e aos pobres é anunciada a boa nova.”
Eram sinais que faziam lembrar algumas profeciais que animavam o povo de Israel
e eram repetidas pelos profetas e salmos: os olhos dos cegos se abrirão, assim
como os ouvidos dos surdos; a língua dos mudos cantará e o aleijado saltará de
alegria; rios de água correrão nas estepes e o deserto vai virar jardim (cf. Is
35,5-6; Sl 145/146).
É claro que a
constatação de que isso estava
acontecendo deveria provocar uma grande alegria. Mas Jesus tem consciência
de que sua ação em favor dos marginalizados provoca perplexidade e escândalo. E
o próprio João Batista fica confuso. Mas
por quê isso acontece, se a ação de Jesus é tão claramente libertadora? Na
verdade, João tinha uma visão um pouco diferente do Messias e da chegada do
Reino de Deus: ele esperava um messias que agisse como um juiz e castigador...
Mas, diante da ação
libertadora de Jesus, os fariseus não apenas duvidam do seu messianismo, mas também se escandalizam. E nós também precisamos admitir nossa
perplexidade. Esperávamos que o Filho de Deus se ocupasse de coisas mais santas
e espirituais, que não andasse cercado de gente mal-vista, que atuasse de modo
mais espetacular, ou então que fosse mais incisivo, articulado e eficaz,
promovendo mudanças estruturais e duradouras. É difícil vislumbrar a realização
da nossa utopia social em ações tão simples e cotidianas como as que Jesus
realiza.
Deus Pai e Mãe, te bendizemos porque nos chamas a ajustar o olhar para
reconhecer os sinais da visita do teu Filho e da nova terra que está sendo
gerada. Te bentizemos por Maria e José, pois eles acreditaram na manifestação
do teu Verbo na carne frágil do filho que acolheram e educaram pacientemente. Ensina-nos
a paciência do agricultor, que sabe respeitar o tempo de germinação e do amadurecimento
da semente. Dá-nos a serena firmeza dos profetas que falaram, esperaram e
sofreram em teu nome. E ajuda-nos a manter vivos e fecundos os sonhos que
compartilhamos com a humanidade, reconhecendo e celebrando os pequenos sinais
da sua realização. Assim seja! Amém!
Pe.
Itacir Brassiani msf
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